Como era esperado, foram hoje aprovadas várias medidas em Conselho de Ministros para acelerar a concessão de apoios e alargar os trabalhadores elegíveis para recebê-los.
Volvido mais de mês e meio sob o jugo da covid-19, os efeitos da pandemia não se limitaram a causar danos à saúde pública em Portugal, afetando também a saúde financeira, tanto das empresas como dos trabalhadores portugueses.
A necessidade de decretar o confinamento generalizado teve como consequência uma esperada paragem da economia, se bem que com inesperados efeitos, que se continuam a verificar nos mais diversos setores económicos e estratos da população.
Os prejuízos já começaram a ser estimados: o Fundo Monetário Internacional aponta para uma queda de 8% do PIB português e uma taxa de desemprego de 13,9% em 2020, Bruxelas prevê uma recessão de 6,8% e o desemprego nos 9,7% para o mesmo período, ao passo que o Banco de Portugal a, 26 de março, projetou uma queda do PIB nacional de 3,7% num cenário base e de 5,7% num adverso, assim como uma taxa de desemprego de 10,1% em 2020, no cenário base, e de 11,7% no adverso.
As previsões procuram antecipar o que nos espera num futuro próximo, mas os danos já se começaram a fazer sentir. Se o panorama das empresas é negro, tanto mais o é o daqueles que as compõem.
No passado dia 1 de maio, o Dia do Trabalhador, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) pintou o seguinte cenário no panorama laboral mundial: estima-se que quatro em cada cinco trabalhadores tenham sido afetados pela suspensão total ou parcial dos seus empregos e 6,7% das horas de trabalho desapareceram já no segundo trimestre de 2020, equivalendo a 195 milhões de trabalhadores a tempo inteiro. De resto, os setores de atividade mais expostos ao risco são alojamento e restauração, manufatura, comércio e atividades comerciais e administrativas – onde trabalha 38% da força de trabalho global – e a economia informal, que envolve dois mil milhões de pessoas.
Não sendo exceção à regra, em Portugal essa tendência mantém-se. No centro da resposta, e do foco mediático, tem estado a medida do lay-off simplificado, destinado tanto a salvar empresas como a conservar emprego. Mas nem só de trabalhadores por conta de outrem se compõe o tecido laboral português, havendo outros bem mais “desprotegidos”.
Dos trabalhadores independentes aos trabalhadores informais, existe uma fatia de população portuguesa caída no desemprego que, por não ter a sua situação regularizada junto da Segurança Social, por trabalhar sem efetuar descontos ou por ter sido apanhada na teia da burocracia laboral, se encontra neste momento sem forma de obter apoios sociais para subsistir em tempos de crise pandémica.
Não é que o Governo não tenha agido no sentido de mitigar os estragos, criando vários apoios extraordinários em resposta à covid-19, para além de aprovar a seguinte legislação:
- Na fase inicial da pandemia, foi logo aprovado um decreto-lei que estabelece um regime excecional e temporário que veio flexibilizar o pagamento de impostos e contribuições sociais, bem como determinar a suspensão, até 30 de junho de 2020, dos processos de execução fiscal em curso ou que venham a ser instaurados pela Autoridade Tributária e pela Segurança Social.
- Os trabalhadores independentes podem fracionar a entrega do IVA – quer se encontrem no regime mensal ou no trimestral – e das retenções na fonte do IRS e IRC, sendo que o pagamento destes impostos pode, assim, ser fracionado em três prestações mensais, sem juros, ou em seis prestações, sendo aplicáveis juros de mora às três últimas prestações mensais, sem que seja necessário prestar garantia.
- Para além disso, o pagamento das contribuições sociais devidas entre março e maio de 2020 pode ser reduzido a um terço nesses meses, sendo o valor remanescente pago em prestações iguais e sucessivas nos meses de julho, agosto e setembro ou nos meses de julho a dezembro, usando os moldes do pagamento fracionado aplicável ao IVA e retenções na fonte.
- O Governo aprovou também, no mesmo decreto, a prorrogação automática de prestações sociais cujo período de concessão ou prazo de renovação termine antes de 30 de junho de 2020.
