Esteve nos debates, estará na campanha e está no recibo de vencimento de cerca de 900 mil trabalhadores portugueses. O salário mínimo nacional, conquista de Abril, instrumento de inclusão social, através da definição de um mínimo de sobrevivência, tem sido arma de arremesso político entre os vários partidos sempre que a realidade salarial vem à baila, numa altura em que se contam poucos dias para as próximas eleições legislativas do dia 30 de janeiro. Se uns pedem o aumento do rendimento mínimo, na trajetória dos últimos anos, outros alegam ser mais urgente promover uma subida geral dos salários a fim de fazer aumentar o salário médio dos trabalhadores e outros nem o mencionam nos programas eleitorais. E há ainda quem peça um reformulação total desta garantia.

Salário Mínimo Nacional: o que é?

Em resumo:

Salário mínimo: 

  • Foi criado a 27 de maio de 1974 com o valor de 3.300 escudos, o que equivale hoje a 16,5 euros;
  • 348,01 euros foi o primeiro salário mínimo já definido na nova moeda (em 2002);
  • Atualmente o salário mínimo é de de 705 euros (na Grécia é de 773 euros, em Espanha é de 965 euros);
  • Cerca de 25% dos trabalhadores nacionais recebe o salário mínimo nacional;
  • A incidência do salário mínimo é maior nas mulheres (29,3%), nos jovens com menos de 25 anos (40,3%), nos trabalhadores com habilitações até ao 3.º ciclo do ensino básico (33,3%) e nas entidades empregadoras com menos de cinco trabalhadores.

Salário médio:

  • Ronda os 1.300 euros, segundo o Instituto Nacional de Estatística;
  • "Aquilo que determina a evolução do salário médio não é o salário mínimo, é, por um lado, a evolução da economia, nomeadamente a produtividade agregada, por outro lado a repartição de rendimentos entre aqueles que são detentores de capital e aqueles que são trabalhadores", explica o economista Ricardo Paes Mamede.

Apesar de se conhecerem experiências anteriores, as leis modernas que decretam o salário mínimo foram pela primeira vez aplicadas na Austrália e Nova Zelândia. Em Portugal, o decreto-lei que criou o salário mínimo nacional data de 27 de maio de 1974. Nele, prometia-se que a medida abrangesse cerca de 50% da população e que, na função pública, chegasse a mais de 68% dos trabalhadores.

Esta medida não se aplicava às forças armadas ou aos trabalhadores rurais e domésticos, cuja situação seria posteriormente revista, tendo ficado 'arrumada' com outros salários mínimos, paralelos, abaixo dos valores gerais, que vigorou entre 1978 e 1991. Também as empresas com cinco ou menos trabalhadores, com incapacidade económica para aplicar o salário mínimo, não eram obrigadas a fazê-lo.

Foi assim que nasceu o primeiro salário mínimo nacional no valor de 3.300 escudos, o que equivale hoje a 16,5 euros. Subiria ano após ano até chegar aos 348,01 euros em 2002, naquele que foi o primeiro salário mínimo já definido na nova moeda.

Hoje, quase 48 anos depois, e após muitas transformações, temos atualmente um rendimento mínimo de 705 euros, após aquele que foi o maior aumento anual desde 1993. Tantos anos volvidos, merece mesmo uma pergunta provocatória, cuja resposta pode não ser a previsível para todos os intervenientes: quase cinco décadas depois, ainda faz sentido que exista um salário mínimo nacional?

Para o economista Ricardo Paes Mamede, a resposta é clara: "o salário mínimo não é algo que desaparece com o tempo".

