A cada discurso de balanço do ministro das Finanças há uma expressão sempre presente: “estabilização do setor financeiro”. Segundo Mário Centeno, o governo PSD/CDS-PP ignorou os problemas do setor e foi ao atual executivo que coube tomar as medidas, o que – considera – contribuiu significativamente para melhorar o ‘rating’ de Portugal e descer as taxas de juro da dívida, naquilo que avalia como “uma verdadeira reforma estrutural”.
Pouco após o Governo tomar posse, ainda no final de 2015, foi intervencionado o Banif, através de uma medida de resolução, e vendida a atividade bancária (incluindo 154 balcões e mais de 1.000 trabalhadores) ao Santander Totta por 150 milhões de euros.
Em 2016, ainda com o Banif em processo de resolução, saltou para a ribalta mediática a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e as necessidades de recapitalização. Foram então acordados com Bruxelas quase 5.000 milhões de euros, dos quais 2,5 mil milhões de euros de injeção direta do Estado.
A CGD mudou ainda de gestão. No verão de 2016 saiu a equipa de José de Matos e foi substituída por uma liderada por António Domingues (vindo do BPI). Duraria só quatro meses perante a polémica sobre as elevadas remunerações dos novos administradores e falta de transparência.
As rédeas da CGD seriam, no início de 2017, assumidas por Paulo Macedo (ex-ministro da Saúde do governo de Passos Coelho), a quem tem cabido executar o plano de reestruturação negociado com Bruxelas, com mudanças comerciais, venda de operações, polémicos fechos de centenas de balcões (com manifestações em várias localidades) e saída de 2.000 trabalhadores (desde então à média de cerca de 500 por ano).
Nesta legislatura houve também quatro comissões de inquérito no parlamento sobre o setor financeiro: uma sobre a resolução do Banif (em 2016) e três sobre a CGD.
No caso do banco público, a primeira (2016 e 2017) foi sobre a gestão desde o ano 2000 e o processo de recapitalização; a segunda (2017) foi focada na nomeação da gestão de António Domingues e em saber se o ministro das Finanças negociou com o gestor a dispensa da apresentação da declaração de rendimento, com as polémicas SMS; a terceira (2019) foi novamente sobre a gestão do banco, depois de uma auditoria a créditos ruinosos, que teve como protagonistas o empresário José Berardo e o ex-governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio.
Apesar de esta legislatura já ter sido posterior ao ‘terramoto’ Banco Espírito Santo (alvo de uma medida de resolução em gosto de 2014), ainda se continuaram a sentir as ondas de choque e os tempos foram muito conturbados no Novo Banco (o banco criado aquando da decisão sobre o fim do BES).
Depois de a primeira tentativa de venda ter sido cancelada, ainda no governo PSD/CDS-PP, a alienação do Novo Banco foi concretizada em outubro de 2017 ao fundo norte-americano Lone Star. A alternativa, diriam, era a resolução.
O fundo de investimento ficou com 75% e não pagou qualquer preço, em troca de uma injeção de capital de 1.000 milhões de euros, continuando os restantes 25% com o Fundo de Resolução, entidade da esfera do Estado gerida pelo Banco de Portugal.
Desde então o Novo Banco continua em reestruturação e, apesar de maioritariamente privado, tem pesado no bolso dos contribuintes.
É que na venda foi acordado um mecanismo pelo qual o Fundo de Resolução compensa perdas, sob determinadas circunstâncias, até ao valor de 3,89 mil milhões de euros.
Até agora, o Novo Banco já recebeu 1.941 milhões de euros (referentes a 2017 e 2018), tendo o Fundo de Resolução recorrido a empréstimos do Tesouro.
Estes quatro anos foram ainda marcados pelas tentativas de compensar os lesados bancários, uma das promessas de António Costa ainda antes de ser primeiro-ministro.
Foi feito um acordo para compensações financeiras a cerca de 2.000 lesados do BES que investiram em papel comercial do grupo BES, através de um fundo de recuperação de créditos com apoio do Estado. Contudo, há ainda milhares de lesados bancários que ou não aceitaram os acordos (porque implicam perda de capital parcial) ou não foram incluídos nas soluções.
Esta legislatura ficou ainda marcada por períodos conturbados e mudanças importantes no BCP, no BPI e no Montepio.
No BCP destaca-se entrada do grupo chinês Fosun, ajudando a reforçar o capital do banco, que ultrapassou a petrolífera angolana Sonangol como maior acionista e tem hoje 27%.
No BPI, no primeiro ano da legislatura ainda continuou o conflito acionista entre o grupo espanhol CaixaBank e a empresa angolana Santoro (de Isabel dos Santos), que terminou com o catalão CaixaBank a controlar o banco no início de 2017.
Em contrapartida, o BPI reduziu a sua operação em Angola, com a venda de 2% do Banco de Fomento de Angola (BFA) à operadora angolana Unitel (também de Isabel dos Santos), perdendo a maioria do capital.
No Montepio, Tomás Correia mantém-se como presidente da Associação Mutualista apesar das polémicas que marcaram os últimos anos, com dúvidas sobre a solidez do grupo e da sua idoneidade, sobretudo depois de em fevereiro deste ano ter sido conhecida a multa de 1,25 milhões euros do Banco de Portugal por irregularidades quando era presidente do Banco Montepio.
Desde março que a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) está a avaliar a idoneidade de Tomás Correia – para saber se tem condições para ser presidente da mutualista –, mas até agora sem desenvolvimentos.
A legislatura termina, contudo, com vários termas que não estão fechados e que passarão para o próximo governo.
Nos lesados bancários, há um processo em curso na Ordem dos Advogados. As comissões dos peritos da Ordem receberam até junho reclamações de mais de 3.100 clientes que perderam os investimentos nas resoluções do Banif e do Banco Espírito Santo (BES) e têm até setembro ou outubro para decidir quais os lesados elegíveis para serem integrados numa eventual solução.
O objetivo é que seja constituído um fundo de recuperação de créditos, com o apoio do Estado, que compense (ainda que parcialmente) os lesados elegíveis.
Para a próxima legislatura passa também a reforma da supervisão financeira. É que apesar de estar no programa do atual Governo e de o executivo ter apresentado uma proposta de lei, o parlamento aprovou a transição para a próxima legislatura pela falta de tempo para a debater e votar, até pelas fortes críticas que se fizeram ouvir dos vários supervisores financeiros, desde logo do Banco de Portugal.
‘À espreita’ pode estar ainda uma comissão de inquérito, desta vez centrada no Novo Banco e na sua venda.
Este tema foi muito falado no parlamento nos primeiros meses deste ano, o que levou o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, a avisar então que não aceitava mais comissões de inquérito enquanto não acabassem os trabalhos de algumas das três que estavam em funcionamento (rendas excessivas na energia e furto de Tancos, já fechadas entretanto, e CGD, a terminar).
(Por Irina Melo, da agência Lusa)
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