A quinta Cimeira União Europeia - União Africana (UE-UA) vai decorrer, nos dias 29 e 30 de novembro, em Abidjan, na Costa do Marfim, e está subordinada ao tema "Investir na Juventude para um futuro sustentável".

Depois de 17 anos de cimeiras UE/África, a ideia com que se encara este quinto encontro é que ainda está tudo por fazer. Na primeira cimeira, que decorreu no Cairo, em 2000, o terreno era fértil em esperanças — nomeadamente acerca de programas de desenvolvimento africano em várias áreas. Já no segundo encontro, em Lisboa, em 2017, em que se promoveu os acordos de Parceria Económica (APE), os resultados obtidos até então tinham ficado aquém das expectativas. Este aquém estendeu-se até à Cimeira de Tripoli (2010) e Bruxelas (2014).

Nesta quinta Cimeira, a primeira a realizar-se na África Subsaariana, o presidente do Parlamento Europeu, António Tajani, manifesta a intenção de se criar um Plano Marshall para África. Segundo o jornalista Sousa Dias, a proposta é reflexo da “ideia de fracasso no tudo, ou quase tudo, o que se tentou fazer até hoje, 17 anos volvidos após o apito inicial”.

Sem a presença de nomes ressonantes na política africana, como Muammar Kadhafi (Líbia), José Eduardo dos Santos (Angola), Robert Mugabe (Zimbabué), os 80 chefes de estado e governo europeus e africanos, entre ele o primeiro-ministro português António Costa, terão de repensar a estratégia de desenvolvimento de um continente que ainda continua a ser assolado por guerras, crises político-militares e pobreza.

Vejamos os assuntos que estão a ser preparados para esta cimeira e as expectativas para o encontro.

África é “o sítio para se estar"

O presidente do Banco Africano de Desenvolvimento, Akinwumi Adesina, elogia, numa entrevista dada à Lusa, o continente africano, assegurando que “é o sítio para se estar” e para fazer negócios, ao focar o aumento da classe média e o mercado de consumo de 1,4 mil milhões de dólares até 2020.

Adesina acrescenta ainda que "até 2050 o continente africano terá a mesma população que têm hoje a Índia e a China" e que nos próximos três anos "a despesa de consumo das famílias vai chegar aos 1,4 mil milhões de dólares”.

Questionado sobre a ideia muitas vezes associada a África de um continente rico em potencial, mas com um forte índice de corrupção, Adesina retorquiu: "A corrupção é um problema global, não é um problema de África; a crise financeira veio de África? Não, veio de Wall Street, em todas as sociedades há corrupção".

O banqueiro, depois de ter sido ministro da Agricultura da Nigéria, reforça que "África está a liderar o mundo em termos de reformas regulatórias" e que o banco está a apoiar medidas para tornar as áreas da indústria extrativa de petróleo, gás e minérios mais transparentes. Adesina conta que muitas vezes as multinacionais abusam do seu poderio face a países menos experientes "porque às vezes têm mais advogados financeiros que o país inteiro com que estão a negociar".

O presidente do Banco Africano de Desenvolvimento considera ainda que África precisa de "investimentos maiores e mais rápidos", defendendo que até 2025 é preciso que o setor privado invista mil milhões de dólares. No que diz respeito às exportações, reforça que os países africanos devem diversificar os destinos das exportações para se protegerem da volatilidade dos preços e não dependerem da procura de um só parceiro — reconhecendo, ainda, o relacionamento bilateral muito forte entre África e China, principalmente em matéria-prima, como o petróleo, gás e carvão.

Eurodeputados querem falar de direitos humanos, segurança e agricultura

Desenvolvimento sustentável, direitos humanos, segurança e agricultura são temas chave que alguns eurodeputados elegem para a quinta cimeira.

“O revigoramento parceria UE-África constitui uma excelente oportunidade para definir grandes apostas com reflexo nos planos de cooperação Pós-Cotonou, permitindo atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável e cumprir as metas do Acordo de Paris”, disse à Lusa o eurodeputado Carlos Zorrinho (PS).

“O futuro da Europa, mais do que em qualquer outra frente internacional, joga-se em África. Não apenas pela questão dos refugiados e pela evolução demográfica, mas também pelos profundos laços históricos, afetivos e económicos que unem estas duas regiões do globo”, considerou, por seu lado, Paulo Rangel (PSD). O eurodeputado reforça o “grande esforço na África subsaariana de contenção de fenómeno jihadista e terrorista” e garante que, para a cimeira, a União Europeia (UE) leva um “pacote orçamental para o desenvolvimento em que, de facto, os países africanos passam a ter um mecanismo de acesso reforçado e ágil”.

Já João Ferreira (PCP) adiantou defender “uma cooperação genuína, que privilegie setores essenciais - como a educação, a saúde, os serviços públicos em geral, a agricultura e a produção de alimentos, entre outros - e que seja respeitadora da soberania dos países e povos africanos e do seu direito ao desenvolvimento”.

A eurodeputada do BE Marisa Matias sublinhou ainda a urgência de “trazer os Direitos Humanos para as negociações, mas como um valor e uma regra que vale o mesmo para todos e é cumprida igualmente por todos”.

Concord quer virar as atenções para o elefante branco

A questão do envolvimento da sociedade civil na cooperação entre União Europeia e África é “o elefante na sala” da V Cimeira, diz Agustin Martin Lasanta, da Fundação Alemã da População Mundial (DSW), membro da Concord, a Confederação europeia de organizações não-governamentais (ONG) de ajuda e desenvolvimento.

Agustin defende que a sociedade civil deveria ter um papel muito mais ativo na consulta e monitorização dos projetos financiados em África, mas “ninguém está interessado em abrir uma nova frente de conflito”, até porque há vários Estados-membros, de um continente e de outro, “que não são grandes adeptos da transparência”. Agustin acrescenta: “basta ler os relatórios sobre a situação dos direitos humanos, da liberdade de imprensa, da xenofobia. E ninguém quer abrir uma nova frente de conflito devido ao papel da sociedade civil”, quando já há tantos problemas em torno das migrações e direitos humanos, diz.

Além do receio de que a sociedade civil continue a ser de certa forma posta de lado, Agustin tem outra preocupação ao perspetivar a cimeira UE-África: a ênfase quase exclusiva que é dado à criação de emprego, negligenciado outros setores.
“Penso que as prioridades desta cimeira estão bem definidas, ao focar-se na juventude, atendendo à mudança demográfica em África. Os trabalhos estão muito focados na criação de emprego através do investimento, o que é positivo. Mas não se pode esquecer questões como a educação ou os cuidados de saúde, por exemplo”, aponta.

Por outro lado, Pedro Krupenski, presidente da Plataforma Portuguesas das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD), reforça que afirma que as migrações, segurança, investimento privado e a regulação do comércio são temas fundamentais que deveriam ser abordados na Cimeira União Europeia–União Africana.

A quinta cimeira UE/África decorre em Abidjan, a capital económica da Costa do Marfim, com o tema 'Investir na Juventude para um futuro sustentável', e será presidida pelos líderes dos dois blocos, Donald Tusk e Alpha Condé.

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