No relatório hoje publicado pelo FMI relativo à missão a Portugal ao abrigo do artigo IV e à quarta missão de monitorização pós-programa, que decorreram em simultâneo de 15 a 29 de junho, a instituição reitera um aviso que tinha feito já a 30 de junho: "É improvável que os objetivos orçamentais de 2016 sejam alcançados sem medidas adicionais", um aviso que a Comissão Europeia também tem vindo a repetir.
Para o Fundo, a meta de reduzir o défice para os 2,2% em 2016 (depois de em 2015 ter ficado nos 4,4% incluindo a recapitalização do Banif) "parece estar em risco na ausência de medidas adicionais que apoiem a restrição da despesa".
Em concreto, a instituição refere que "é provável que surjam pressões sobre a despesa" decorrentes, por exemplo, do regresso às 35 horas de trabalho semanais da maioria dos funcionários públicos no início de julho e da reversão gradual dos cortes salariais na função pública que tem vindo a ser feita desde janeiro e diz mesmo que "o aumento dos pagamentos em atraso e da dívida não financeira entre janeiro e maio, em particular nos hospitais, já sugere que podem estar a formar-se pressões na despesa".
Assim, a instituição liderada por Christine Lagarde mantém que "na ausência de medidas adicionais", o défice orçamental de Portugal será de 3% este ano, acima dos 2,2% que o Governo continua a defender.
Mas a dificuldade em alcançar esta meta não é o único risco identificado, com o FMI a apontar "três grandes áreas de fraqueza" em Portugal: o setor bancário, as perspetivas macroeconómicas e os já mencionados desafios nas finanças públicas.
Reconhecendo que a política monetária do Banco Central Europeu (BCE) atual "dá uma almofada" a Portugal, o Fundo alerta que o país continua a enfrentar "uma multiplicidade de vulnerabilidades" e que "a chegada de problemas em qualquer uma destas áreas pode ter impacto em todas as outras, gerando potencialmente efeitos de espiral".
Em primeiro lugar, o FMI entende que "qualquer desenvolvimento que piore a dinâmica da dívida pública pode desencadear uma mudança repentina no sentimento do mercado", antecipando que estes desenvolvimentos "podem ser derrapagens orçamentais resultantes tanto de reversões de políticas ou de choques macroeconómicos como da materialização de amplas perdas potenciais, incluindo do sistema bancário".
Além disso, um aumento dos custos de financiamento pode "penalizar ainda mais a dinâmica da dívida e forçar um grande ajustamento orçamental, agravando o impacto no crescimento", ao mesmo tempo que um aumento das taxas de juro "iria reduzir o valor dos títulos de dívida soberana detida pelos bancos e enfraquecer a sua posição de capital".
Por outro lado, "uma perspetiva macroeconómica fraca (por exemplo devido a um abrandamento global da economia ou uma normalização abrupta da taxa de poupança interna que não seja compensada por um investimento mais elevado) iria penalizar a dinâmica da dívida pública e privada e afetar negativamente o quadro orçamental".
Simultaneamente, neste contexto, "as já endividadas empresas e famílias teriam dificuldades para pagar as suas dívidas, prejudicando ainda mais a qualidade dos ativos bancários" e o Governo "teria dificuldade em aceder a financiamento a taxas favoráveis".
Resumindo, para o FMI, os riscos que Portugal enfrenta estão inclinados para o lado negativo e podem gerar "uma espiral negativa", uma vez que a desaceleração económica atual e a taxa de poupança em mínimos históricos "sugerem que a recuperação impulsionada pelo consumo pode perder força num futuro próximo" e que "também não podem ser excluídas necessidades adicionais de recapitalização dos bancos".
Tudo isto numa altura em que Portugal conta apenas com um 'rating' [avaliação] de investimento por parte das quatro maiores agências de notação financeira, a canadiana DBRS, uma avaliação necessária para que o país continue a ser elegível para o programa de compra de dívida soberana por parte do BCE, o que coloca a República exposta a uma potencial decisão de cortes de 'rating', que o FMI considera ser "pouco provável, mas com alto risco".
O perigo é mesmo que "um baixo crescimento, uma despesa orçamental por reformar e bancos frágeis impeçam a tão necessária (e ainda possível) convergência e possam conduzir a uma perda de acesso ao mercado mesmo mediante choques pequenos".
Segundo o FMI, "mesmo na ausência de desafios imediatos, falhar na resolução destas fragilidades pode colocar Portugal numa trajetória de médio prazo insustentável e deixar [o país] vulnerável a choques", pelo que "sem uma política significativa, Portugal não vai conseguir ajustar-se às contingências da união monetária nem explorar totalmente os benefícios da integração" europeia.
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