"O princípio básico do salário mínimo é reconhecer que existe uma assimetria de poder muito grande entre as duas partes envolvidas numa negociação contratual laboral e que é preciso assegurar que momentos especiais nas evoluções das economias ou situações em que há uma assimetria extraordinária de poder, não levam a que o salário mínimo desça abaixo de níveis que a sociedade considera insustentáveis. De resto, na Europa, os países que não têm salário mínimo só não o têm porque existem outros mecanismos ainda mais fortes do que o salário mínimo para garantir que isto não acontece, como é o caso dos países nórdicos. Os países nórdicos não têm salário mínimo porque são mais liberais, não têm salário mínimo porque têm regras de negociação coletiva entre patrões e sindicatos que asseguram que a concertação social mantém níveis salariais muito mais avançados do que aqueles que temos na maior parte dos outros países, não é porque se deixa o mercado funcionar", explica o presidente da direção do Instituto para as Políticas Públicas e Sociais, do ISCTE.

A realidade do salário mínimo em Portugal

Em Portugal, cerca de um quarto dos trabalhadores recebe o salário mínimo nacional (SMN), que é sobretudo auferido pelos trabalhadores precários, pelas mulheres, pelos jovens e por pessoas com menos habilitações, que trabalham maioritariamente em pequenas empresas.

De acordo com o relatório 'Retribuição Mínima Mensal Garantida 2021', do Gabinete de Estatística e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho, em junho de 2021 ganhavam o SMN 24,6% dos trabalhadores.

Segundo o documento, "a incidência do salário mínimo nacional é razoavelmente mais elevada nos Trabalhadores por Conta de Outrem (TCO) com contratos não permanentes do que nos TCO com contratos permanentes".

Da análise feita, "sobressai um padrão de continuidade do ponto de vista do sexo, sendo que a incidência da Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG) é sempre mais elevada nas mulheres do que nos homens, padrão que reflete as desigualdades salariais prevalecentes entre os dois sexos".

Em junho de 2021, 27,0% das mulheres tinham remuneração base equivalente ao valor da RMMG, o que compara com 22,6% dos homens.

Por escalão etário, verificou-se que, entre os jovens com menos de 25 anos, a proporção de trabalhadores com salários iguais à RMMG, nos primeiros seis meses de 2021, se manteve próxima dos 34,0%, acima do segmento dos jovens adultos (25-29 anos), onde a proporção de pessoas abrangidos pela RMMG rondou os 26,0%.

Segundo o relatório do GEP, na situação observada no mês de julho de 2021, e tendo em atenção as características das pessoas empregadas e das entidades empregadoras com maior incidência do salário mínimo nacional no emprego, sobressaiu mais uma vez a incidência relativamente mais elevada da RMMG nas mulheres (29,3%) e nos jovens com menos de 25 anos (40,3%), sendo que os dados mostram ainda que o peso relativo do salário mínimo é mais elevado nos trabalhadores com habilitações até ao 3.º ciclo do ensino básico (33,3%) e quase residual nas pessoas com o ensino superior (6,6%).

Tendo como referência as características das entidades empregadoras, sobressaem, por apresentarem uma incidência elevada de pessoas abrangidas pela RMMG, as atividades das famílias empregadoras de pessoal doméstico e atividades de produção das famílias para uso próprio (45,4%), o setor do alojamento, restauração e similares (45,3%) e a agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca (44,0%), seguidas pelas atividades imobiliárias (35,2%) e pela construção (34,6%).

O relatório salienta também que "a incidência do salário mínimo tende a ser tanto maior quanto menor o escalão de dimensão da empresa, variando entre um mínimo de 11,3% nas entidades empregadoras com 1.000 e mais trabalhadores e um máximo de 47,4% nas entidades empregadoras com menos de cinco trabalhadores".

Por região do território continental, é o Alentejo que apresenta atualmente a incidência mais elevada do salário mínimo (31,7%), seguido pelo Algarve (30,8%).

Em junho de 2021, o número de pessoas com remuneração base declarada igual à RMMG era de 893,2 mil, o que representa um acréscimo de 1,7% face ao mesmo mês do ano passado (mais 15,1 mil), embora o peso relativo desta remuneração tenha descido de 25,2% em junho de 2020 para 24,6% em junho de 2021 (menos 0,6 pontos percentuais).

