1) A Caixa Geral de Depósitos (CGD) tem estado envolvida numa polémica nas últimas semanas. O que se passa e como estalou o caso?
No dia 20 de janeiro, Joana Amaral Dias, antiga deputada do Bloco de Esquerda e atual comentadora na CMTV, divulgou a versão preliminar, datada de dezembro de 2017, de uma auditoria à gestão da Caixa entre 2000 e 2015 - no período analisado, a CGD foi liderada por António de Sousa (2000-2004), Vítor Martins (2004-2005), Carlos Santos Ferreira (2005-2008), Fernando Faria de Oliveira (2008-2010) e José Matos (2011-2016).
A controvérsia tem a ver com o facto de no documento serem reveladas informações que colocam em causa a gestão durante esses anos e que indicam que houve perdas de quase três mil milhões de euros em dezenas de operações analisadas pela Ernst & Young (EY), a consultora responsável pela auditoria.
2) O que nos diz este relatório preliminar?
A versão de 2017 da auditoria revela que houve concessão de créditos mal fundamentada, atribuição de bónus aos gestores com resultados negativos, interferência do Estado e aprovação de empréstimos com parecer desfavorável ou condicionado da Direção de Gestão de Risco do banco.
3) Toda a polémica surgiu com a divulgação de uma versão preliminar da auditoria, no entanto o relatório já está concluído desde agosto de 2018. Qual o motivo para o documento final ainda não ter sido entregue à Assembleia da República?
A administração da CGD recusou, por duas vezes, a entrega do relatório à Assembleia da República, num primeiro momento invocando sigilo bancário e, numa segunda vez, invocando o segredo de justiça.
A 9 de janeiro já deste ano, o parlamento anunciou que iria pedir à Procuradoria-Geral da República o acesso ao relatório.
Vinte dias depois, o Ministério Público informou “nada ter a opor” a que a CGD disponibilizasse ao parlamento a auditoria.
4) Quais foram as primeiras reações dos partidos às informações reveladas no documento preliminar?
Da direita à esquerda, os partidos expressaram desde logo a necessidade de tomar diligências para apurar responsabilidades.
Rui Rio, líder do PSD, afirmou que “é grave se o Governo tem aquilo [o relatório] e depois não entrega a quem de direito” para examinar as irregularidades detetadas, defendendo a realização de uma investigação.
O PCP destacou que o documento "confirma um conjunto de preocupações" já expressas pelos comunistas antes.
Já Catarina Martins, líder do BE, defendeu que seja feito um novo escrutínio à CGD no parlamento e que este tenha em conta as “operações da Caixa desde o ano 2000”. Os bloquistas também sublinharam, a 22 de janeiro, a importância de o relatório ser entregue ao parlamento “o mais depressa possível” - entretanto o documento já chegou à Assembleia da República [no dia 1 de fevereiro].
Por seu turno, o CDS anunciou que iria fazer uma nova proposta de inquérito parlamentar à CGD [ver próxima questão]. Para além disso, os centristas marcaram para dia 24 de janeiro um debate de atualidade, com o Governo, no parlamento.
5) Uma “nova” proposta de inquérito? Isso quer dizer que já houve outras. A quantas andamos em relação a comissões parlamentares de inquérito à Caixa?
Nos últimos anos, o banco público foi alvo de duas comissões parlamentares de inquérito [investigações conduzidas no parlamento para "apreciar os atos do Governo e da Administração" sobre “matérias de interesse público”], uma em 2016 e outra em 2017.
A primeira incidiu sobre as circunstâncias que levaram à necessidade de recapitalização do banco em quase quatro mil milhões de euros. Este inquérito acabou por terminar, por decisão do PS e dos partidos à esquerda, antes de o Tribunal da Relação ter tomado uma decisão sobre a obrigação de a Caixa enviar informação protegida pelo segredo bancário, nomeadamente dados relativos aos grandes devedores - uma das matérias contemplada na auditoria que agora foi entregue.
A segunda comissão de inquérito centrou-se nas condições de contratação de António Domingues, ex-presidente da Caixa - com um curto mandato de quatro meses, entre setembro e dezembro de 2016.
Agora que já foi entregue o relatório com os resultados da auditoria, foi agendado um debate, a realizar no dia 14 de fevereiro, para discutir a abertura de um novo inquérito, o terceiro, a partir da proposta do CDS-PP, mas cujo texto foi acordado entre PS, BE e PSD.
6) O que já aconteceu de concreto desde que a polémica estalou até agora?
Os principais avanços sobre o caso resumem-se aos seguintes quatro pontos:
- Debate no parlamento: No dia 24 de janeiro, quinta-feira, os partidos estiveram a discutir o caso da auditoria à CGD no plenário.
