Agatha Arêas é diretora de marketing do Rock in Rio (RiR) e está há 18 anos na empresa. “Estou aqui por escolha. Fiz tudo o que pude para entrar, escolho ficar e felizmente sinto que me escolhem todos os dias”, diz-nos. Casada com um português, mãe de dois meninos de 4 e 6 anos, Portugal é também uma escolha. Lisboa é a sua “cidade maravilhosa”.
No próximo dia 27 de junho, depois de Bruno Mars e antes de The Killers, a cidade do rock abre portas para uma formação de executivos, 0 Rock in Rio Academy, onde Agatha voltará a tomar a palavra — tal como Roberto Medina, fundador do festival, e Roberta Medina, vice-presidente executiva — para falar sobre propósito e negócio numa marca que leva 33 anos de história.
Antes, a diretora de marketing sentou-se na agitada cafeteria do LACS, um cluster criativo junto ao Tejo e quartel-general do Rock in Rio por estes dias, para uma conversa sobre como é que esta empresa passou do palco para a sala de aula. Pelo meio, contou-nos como é que se gere o cancelamento de um cabeça de cartaz em 24 horas, como às vezes é preciso aceitar simplesmente que os “haters” existem, e como a partilha é a nova alma do negócio.
Comecemos pelo que nos trouxe aqui: 0 Rock in Rio Academy. Das guitarras para o powerpoint, em plena cidade do rock e com o festival a decorrer. Quer explicar do que se trata?
Estamos a falar de um cenário de inovação em que se busca a partilha de conhecimento, e que integra não só o Rock in Rio Academy como a Rock in Rio Innovation Week [cuja primeira edição acontece no LACS de 25 a 29 de junho]. Identificámos que o RiR tinha capacidade para criar um ecossistema que tem três organismos. O principal é, sem dúvida, o próprio festival. Depois vem o Rock in Rio Academy, que é uma formação executiva baseada no modelo de negócio do Rock in Rio, e onde grande parte dos executivos do festival falam das suas áreas de atuação, e de como é que entregam uma proposta de valor com excelência, salvaguardando o propósito de construir um mundo melhor e deixando uma memória afetiva nos nossos skateholders [partes interessadas] — não apenas o fã, mas o artista, o parceiro de meios e o patrocinador. Depois, por coincidência e satisfação, recebemos o convite do LACS - Lisbon Art Center and Studio, que é um cluster para as indústrias criativas, e que nos desafiou a mudar a nossa sede para cá, tendo como contrapartida sermos parceiros estratégicos na dinamização cultural do espaço. O nosso compromisso com o LACS era de começar a implementar essa programação depois do festival, mas como a gente é doidinho mesmo, vai acontecer no meio do festival. Ao longo de quatro dias de palestras teremos mais de 100 intervenções.
Qual é a diferença entre o Rock in Rio Academy e o Rock in Rio Innovation Week?
Além de serem públicos diferentes, tem o preço. O Academy é só um dia (com almoço e coffee break) e é uma formação mais corporativa, que dá ainda acesso a um bilhete para o festival. E está longe de ser só para a indústria do entretenimento: a gente recebe pessoas de farmacêuticas, da banca, de vários segmentos que querem entender de negócio, de plataformas de comunicação e de experiência. Já o Rock in Rio Innovation Week tem um preço mais acessível, mas não tem almoço ou bilhetes para o festival. No entanto, tem muito debate, muito assunto bom, os speakers [oradores] são ótimos, são voltados mais para provocações futuristas. [Este modelo] tem uma pegada de tecnologia, de criatividade, de inovação em todos os seus sentidos — na forma de pensar, no processo criativo. Achamos que à Week virão mais universitários, pessoas que estão a começar ou que estão em fase de transição. O convite está aberto a todos, o palco é de provocação e transformação.
Apesar de ambos acontecerem entre os fins de semana do festival, o Academy tem a particularidade de se realizar mesmo na cidade do rock. Qual é o objetivo?
A proposta do Academy é ser completamente imersivo, é um living case [caso vivo], com tudo acontecendo em tempo real. Nas três edições do Academy todos fizemos ajustes nas apresentações. Como aquilo é na semana do meio do festival, a gente já tem as apresentações feitas e testadas, mas acontece tanta coisa no primeiro fim-de-semana que a gente acaba reformulando. Em 2016, assim como em 2017, tivemos dois cancelamentos, aqui foi Ariana Grande, no Brasil foi a Lady Gaga, 24 horas antes do primeiro dia, e era cabeça de cartaz. Isso mexeu com absolutamente todos os departamentos, e todo o mundo teve de ser muito ágil para dar resposta para colmatar aquilo.
