A Jaguar, um dos nomes mais reconhecidos no mercado automóvel do mundo, está a atravessar aquela que pode muito bem ser a maior transformação desde que foi fundada em 1935. Agora, a fabricante está “destemida”, “exuberante” e “incomparável”, e recuperou o ethos de “Copy Nothing”, um princípio que remonta às palavras do seu fundador, Sir William Lyons, segundo o recém divulgado anúncio de rebranding, feito para salientar a transição total para os veículos elétricos já a partir de 2025, e que inclui um novo logótipo e uma campanha que gerou grande tração nas redes sociais.
Divulgado na semana passada, não demorou até que o vídeo se tornasse num ponto de discussão — um que até saltou a esfera do setor em que se insere. Sem mostrar qualquer carro ou ícone felino, algo inusitado para uma marca com uma herança tão forte no design automóvel, o anúncio dividiu opiniões.
Com cerca de 30 segundos, o teaser mostra um grupo de modelos vestidos com roupas coloridas numa atmosfera futurista, com um foco claro na diversidade e expressão artística. A mensagem principal é a que está no website da Jaguar: explorar “novas perspectivas” e “desafiar os limites”. No fim, sob a batuta do slogan “to copy nothing”, é feita a revelação do novo logótipo da marca, que apresenta uma tipografia mais simples e uma versão atualizada do icónico "leaper" (o logotipo com o jaguar a saltar).
“Isto só pode ser uma piada”
A reação online à nova campanha da Jaguar foi intensa e polarizadora, com muitos utilizadores a expressarem descontentamento e confusão. Por exemplo, um dos comentários afirmava: "Isto só pode ser uma piada", enquanto outro alertava que esta mudança poderia "custar empregos e causar danos reais". Expressões como "Go woke, go broke" também foram repetidas por críticos, enfatizando a percepção de que a abordagem inclusiva e disruptiva da campanha poderia ser economicamente prejudicial para a marca.
Quem também se pronunciou sobre o assunto foi Elon Musk, CEO da Tesla, que comentou sarcasticamente: "Vocês não vendem carros?", publicação que recebeu mais de 164 mil "gostos", ultrapassando inclusive as interações do anúncio original da Jaguar. Outros críticos, como Nigel Farage, político britânico, compararam a campanha a um "momento Bud Light", referindo-se à controvérsia enfrentada pela marca de cerveja americana após ter feito uma parceria com a Dylan Mulvaney, uma influencer transgénero.
Apesar das críticas, a Jaguar mantém-se firme na sua visão. Joseph Stauble, porta-voz da Jaguar Land Rover (JLR), defendeu o rebranding, afirmando que a empresa preservou o que faz da Jaguar a Jaguar, mas que está a pensar no futuro. E fez saber que a marca revelará mais sobre todo o processo de mudança nas próximas semanas, sendo a visão completa apresentada ao mundo na Miami Art Week, no próximo dia 2 de dezembro. É lá que a marca promete dizer mais sobre como pretende redefinir a sua identidade enquanto celebra a fusão entre arte, tradição, inovação e automóveis.
O contexto
Para compreender esta mudança, é essencial analisar o contexto. A Jaguar Land Rover (JLR) é uma empresa britânica que opera como uma subsidiária da Tata Motors, um conglomerado indiano que adquiriu a empresa em 2008. A JLR é responsável por duas marcas muito conhecidas do setor automóvel: a Jaguar, famosa pelos seus automóveis desportivos e de luxo, e a Land Rover, célebre pelos seus SUVs. No entanto, embora partilhem a mesma estrutura empresarial, as duas marcas têm identidades distintas e contribuem de formas diferentes para o sucesso financeiro do grupo.
Segundo a Forbes, nos últimos anos, a divisão Land Rover destacou-se como o principal motor de receitas da JLR, muito graças ao sucesso de modelos como Range Rover, Range Rover Sport e Defender, que representaram 75% das encomendas do grupo em 2023. Por outro lado, a Jaguar enfrentou dificuldades para acompanhar este desempenho, sendo frequentemente vista como um fardo financeiro para o grupo, com perdas registadas por unidade vendida. Ou seja, mesmo com a popularidade de alguns modelos, como o F-Type, a Jaguar tem lutado para recuperar relevância e volume de vendas. Em 2023, por exemplo, vendeu apenas 64.241 veículos a nível global, num universo total de 431.733 unidades da JLR, destacando a disparidade no desempenho das duas marcas.
Para inverter esta tendência e assegurar a viabilidade da Jaguar, a JLR anunciou em 2021 a estratégia "Reimagine". Este plano ambicioso visa transformar a Jaguar numa marca exclusivamente elétrica já a partir de 2025 e representa um investimento de £15 mil milhões (cerca de €18,03 mil milhões) nos próximos cinco anos. Esta estratégia, no entanto, ainda de acordo com a Forbes, já é conhecida há mais de um ano e tem gerado controvérsia entre críticos que lamentam o fim dos motores V6, V8 e V12 da Jaguar, recordando o legado da marca no mundo das corridas e questionando o impacto desta mudança para os clientes fiéis ao longo das décadas.
E agora?
No comunicado oficial, a Jaguar apresentou o rebranding como o início de uma "nova era", procurando reviver o espírito visionário do fundador, Sir William Lyons, e a sua célebre frase: "Um Jaguar não deve ser cópia de nada". Mas tanto analistas e especialistas em marketing estão divididos quanto à eficácia desta estratégia. Alguns elogiam a ousadia e a quebra do status quo, enquanto outros alertam que a abordagem pode alienar a base tradicional de clientes, mesmo que o objetivo seja atrair novos públicos e distanciar-se da imagem de que a marca é só para homens de fato bem sucedidos.
À BBC, um diretor de uma agência de branding sugeriu que a controvérsia pode ser ou não deliberada, como uma forma de gerar atenção mediática. No entanto, alertou que esta é uma abordagem arriscada, pois pode afastar o núcleo da sua audiência. Por outro lado, outra especialista salientou que o rebranding era inevitável e elogiou o passo dado — que muitas marcas não tinham coragem de dar: "Como as coisas estão, algo tinha de mudar".
Em última análise, como destacou uma das especialistas consultadas, "ninguém sabe se isto vai resultar". Ainda assim, a Jaguar mantém-se confiante, respondendo à controvérsia com uma mensagem enigmática: "Em breve vão ver as coisas à nossa maneira”. Será esta estratégia o renascimento de que a marca precisa? A ver vamos. O tempo dirá.
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