Em termos médios anuais, entre 2010 e 2020, a proporção de pessoas com remuneração igual à RMMG situou-se entre os 13% e os 23%, crescendo à volta de dez pontos percentuais em dez anos.

O salário mínimo e o salário médio entram num bar...

A leitura que os vários partidos fazem deste crescimento do salário mínimo está longe de ser unânime. Se uns, como o Partido Socialista, atualmente no Governo, aplaudem, outros como o PCP e o Bloco de Esquerda criticam-no por ser insuficiente. Na direita, defende-se outro caminho, assinalando-se que desde 2013 o número de trabalhadores a receberem o salário mínimo mais do que duplicou, passando de 400 mil para cerca de 900 mil.

O PSD não tem tido mãos a medir em apontar para o fosso cada vez mais pequeno entre entre o salário mínimo nacional e o salário médio, que está na ordem dos 1.300 euros, segundo o Instituto Nacional de Estatística, remetendo a questão do aumento do salário mínimo nacional para a concertação social e ao ritmo da inflação.

Os conceitos são colocados lado a lado, misturam-se e perdem-se na discussão. Faz sentido? Para Ricardo Paes Mamede, é impossível discutir a realidade salarial portuguesa sem os dois conceitos, mas o debate a que temos assistido tem enviesado a discussão ao quase ao colocar os dois termos como causa-efeito um do outro.

"A questão fundamental aqui é: os salários mínimos devem aumentar ou não? Aceitamos que alguém que trabalhe seja pobre ou não aceitamos? É nestes termos que a Organização Internacional do Trabalho faz a discussão. Se não aceitamos que alguém que trabalhe possa ser pobre, então temos de garantir que o seu salário não possa ser um salário de pobreza. Se o salário médio aumenta ou não aumenta tem pouco a ver com o salário mínimo. Essa discussão tem sido feita em termos que não fazem verdadeiramente sentido. Nós tivemos nos últimos anos um aumento historicamente elevado do salário mínimo, o salário médio não diminuiu, não deixou de aumentar porque houve aumento do salário mínimo. Aquilo que determina a evolução do salário médio não é o salário mínimo, é, por um lado, a evolução da economia, nomeadamente a produtividade agregada, por outro lado a repartição de rendimentos entre aqueles que são detentores de capital e aqueles que são trabalhadores. Aqueles que auferem lucros podem ter uma maior ou menor parcela do valor acrescentado que é criado pela economia e estes são os dois fatores fundamentais da evolução do salário médio. Se nós tivermos níveis muito baixos de evolução de produtividade e/ou ausência de mecanismos de repartição de rendimentos das empresas, é óbvio que o salário médio não aumenta", realça o economista.

Para Ricardo Paes Mamede "o impacto do salário mínimo no salário médio só seria relevante se assumirmos que, por um lado a produtividade está estagnada, e, por outro lado, que é proibido mexer na repartição funcional do rendimento". "Não percebo porque é que haveríamos de assumir qualquer uma das hipóteses", sublinha.

"Aqueles que se queixam de o salário mínimo se aproximar muito do salário médio, o que deviam fazer não era preocupar-se com o aumento do salário mínimo, deviam era preocupar-se com os fatores que impedem o aumento do salário médio", diz.

Sobre propostas como a da Iniciativa Libera, que pretende converter o salário mínimo nacional num salário mínimo municipal, em que cada autarquia tem a possibilidade de adaptar o valor à sua realidade, Paes Mamede é perentório: "A proposta da IL está completamente em contraciclo com o posicionamento dos organismos internacionais. A União Europeia anda a tentar estabelecer um princípio do salário mínimo em todos os países, a Alemanha não tinha salário mínimo até há poucos anos e instaurou um salário mínimo. A Organização Internacional do Trabalho tem vindo a defender a instituição do salário mínimo em todos os países... a mim parece-me que essa discussão é despropositada", comenta.