São 24 horas de loucura…
Completamente. O que mais nos incomodou não foi um possível prejuízo, foi olhar para a carinha do público e imaginar o que eles iam sentir. Havia milhares de fãs que tinham ficado a dormir à porta, vindos de todos os lados do Brasil. A gente não deixou nenhum meio [de comunicação] dar a notícia antes de estarmos ali fora com água, com fruta, todos nós, falando com eles, dando atenção, explicando, muita gente chorando, gente desmaiando, e isso é o que faz mais diferença, são as pessoas. No final das contas, é o sentimento das pessoas que interessa, porque queremos que elas vibrem, que adorem o festival, que saiam falando que o Rock in Rio é um máximo.
"Eu acho que a sorte e a divindade ajudam quem está sempre trabalhando"
Como é que se dá a volta a uma situação destas em 24 horas?
No caso da Lady Gaga, o primeiro choque é no artístico, porque são eles que recebem a notícia. Depois a pergunta é: o que é que eu faço com o cabeça de cartaz? É que ele dita muito a venda de bilhetes. E aí o artístico começou a trabalhar — e a gente teve muita sorte, bênção, ou trabalhou direito, se bem que eu acho que a sorte e a divindade ajudam quem está sempre trabalhando. Maroon 5, que iam tocar no dia seguinte, já estavam no Brasil porque iam fazer um show no sul do país. Depois de muitas horas de negociação, o desafio era conseguir que o seu equipamento chegasse a tempo de fazerem o primeiro dia.
Depois é a vez do ticketing [bilheteira], em que você tem de consultar o jurídico e o financeiro, com todo o mundo fazendo contas e vendo se indemniza ou não.
Além disso, é preciso de saber que tipo de sinalética tem de se colocar, então entra em ação a área de produção e operações. Legalmente é preciso fazer uma série de coisas, como publicar numa rede social ou várias, colocar a informação no website, nos pontos de venda e na própria cidade do rock, em todas as saídas.
Depois começa a parte da comunicação social, juntamente com a parte de publicidade. A gente não pode fazer nenhuma declaração sem antes alinhar com o artista, só que para chegar até ao artista, até haver uma mensagem de duas linhas, até definir um fuso horário… tudo isso é um alinhamento. A gente também tem de publicar um anúncio que sai só no dia seguinte, mas que tem de sair.
Só aqui contei várias áreas envolvidas, sem contar o board [a direção], que está sempre na tomada de decisão.
"Está ultrapassada a ideia de que ao dividir se fica com um pedaço menor. Não, você quando divide multiplica porque abre espaço, o bolo cresce e no final o pedaço para cada um é maior."
A Agatha acabou de partilhar com algum detalhe esta gestão de crise, o segredo já não é a alma do negócio?
Tenho estudado sobre a cultura da facilitação, e como é bacana. Acho que isso devia fazer parte do nosso currículo escolar, assim como a empatia, que é uma das competências do futuro. Acho que nessa cultura da facilitação está o espírito da partilha, que faz muita coisa acontecer. Não existe mais essa energia da escassez, ou seja, está ultrapassada a ideia de que ao dividir se fica com um pedaço menor. Não, você quando divide multiplica porque abre espaço — vem um, vem outro e acrescenta —, o bolo cresce e no final o pedaço para cada um é maior.
Se tivesse então de resumir o segredo de uma marca que já leva 33 anos, qual seria?
Respeito. Respeito por todos aqueles que fazem parte da nossa cadeia produtiva, respeito entre nós e ao nosso propósito. Paixão, o amor por aquilo que se faz. E trabalho, muito trabalho. Trabalho duro, mas com uma postura positiva, de forma a que a gente também se divirta. Eu acho que se você trabalha com comprometimento e com alegria, você entrega resultados bastante positivos e muito acima do que uma folha de excel pode projetar.
"A gente não está querendo implementar a política do pão e do circo, mas as pessoas também têm direito a um escape de alegria, de criatividade, de esperança..."
Falando em propósito, isso remete-me para o título da sua intervenção no Academy: Marketing com propósito…
Acho que o propósito do Rock in Rio é construir um mundo melhor através de uma presença na sociedade que seja completamente sustentável e assente nos seus três pilares: o económico, o ambiental e o social. O Rock in Rio é um projeto human centered, que coloca o ser humano no centro, vê o que ele quer e o que precisa, e entrega momentos de alegria. Um dos grandes elogios que recebemos — a gente emoldurou essa capa de jornal — foi na edição de 2010 ou 2012 do festival, quando um jornal publicou uma reportagem dizendo que o Rock in Rio foi um oásis de felicidade. O artigo discorria sobre o momento difícil que os portugueses estavam vivendo com a crise e de como o Rock in Rio foi um oásis — mas sem parecer alienação, porque a gente tem muito cuidado com isso. A gente não está querendo implementar a política do pão e do circo, mas as pessoas também têm direito a um escape de alegria, de criatividade, de esperança, de sonho, e é isso que a gente tenta construir e entregar na cidade do rock.