- Estas prestações incluem o subsídio de desemprego e o subsídio social de desemprego, assim como o subsídio por cessação de atividade, o Complemento Solidário para Idosos (CSI) e o Rendimento Social de Inserção, sendo que as reavaliações das condições de manutenção destas prestações foram suspensas até essa mesma data.
Com o avançar das semanas, o Governo foi fazendo retificações às medidas implementadas, desde alargar o apoio para ficar em casa com filhos aos trabalhadores domésticos, até passar a considerar o apoio aos trabalhadores independentes em casos onde a atividade tenha tido uma quebra de, pelo menos, 40%, e não só em situações de interrupção total.
No entanto, apesar do esforços do Executivo, desde cedo ficou patente que estas iniciativas se revelavam insuficientes. Dadas as regras específicas da Segurança Social, houve quem tenha caído por entre a rede de apoio do Estado. Estes são alguns dos casos.
Entre o trabalho ilegal e a “sorte” de ainda viver com a mãe, vai-se subsistindo
Diogo não esperava um regresso a Portugal assim. Natural de Castelo Branco, o técnico de 32 anos, formado com curso tecnológico informático de nível 3, conta já com um currículo que levou a Angola e a Espanha, onde esteve nos últimos três anos.
Em Madrid, esteve a trabalhar como gestor de projeto numa empresa que prestava serviços para a Coca-Cola, mas, “havia uma vontade de equilibrar a vida pessoal e profissional”, regressando assim a Portugal neste ano. O seu patamar seguinte de carreira passava de novo por Lisboa, onde já tinha estado, mas a sua experiência foi interrompida pela covid-19.
“Estive a trabalhar numa empresa durante apenas três meses, entre janeiro e o final de março, e acabaram por terminar o contrato comigo devido à questão do Covid, já que estava em período experimental ainda, que era de seis meses", conta.
O fim abrupto da sua atividade ao fim de 90 dias deixou-o em terra de ninguém, já que não descontou durante os 360 dias exigidos para requerer o subsídio de desemprego, nem sequer os 120 dias mínimos para pedir o subsídio social de desemprego. "Sou uma pessoa que tem três meses de descontos dentro de território nacional atualmente e não há nenhum apoio que ajude neste tipo de circunstâncias", lamenta.
Tendo conseguido rescindir o contrato de arrendamento, a vida faz-se em casa de familiares e em contenção de custos, enquanto se procura por trabalho ativo. Diogo diz estar agora em processo de recrutamento, "apesar de só estar previsto iniciar contratações para inícios de junho, é tudo um bocadinho volátil, pois a qualquer altura pode haver alterações".
Em semelhante situação está Joana, de 26 anos, a com “a sorte” de morar em casa da mãe e com “um pezinho de meia feito” que “dá para aguentar pelo menos durante esta fase até encontrar outra coisa”.
Tal como Diogo, esta profissional do ramo da comunicação estava em período experimental quando a pandemia se abateu, ficando só um mês na agência de comunicação onde estava a fazer análise de media.
No entanto, se no caso do técnico o problema foi por passar vários anos a descontar no estrangeiro, para Joana a questão foi que, apesar de ter feito declarações em anos anteriores nas funções que desempenhou, mudou de regime laboral para o de trabalhadora independente. Trabalhado por recibos verdes, a profissional optou pela isenção das contribuições à Segurança Social que é possível ter no primeiro ano de atividade, não estando assim obrigada a entregar a declaração trimestral contributiva.
Esta condição, pensada para aliviar profissionais no início da sua atividade, tem funcionado negativamente em tempos de pandemia, tendo mesmo a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, admitido que a isenção resulta na exclusão de apoios.
Como tal, Joana fez um pedido para ter direito ao subsídio de desemprego, mas não cumpriu os 360 dias requeridos para a obtenção do mesmo. Para além disso, foi lhe também negado subsídio social de desemprego porque “para ter direito a esse subsídio tinha de ter descontado 25% e apenas estava a descontar 21,4%”, assim como o apoio criado durante a pandemia para trabalhadores independentes, porque fechou atividade no dia 1 de março.