O que defende cada partido sobre o salário mínimo e sobre o salário médio

PSD

No seu programa eleitoral, o Partido Social Democrata defende, em matéria de Salário Mínimo Nacional (SMN), que é em sede de concertação social que o tema deve ser decidido, entre os diferentes parceiros sociais.

O aumento do SMN deve estar em linha com a inflação mais os ganhos de produtividade, defende o principal partido da oposição, sublinhando que também a OCDE defendeu que a decisão deveria ser tomada após a elaboração de um relatório anual técnico independente sobre o assunto.

Nesse sentido, o PSD propõe promover a Agenda do Trabalho Digno e de Qualidade nas suas múltiplas dimensões: aumento sustentado da remuneração do trabalho e dos salários médios.

O PSD propõe ainda a convergência entre o Salário Mínimo Nacional com o Salário Mínimo da Administração Pública.

PS

O Partido Socialista promete, caso volte a ser governo, que irá promover as negociações necessárias em sede de Concertação Social para um Acordo de Médio Prazo (2022/2026) de melhoria dos rendimentos, dos salários e da competitividade.

Nesse acordo consta a trajetória plurianual de atualização real do salário mínimo nacional, de forma faseada, previsível e sustentada, evoluindo em cada ano em função da dinâmica do emprego e do crescimento económico, com o objetivo de atingir pelo menos os 900 euros em 2026.

PAN

O partido Pessoas-Animais-Natureza afirma que pretende aumentar gradualmente o Salário Mínimo Nacional, acima da inflação e da variação do salário médio do ano anterior, fixando-o, pelo menos, em 905€ no termo da legislatura.

Promete ainda rever o projeto do salário mínimo europeu, estabelecendo valores mais ambiciosos de acordo com a Agenda 2030.

BE

No programa eleitoral, o Bloco de Esquerda defende a recuperação do salário mínimo que, tendo alcançado 705 euros em janeiro de 2022, deve continuar a aumentar ao longo da legislatura a um ritmo anual de pelo menos 10%, de forma a diminuir a diferença em relação ao SMN de Espanha [965 euros]

CDU

A coligação que junta o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista "Os Verdes"  defende um aumento geral dos salários, com um significativo aumento do salário médio, concretizando a convergência com a zona Euro em 5 anos; a valorização das profissões e das carreiras; a elevação do Salário Mínimo Nacional para 850 euros a curto prazo, fixando o seu valor em 800 euros durante o ano de 2022.

Iniciativa Liberal

A Iniciativa Liberal defende a substituição do salário mínimo nacional por um salário mínimo municipal, ou seja, propõe que se dê autonomia aos municípios para definir o salário mínimo que mais se adequa à sua economia local.

Segundo a proposta, neste novo modelo, o salário mínimo passaria a ser aprovado em Assembleia Municipal por sugestão do executivo camarário. O atual Salário Mínimo Nacional tornar-se-ia no salário mínimo municipal base para o primeiro ano de aplicação da lei, podendo estes últimos divergir a partir do primeiro ano.

No caso das regiões autónomas, aplicar-se-ia o mesmo princípio, mas com o salário mínimo regional.

Livre

O Livre propõe aumentar os rendimentos e a distribuição, "tirando Portugal da armadilha dos salários baixos", através do aumento do salário mínimo nacional para € 1000 até ao final da legislatura e da concertação de uma estratégia nacional para a valorização salarial, a vários níveis da escala de rendimentos, com particular ênfase nos salários médios e para os rendimentos do trabalho qualificado; através da instituição de um rácio máximo de desigualdade salarial em cada empresa, organização ou ramo de atividade; através da indexação dos salários à inflação; através do limite dos bónus e prémios atribuídos a acionistas, promovendo a sua distribuição a todos os trabalhadores.

Nota: Tanto o CDS-PP como o Chega não têm, nos programas disponibilizados, medidas concretas sobre o salário mínimo nacional ou sobre o salário médio.