Em entrevista hoje concedida à Lusa e a três outras publicações europeias, um dia depois de o tribunal alemão ter exigido ao BCE que no prazo de três meses justifique a conformidade do seu mandato para as vastas compras de dívida, numa sentença com implicações incertas, Paolo Gentiloni apontou que o tema foi discutido na reunião semanal de hoje de comissários, tendo todo o colégio partilhado a mesma ideia.
“Relativamente à decisão do Tribunal Constitucional alemão, nós tivemos esta manhã durante o colégio uma apresentação pelo responsável dos serviços jurídicos, e concordámos em absoluto com a primeira reação que foi emitida ontem [quarta-feira], e que basicamente diz duas coisas: por um lado, para nós a primazia das regras da UE e do Tribunal de Justiça da UE não está em causa, e em segundo lugar, mas da mesma importância, apoiamos em absoluto a independência do BCE, e a sua independência em definir a política monetária da União”, sublinhou.
Recordando que já no passado a Comissão Europeia teve de lidar com sentenças contraditórias, Gentiloni garantiu que o executivo comunitário, enquanto “Guardião dos Tratados”, vai seguir o mesmo caminho de sempre, de defender o primado do direito europeu.
“Vamos ser os guardiões dos Tratados, e isso significa duas coisas muito claras: a primazia no direito europeu é europeia, e não de tribunais nacionais, e, em segundo lugar, a independência do BCE é um pilar do nosso projeto europeu, pelo que não creio que haja consequências [desta sentença], pois estou confiante de que o Guardião dos Tratados, a Comissão, atuará nesta direção após esta decisão, tal como fizemos após outras decisões de outros tribunais constitucionais e outros tribunais de Estados-membros”, disse.
Questionado sobre se a sentença do tribunal alemão pode de alguma forma complicar o estabelecimento do fundo de recuperação, Gentiloni disse não acreditar que esse seja o caso, “até porque a decisão é dirigida a algumas políticas do BCE” que não as respostas à atual crise da covid-19, e afirmou até crer que incentivará uma resposta comum dos Estados-membros.
“Paradoxalmente, até pode ter um efeito contrário. Se houver uma discussão sobre o BCE, até pode constituir uma chamada de despertar para aquilo que frequentemente [o antigo presidente do BCE] Mario Draghi e [a atual presidente] Christine Lagarde pediram aos Estados-membros, para terem ferramentas comuns de política orçamental, não deixando apenas ao BCE o papel de enfrentar momentos difíceis e crises”, apontou.
Reforçando essa ideia, Gentiloni considerou que “paradoxalmente, [a posição do Tribunal Constitucional alemão] é mais um incentivo para um plano de recuperação, não é algo que enfraqueça o argumento” para o mesmo.
À luz da decisão do Tribunal Constitucional alemão, o banco central alemão (Bundesbank) será proibido de participar neste programa anticrise se “o Conselho do BCE” falhar em demonstrar, “de maneira compreensiva e substancial”, “que não excedeu os tratados europeus”.
Com esta sentença, o tribunal alemão declarou que o programa de compra de dívida do BCE, adotado em 2015, é parcialmente contrário à Constituição da Alemanha, mas sublinhou que “não foi capaz de estabelecer uma violação” pelo BCE da proibição de financiar diretamente os Estados europeus.
Em 2017, o Tribunal Constitucional assumiu ter dúvidas de que a compra de ativos fosse compatível com a proibição de financiamento monetário, reencaminhando a sentença para o Tribunal de Justiça Europeu (TJE), que considerou que o programa do BCE não viola o direito da União.
O programa de compra de ativos do BCE tem sido determinante para manter as taxas de juro da dívida dos países da zona euro mais endividados em níveis baixos.
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