Joana tem aproveitado para verificar ofertas de emprego, encontrando vagas todos os dias. No entanto, acredita que “empresas também não estão ainda a fazer o recrutamento no pleno, porque não sabem o que é que vai acontecer”, recordando a possibilidade de “existir uma segunda vaga desta pandemia”. “Não sei até que ponto é que as empresas vão fazer grandes recrutamentos ou estão a oferecer as condições que ofereciam anteriormente, sabendo que em outubro ou novembro podem ter de fechar novamente portas e ter de dispensar novamente as pessoas que estão a recrutar neste momento”, adianta.
Essa retração afeta de igual forma Teresa (nome fictício), de 32 anos. Tradutora a trabalhar por conta própria desde outubro depois de ter estado no departamento de marketing de uma empresa entre fevereiro e agosto do ano passado, o seu caso também o de quem passa recibos verdes sem pagar contribuições à Segurança Social por motivos de isenção.
Com uma filha em idade pré-escolar em casa, Teresa não só não é elegível para obter os apoios acima descritos, como também não pode requerer o apoio à família porque tem o companheiro em casa em teletrabalho, ainda que “a trabalhar a 60%”.
Equilibrar as finanças tem sido tarefa complicada, porque a sua habitual carteira de clientes mensais ficou reduzida a um único com o qual ganha apenas 30 euros por mês. A solução, confessa, tem sido aceitar trabalhos internacionais sem fazer declaração. “Agora conseguimos pagar as contas, mas temos de ter muito cuidado com os gastos. Se não tivesse este trabalho ‘ilegal’, não seria possível”, admite.
Outro regime laboral onde a incerteza grassa e a precariedade espreita é o dos trabalhadores domésticos. A situação destes trabalhadores é complexa, obedece a uma lei e a um regime contributivo próprios, que abrange diversas especificidades.
O regime de descontos dos trabalhadores de serviço doméstico também tem diferenças face ao dos trabalhadores por conta de outrem, já que lhes é permitido optar por declarar o salário real ou declarar um valor pré-definido (chamado de remuneração convencional).
Optando pela remuneração real, os descontos para a Segurança Social são feitos pelo que efetivamente o trabalhador recebe ou, no mínimo, por um valor equivalente ao salário mínimo nacional (635 euros, em 2020).
Caso opte pela remuneração convencional, o cálculo tem por referência o valor do Indexante de Apoios Socais (IAS) tendo em consideração se o trabalhador é pago ao dia ou à hora, sendo que neste último caso terão de ser declaradas (e pagos os descontos sobre) um mínimo de 30 horas.
À Agência Lusa, Pedro Romano Martinez, professor catedrático na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, realçou que o regime específico criado para o pessoal doméstico não obriga a que o contrato de trabalho seja escrito. Aliás, nesta área, “pode ser e frequentemente é somente verbal e tem igual tratamento ao contrato por escrito”.
Como consequência, muitas vezes é difícil avaliar se há ou não um contrato de trabalho, porque é uma área em que muita gente trabalha em regime de prestação de serviços, só umas horas, às vezes sem regularidade.
Reconhecendo que “é um setor que tem uma atividade especialmente frágil, muitas vezes no quadro da economia informal”, com trabalhadores com pouca qualificação e muitas dificuldades de acesso à informação, Luís Gonçalves da Silva, da Abreu Advogados, disse à Lusa que, no contexto atual, estes trabalhadores podem ser “especialmente afetados”, sobretudo sem um contrato, verbal ou escrito.
Foi por isso que o Governo deixou um alerta para que os empregadores que optem por dispensar os trabalhadores de serviço doméstico como medida preventiva de risco de contágio da covid-19: estes têm de assegurar o pagamento pontual da retribuição. No entanto, o executivo não especificou que instrumentos tem para certificar-se de que tal está a ser cumprido.
Contra o desemprego, uma medida que “só ficou bem na televisão”
Casos como os acima descritos têm vindo a acumular-se no panorama laboral português, que neste momento assume estes contornos, de acordo com os dados do Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP):
- Em março, o número de desempregados inscritos nos serviços de emprego subiu 3%, em termos homólogos, e 8,9% face a fevereiro, para 343.761, contabilizando tanto Portugal Continental como as Regiões Autónomas, sendo este o número mais alto desde janeiro de 2019. O valor representa 70,9% de um total de 485.190 pedidos de emprego feitos durante todo o mês.