- Audição a Mário Centeno: Quase uma semana depois do debate, o ministro das Finanças foi ouvido no parlamento, numa audição, na comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, solicitada pelo PCP.
- Comissão parlamentar de inquérito: O CDS-PP, PSD, PS e BE chegaram a acordo para um texto comum sobre o objeto de uma futura comissão parlamentar de inquérito à CGD. Os objetivos desta comissão passarão por apurar se houve “interferência política” nos processos de decisão de crédito com valores mais altos desde 2000 e averiguar as “práticas da gestão da CGD no domínio da concessão e gestão de crédito e de outras modalidades de financiamento”.
- Entrega do relatório: O documento final chegou à Assembleia da República, na sexta-feira dia 1 de fevereiro. Paulo Macedo entregou-o em mãos a Teresa Leal Coelho, presidente da comissão parlamentar de Orçamento e Finanças. Horas depois, o relatório foi colocado no site do parlamento, embora tenha ficado indisponível durante um breve período - o Observador explica que, por lapso, no documento inicialmente disponibilizado era possível ver dados cuja divulgação ainda não foi autorizada.
7) O que diz, então, a versão final do relatório?
De um longo documento - são 263 páginas - esta é uma das principais conclusões: num total de 170 operações para concessão inicial de crédito, a auditoria contabilizou apenas 14 com parecer de risco favorável.
Ainda assim, as perdas deste tipo de operações incluídas no 'top 25' que a auditora compilou, como sendo as mais problemáticas, “totalizaram 238 milhões de euros, o que corresponde a 13,5% das perdas totais da amostra”.
A análise da consultora concluiu que a maioria dos casos analisados - 80 operações que representam perdas de 769 milhões de euros (43,7% do total) - receberam um parecer de risco “condicionado ao acolhimento de um conjunto de requisitos prévios à concessão do crédito, e em que o Órgão de Decisão [que tomou a decisão de conceder o crédito], para além de não fazer depender a sua aprovação da concretização das respetivas condicionantes, não deixou evidência escrita que justifique esta decisão”.
O relatório indica ainda que quatro autoestradas estão entre as 25 operações com maiores perdas para o banco, atingindo as perdas por imparidade 176 milhões de euros no final de 2015.
8) São 263 páginas de relatório e mesmo assim não está lá toda a informação. Porquê?
No relatório disponível no site da Assembleia da República são omitidas informações como os nomes dos grandes devedores, os valores dos créditos concedidos e a exposição em 2015. A título de exemplo, o quadro intitulado “Top 25 dos mutuários que originaram as maiores perdas” surge sem nomes.
A justificação é dada pela consultora EY: trata-se da “salvaguarda do dever de segredo das instituições de crédito em relação a pessoas e entidades terceiras”, em cumprimento das “instruções emitidas nas comunicações do Ministério Publico e do Banco de Portugal”.
9) Quando vai ser disponibilizado o acesso ao documento na íntegra?
Teresa Leal Coelho, na qualidade de presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, disse que espera que seja possível aceder à matéria ainda “truncada” na auditoria à Caixa logo que seja promulgado pelo Presidente da República o “diploma relativo à divulgação de informação das instituições bancárias em certas circunstâncias”.
Marcelo Rebelo de Sousa deverá recebê-lo esta terça-feira, 5 de fevereiro, e já disse que o promulgará “mal chegue a Belém”.
10) Mas, na sexta-feira [dia 1 de fevereiro], a Caixa foi também notícia por outros motivos.
Sim, Paulo Macedo teve um dia agitado. Depois de entregar o relatório da auditoria, o presidente executivo da CGD, apresentou os resultados de 2018 do banco.
No ano passado, a CGD teve lucros consolidados de 496 milhões de euros, bem acima dos 51,9 milhões de euros registados em 2017.
Este é o segundo ano consecutivo de lucros do banco público, depois de entre 2011 e 2016 os prejuízos acumulados terem superado os 3.800 milhões de euros.
Paulo Macedo, disse ainda que o banco reduziu em 646 o número de trabalhadores em Portugal (de 8.321 para 7.675) e em 65 o número de agências (de 587 para 522) durante 2018, face a 2017.
A redução de custos com pessoal do banco público foi, de acordo com o administrador financeiro da CGD, José Brito, algo “totalmente em linha com os objetivos” do plano de reestruturação acordado com a Comissão Europeia.
Paulo Macedo anunciou também que o banco tem 180 milhões de euros para pagar a trabalhadores que aceitem sair do banco público, em 2019 e 2020, no âmbito de rescisões por mútuo acordo e pré-reformas.
*Com agência Lusa
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