Quando pensamos na JP Morgan Chase, há várias coisas que nos veem rapidamente à cabeça:

  • "O maior banco dos EUA"

  • "Tem o maior banco de investimento do mundo"

  • "Gere quase 4 biliões (ou trillions) de dólares em ativos"

  • "Tem mais experiência nos mercados financeiros do que todos, podendo-se traçar a sua origem no final do século XVIII"

São informações que estão por detrás de toda a reputação do conglomerado financeiro americano e que o tornam numa peça basilar de todo o sistema financeiro mundial. Dito isto, dada a sua importância, é díficil imaginar alguém a conseguir enganar esta organização em qualquer tipo de negócio, seja uma empresa, investidor ou utilizador a título individual.

Mas foi o que "alegadamente" aconteceu com Charlie Javice e a sua startup, a Frank. Criada em 2016, a empresa posicionou-se como uma solução para os milhões de estudantes americanos que, todos os anos, passam por uma complexa candidatura a empréstimos junto de bancos e outras instituições financeiras para conseguirem arranjar maneira de pagar a universidade — e é aqui que entra o software da Frank, que simplificava todo esse processo. Ao mesmo tempo, a empresa procurava ser "uma Amazon para o Ensino Superior", atacando um mercado avaliado nos EUA em 1.5 biliões (trillion) de dólares (2023).

Acontece que o pitch foi suficiente para Javice ir atraindo o interesse de vários VCs como Mark Rowan (da Apollo Global Management) e para em setembro de 2021 a JP Morgan Chase decidir adquirir a empresa por 175 milhões de dólares. Com a compra, o objetivo do banco era colocar Charlie Javice e o restante staff da Frank à frente da sua divisão dedicada a estudantes para que pudessem vender a sua plataforma juntamente com outros serviços da JP Morgan. No papel, parecia fazer tudo sentido pois:

  • Javice tinha-se licenciado na Wharton, uma das universidades de maior prestígio nos EUA e, em 2019, tinha estado na lista da Forbes "30 Under 30", como uma das jovens empresárias mais promissoras.

  • Segundo a CEO, a Frank já tinha registado os processos de mais de 5 milhões de estudantes presentes em mais de 6 mil universidades.

Mas afinal não era bem assim…

2022 terminou com a JP Morgan Chase a afastar Charlie Javice do seu cargo e a colocá-la em tribunal por fraude. No processo, o banco alega que a fundadora da Frank adulterou prepositamente a lista de clientes que a sua startup tinha, de forma a inflacionar o preço que a JP Morgan tinha de pagar para a adquirir.

Afirmações sérias que, para os pecados de Javice, parecem ter várias provas a sustentá-las.

As suspeitas do banco começaram quando começou a testar campanhas de marketing dos seus serviços com a "audiência" que tinha adquirido junto da Frank: 4.265 milhões de estudantes. Um e-mail de teste enviado a 400 mil utilizadores conseguiu ser entregue a apenas um quarto da amostra, e desse grupo apenas 1% acabou por o ler. Os alarmes soaram e iniciou-se uma investigação mais séria. E eis uma breve sequência desses "alegados" acontecimentos:

  • O comportamento errático de Charlie Javice começou no processo de diligência, quando a JP Morgan pediu que entregasse a lista de utilizadores da Frank. A fundadora inicialmente citou a proteção da privacidade dos mesmos como motivo para não o fazer.

  • A JP Morgan acredita que na altura em que comprou a startup esta não teria mais do que 300 mil utilizadores ativos, menos de 10% do que proclamava nas sucessivas apresentações que fez ao banco e a outros investidores. E que em vez de dizer a verdade em qualquer etapa, Javice escolheu consecutivamente mentir para benefício próprio.

  • Charlie Javice utilizou vários esquemas para apresentar uma base de utilizadores que não tinha: 1) pediu a um engenheiro de topo da Frank para fabricar a lista; 2) pagou 18 mil euros a um professor universitário em Nova Iorque para criar uma lista de 4 milhões de utilizadores com base no número de utilizadores que já tinha com nome, morada, data de nascimento e outros dados; 3) pediu ao seu Chief of Growth, Oliver Amar, para comprar uma base dados a um fornecedor "third-party", por 105 mil euros. A lista recebida pela JP Morgan foi uma mistura das duas últimas.

  • Antes de tudo isto, a Frank já tinha sido alvo de escrutínio por parte do Congresso Americano e da FTC (autoridade americana da concorrência), pelo funcionamento deficiente da sua plataforma e por um modelo de negócio que parecia estar mais assente na venda de dados de utilizadores a anunciantes.

É caso para dizer frank(amente)

Como resposta à acusação da JP Morgan, Charlie Javice decidiu passar ao contra-ataque e colocar também o banco com um processo em tribunal. De acordo com a empresária, tudo isto não passa de um esquema para justificar e esconder uma terminação do seu contrato com má-fé.

  • Por um lado, Javice acredita que a instituição financeira decidiu desfazer-se da Frank quando percebeu que não ia conseguir contornar algumas leis de privacidade para tirar proveito da sua base de utilizadores.

  • Por outro, é também uma forma da JP Morgan se escapar à compensação milionária que lhe tinha sido prometida: a juntar aos 10 milhões de dólares que recebeu com a aquisição, Javice estava próxima de receber um bónus de 20 milhões de dólares.

Coincidência? Quando integrou a lista da Forbes fizeram duas perguntas a Javice: "Qual o maior desafio da Frank?" e "Qual o pior conselho que já tinha recebido?". Respetivamente, as respostas foram "escalar o negócio" e "ser paciente". O que faz sentido.