- Contabilizando dados mais recentes, mas apenas considerando Portugal continental, o número de desempregados inscritos no IEFP totalizou 321.164 no final de março, subindo para 368.925 no fim de abril, representando isto um aumento de quase 15% entre os dois meses. Os dados mais recentes do número de inscrições no IEFP, relativos a 4 de maio, apontam para 373.228 inscritos.
- Contabilizando apenas dias úteis, a média diária de inscrições de desempregados em centros de emprego do IEFP subiu de 2.338 em março para 3030 em abril.
- Também em rumo ascendente, desde o início de março até dia 4 de maio, os serviços da Segurança Social registaram a entrada de 100.140 requerimentos de prestações de desemprego. Destes, mais 85 mil foram registados a partir de dia 16 de março.
- A informação disponibilizada pelo GEP indica também que em março houve 5495 beneficiários que viram a sua prestação de desemprego — inclui tanto subsídio de desemprego como subsídio social de desemprego — prolongada, mais que duplicando para 12 498 no final do mês seguinte.
- Já as ofertas de emprego recebidas pelo IEFP caíram de uma média de 334 por dia, em março, para 144 em abril, correspondendo a uma descida de quase 57%.
- Relativamente ao caso dos trabalhadores independentes, até dia 4 de maio somaram-se mais de 188 mil os casos de requerentes ao apoio do governo, entre aqueles que viram a sua atividade parcialmente reduzida ou totalmente parada. Dados do INE dão conta de que, em 2019, havia mais de 810 mil trabalhadores independentes em Portugal.
A proporção do crescimento entre número de desempregados inscritos, subsídio pedidos e subsídios concedidos, porém, tem sido dispar. Segundo os cálculos feitos pelo Dinheiro Vivo, o número de inscrições nos centros de desemprego foi subindo a um ritmo muito superior aos restantes. Para compreender-se esta proporção, é necessário remeter a dados de 13 de abril, data em que tinham sido feitas 31.995 novas inscrições em centros de emprego, 22.452 pedidos de subsídio e 10.224 apoios deferidos. Apenas é possível fazer a comparação até esta data porque o Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social deixou de publicar o número de subsídios diariamente concedidos desde então.
As razões para esta disparidade não foram tornadas públicas, mas o executivo já admitiu a hipótese de que o motivo para haver muitos mais desempregados do que subsídios pedidos ou deferidos prende-se não tanto com um atraso no processamento dos mesmos, mas sim no facto de muitos dos inscritos não reunirem as condições de elegibilidade acima referidas.
Houve, porém, uma proposta colocada em prática pelo IEFP com destino a mitigar a situação de cidadãos desempregados de variada índole e simultaneamente contribuir para o esforço no combate contra a covid-19. Apelidada de “Apoio ao Reforço de Emergência de Equipamentos Sociais e de Saúde”, esta medida abriu a possibilidade de cidadãos integrarem temporariamente instituições de saúde e apoio social, como lares e hospitais, conforme comunicou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social:
Dirigindo-se não só a desempregados inscritos no IEFP, como a desempregados não inscritos, a trabalhadores em lay-off ou com contratos de trabalho a tempo parcial e a estudantes ou formandos, este apoio foi pensado para uma duração de três meses. No entanto, nem toda a gente pode concorrer: esta integração não é possível para pessoas que tenham mais de 60 anos de idade ou pertençam aos grupos sujeitos a dever de especial proteção.
Aos desempregados que recebem subsídio colocados nestas entidades é atribuída uma bolsa de 438,80 euros, que acumula com o subsídio de desemprego, enquanto os restantes usufruem de uma bolsa de 658,20 euros, que será assegurada em 90% pelo IEFP.
A iniciativa é destinada tanto a pessoas como às próprias entidades que estejam interessadas em obter auxílio, sendo dada preferência a quem tenha experiência e formação nas áreas da saúde e apoio familiar.
No entanto, apesar da boa vontade demonstrada, há quem tenha tentado candidatar-se ao apoio e visto a sua tentativa frustrada. Alexandra, de 35 anos, está a receber o subsídio social de desemprego depois de já ter esgotado o subsídio de desemprego.