A Agatha é diretora de Marketing. Vivemos tempos excitantes, em que é muito mais fácil chegar às pessoas sem depender dos meios de comunicação tradicionais. Por outro lado, isso requer um controlo muito maior sobre como se comunica. Que desafios é que isso vos traz.
A Internet mudou o relacionamento das pessoas, e com as redes sociais você fica literalmente numa vitrina em se está exposto a qualquer tipo de comentário. Se a marca não estiver muito fortalecida dentro do seu propósito, ela se enfraquece porque os próprios colaboradores podem ficar muito vulneráveis àquilo que está sendo dito nas redes sociais. É preciso reconhecer que existem os tais haters [pessoas que falam sempre mal] e existem aqueles que não são haters mas que simplesmente têm a sua opinião e querem expor. Agora, também é verdade que aqueles que querem elogiar dedicam menos tempo a isso do que aqueles que querem fazer algum tipo de reclamação. É um desafio, e a gente tem um grupo bem estruturado para isso, todo um departamento de gestão de comunidade aqui e no Brasil, articulado com a nossa agência Artplan. A gente ouve, dá muita resposta e trabalha com métricas. Se a gente fosse um festival de nicho era simples, mas a gente é um festival para todos, e quando você dá uma notícia boa para uns [a confirmação de um artista] os outros ficam chateados. É ir equilibrando.
Por outro lado, além de ter ficado mais fácil, ficou mais rápido. Tudo é urgente e, no reverso da moeda, efémero. Como é que uma marca se mantém relevante quando a gestão da informação é assim?
É aí que entra a questão da experiência, a informação acompanhada de emoção. Quando o conteúdo vem acompanhado de uma vivência ele ganha emoção, ganha uma história, entra na sua memória afetiva e você nunca mais esquece.
O Rock in Rio é fruto do sonho de um homem [Roberto Medina] conhecido por ser um comunicador exímio. Como diretora de marketing, como olha para este legado, é um peso?
Acho que a palavra de início e fim dessa história é inspiração. Tenho uma paixão absoluta pelo que esse senhor — nosso presidente e fundador Roberto Medina — representa, e me sinto muito privilegiada por ter sido pupila dele. São muitos anos na organização, 18 anos. Vim para Portugal e nunca mais sai, casei com um português, tenho dois filhos portugueses e acabei de construir uma casa. É aqui que quero ficar e para mim é a cidade maravilhosa, mas isso é outra história. Agora, peso acho que é uma palavra que pode ser negativa, é mais um desafio. Roberto é tão magnético que você se sente mais inspirada que intimidada, e ele tem aquela capacidade de liderança nata: você não está olhando para um chefe ou para alguém que tem uma autoridade no papel maior que você; você está olhando para alguém que você quer seguir, porque ele te inspira. Então, eu acho que a palavra que resume o meu sentimento por ele é inspiração.
"Aqui no Rock in Rio não tem espaço para espírito de porco, para fofoca, para gente que vê o negativo. Não tem porque não há tempo, a gente tem que realizar, e para realizar você tem de estar de peito aberto"
O que procura numa pessoa que integra uma equipa sua?
Uma pessoa que também inspire. Acho que inspiração é uma grande fonte de criação, e ela pode vir de uma pessoa que tem tantos resultados para mostrar [como Roberto Medina], como pode vir de um jovem de 18 anos, de olhar brilhante, que diz “eu quero fazer porque tenho a certeza que vou conseguir, porque tenho esse sonho". Você vê inspiração na experiência, como vê no frescor. Mas além disso, eu procuro postura positiva. Aqui no Rock in Rio não tem espaço para espírito de porco, para fofoca, para gente que vê o negativo. Não tem porque não há tempo, a gente tem que realizar e para realizar você tem de estar de peito aberto, não dá para ser diferente. Muita garra, inspirar e se deixar inspirar é necessário para fazer um projeto como este.
Como mede o sucesso, o seu sucesso?
Nunca ninguém me fez essa pergunta [risos]. É acordar e estar apaixonada, acordar e estar feliz consigo mesma, feliz com aquilo que se entrega e no meio onde se está. Eu estou muito feliz com o caminho que venho percorrendo e construindo. Hoje tenho uma família bonita, tenho dois meninos, um de seis e outro de quatro, estou neste projeto por escolha — fiz tudo o que pude para entrar, escolho ficar e felizmente sinto que me escolhem todos os dias. E gosto de hoje me sentir uma pessoa inteira. Acho que sucesso é… se sentir pleno. Hoje eu tenho um pouquinho de tudo aquilo que eu acredito que é necessário para uma pessoa viver a plenitude.
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