As razões para esta sucessão de apoios prendem-se, essencialmente, com mau timing: depois de não ver o seu contrato renovado no ano passado com a start-up onde trabalhava, Alexandra passou a beneficiar do subsídio de desemprego enquanto planeava criar o seu próprio negócio, um franchise de um serviço de massagens.
Todavia, apesar de inicialmente as coisas terem estado encaminhadas, contando com a colaboração de uma incubadora e de um apoio de investimento do IEFP, “o projeto foi inviabilizado devido à falta de volume da faturação do master franchiser” neste primeiro trimestre. Como resultado, Alexandra, agora beneficiar de um subsídio social de desemprego que termina em julho, viu o seu sonho ruir e o seu subsídio esgotar, já não sendo capaz de entrar em procura ativa de emprego devido ao aparecimento da pandemia.
Foi então que descobriu o “Apoio ao Reforço de Emergência de Equipamentos Sociais e de Saúde”, medida que lhe interessou não só porque pretendia “prestar apoio aos profissionais de saúde", como também obter remuneração fazendo uso das suas competências: Alexandra é uma assistente dentária de nível 4, tendo também adquirido experiência em bloco operatório no seu tempo de trabalho em consultório.
Alexandra candidatou-se então, mas ficou surpreendida com a resposta. “Como isso não foi muito claro, eu enviei um email para o IEFP, são muito prontos a dar resposta, e disseram-me que estas candidaturas só são possíveis se as entidades patronais se candidatarem e não se os empregados disserem que estão disponíveis".
“Ainda que eventualmente possa reunir as condições de elegibilidade elencadas no instrumento legal que dispõe sobre esta medida, informamos que as candidaturas à mesma são exclusivamente apresentadas por entidades públicas ou pessoas coletivas de direito privado que desenvolvam atividades na área social e da saúde e que, assim, manifestam as suas necessidades no âmbito do atual contexto da pandemia COVID-19”, pode-se ler num email ao qual o SAPO24 teve acesso.
A esta falta de procura perante a oferta, Alexandra somou o facto de que, no anexo de candidatura das entidades, é possível colocar a preferência por escrito por determinados candidatos. “Como é que uma entidade hospitalar tem noção ou sabe quem é que está desempregado, aplicando o filtro de que tem conhecimento a nível de saúde. Enviamos um email aos recursos humanos a dizer que estamos desempregados e que temos interesse neste reforço?”
No seguimento destas informações, o SAPO24 remeteu ao IEFP perguntas sobre o atual número de candidatos e entidades que entraram neste apoio, assim como se tinham detetado mais casos desta natureza. O instituto não respondeu até à data de publicação deste artigo.
Alexandra, que vai ter de continuar a procurar trabalho, pois diz já estar a viver de poupanças. Considera que lhe “partiram um pouco as pernas” ao não deixá-la participar, apontando também que "a medida foi lançada e ficou bem na televisão”, mas não teve seguimento.
O futuro é incerto, mas o Governo não quer "deixar ninguém para trás ao longo desta crise”
Desde o início da crise pandémica que vários atores políticos identificaram as lacunas presentes no sistema de apoios criado contra a covid-19, a começar pelo PCP, que viu chumbado no Parlamento um projeto de lei que previa apoios para trabalhadores precários que não tinham acesso aos apoios criados no âmbito das medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia
Segundo a proposta dos comunistas, poderiam beneficiar do apoio aqueles que vissem o seu contrato de trabalho ou de prestação de serviços ser cessado ou que tivessem uma quebra de, pelo menos, 40% dos serviços a prestar. Para além disso, os trabalhadores que tivessem sofrido uma paragem, redução ou suspensão da atividade laboral, poderiam ter acesso ao valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS)”, que atualmente é de 438,81 euros.
A proposta estabelecia que eram considerados vínculos laborais precários aqueles “que não correspondam a contratos de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado, qualquer vínculo laboral no período em que decorra o período experimental e os contratos de prestação de serviços”, mas não passou devido aos votos contra do PS, PSD e CDS-PP.
Agora é a vez do Bloco de Esquerda submeter uma iniciativa semelhante ao escrutínio do Parlamento, tratando-se de um projeto-lei para um subsídio extraordinário de desemprego e de cessação de atividade que terá também o valor correspondente ao Indexante de Apoios Sociais, com duração máxima de seis meses.
Tendo como objetivo responder aos trabalhadores sem qualquer tipo de apoio, este subsídio, segundo José Soeiro, não é não acumulável com outros apoios e é de caráter extraordinário e temporário, tendo como inspiração o que fez o Governo espanhol. De acordo com o deputado do BE, este mecanismo “não exige um prazo de garantia nem que as pessoas tenham tido um determinado número de meses de descontos”, sendo a sua prova “muito simplificada”, podendo nalguns casos ser uma declaração sob compromisso de honra, que depois é verificada posteriormente pela Segurança Social.
O apoio, especificou Soeiro, destina-se a “trabalhadores precários, informais, trabalhadores no autoemprego, trabalhadores das plataformas digitais, trabalhadoras domésticas, advogados e solicitadores e intermitentes da cultura”. A medida entra no Parlamento depois da coordenadora do partido, Catarina Martins, ter dito no 1.º de Maio, que é “tempo de alterar as leis do trabalho para combater a precariedade”, alertando que o “crescimento de novos desempregados e desempregadas não tem correspondência com mais subsídios de desemprego”.
Já o Livre tinha enviado uma petição com 5000 assinaturas a Ana Mendes Godinho pedindo a criação de um Rendimento Básico Incondicional de Emergência, financiado através do Banco Central Europeu, consistindo no depósito direto na conta bancária de todos os cidadãos europeus e todos os residentes na Europa.
Independentemente destas propostas, o Governo finalmente decidiu avançar com um pacote de medidas cujo objetivo será por fim a estas situações de desamparo, devendo ser aprovado hoje em Conselho de Ministros.
A decisão será tomada depois de várias pistas deixadas ao longo da semana, quer por Ana Mendes Godinho, quer pelo secretário de Estado da Segurança Social, Gabriel Bastos, pelo secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, e até pelo primeiro-ministro, António Costa.
Numa sessão decorrida ontem no Instituto da Segurança Social, Ana Mendes Godinho apontou que, no prazo desta semana, seriam aprovadas “mais medidas para chegar a situações que se encontram a descoberto”, referindo a necessidade de “criar mecanismos para situações não previstas e para que as pessoas venham para dentro do sistema, nomeadamente os trabalhadores informais".
Eis algumas das medidas que deverão ser implementadas:
- Alteração legislativa para simplificar o acesso ao Rendimento Social de Inserção (RSI), segundo avançado pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, sendo que pode ser reformuladas a necessidade de entrevista familiar ou a realização do programa de reinserção. Destinado a “pessoas que se encontrem em situação de pobreza extrema”, Ana Mendes Godinho não adiantou o número de quantas mais pessoas poderão beneficiar desta prestação social, uma vez que esse é um trabalho ainda em curso, dizendo contar “muito brevemente ter esta alteração legislativa agendada para de facto conseguir ser mais rápido na resposta às situações de quem precisa”.
- Alteração do prazo de garantia para o acesso ao subsídio social de desemprego de pessoas em situação de período experimental e para casos de denúncia do contrato. Ao invés dos 180 e dos 120 dias mínimos de descontos, o valor poderá ser cortado para metade em ambas as instâncias, ou seja, 90 e 60 dias”.
- Cobertura dos trabalhadores independentes que tomaram a opção de não descontar para a Segurança Social no seu primeiro ano de atividade. Não se sabe qual o valor estipulado, mas será menor que o atual apoio aos trabalhadores independentes que descontaram. “Naturalmente, não poderão receber o mesmo de quem fez a contribuição ao longo desses 12 meses", advertiu o primeiro-ministro, António Costa.
O plano de Ana Mendes Godinho foi, inclusive, corroborado por António Costa, que falou em "abrir a porta a todos aqueles que, por razões várias, por opção ou por resultado de mecanismos de desregulação existentes no mercado de trabalho, têm vivido em circunstâncias de informalidade", incentivando esses trabalhadores a “pôr termo à informalidade” e formalizar a sua participação na Segurança Social.
Por isso mesmo, António Costa deixou um apelo: “Venham para a Segurança Social, estamos cá para os acolher, dando-lhes apoio. Não queremos deixar ninguém para trás ao longo desta crise".
[Notícia atualizada às 16:20]
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