De acordo com o Livro Branco sobre Equilíbrio entre Mulheres e Homens nos Órgãos de Gestão e Planos para a Igualdade nas Empresas, a que a Lusa teve acesso, “são evidentes algumas mudanças” desde a adoção da Lei n.º62/2017, que estabelece o regime da representação mais equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e fiscalização das entidades do setor público empresarial (Estado e local) e das empresas cotadas em bolsa (Euronext Lisbon) — ambas obrigadas a ter 33,3 por cento de mulheres, desde janeiro de 2018 no primeiro caso e janeiro de 2020 no segundo.
Desenvolvido no âmbito do projeto “Women on Boards”, o estudo — realizado nos últimos três anos — foi elaborado por uma equipa de investigação composta por Sara Falcão Casaca, Maria João Guedes, Susana Ramalho Marques, Nuno Paço e Heloísa Perista.
“Verificou-se uma evolução positiva” em termos numéricos, com efeito “notório” nas maiores empresas cotadas em bolsa, constatam. Ainda que aquém da paridade, as 28,1% de mulheres nos órgãos de administração das empresas do PSI-20 identificadas em maio de 2021 representam “um incremento de 25,5 pontos percentuais face a 2008”.
Mas é um progresso “a duas velocidades”, porque, “se, por um lado, se verifica um aumento na nomeação de mulheres para cargos não executivos e de fiscalização, por outro lado, esse crescimento não teve o mesmo efeito no que se refere a nomeações para cargos executivos”, assinalam, recordando que “apenas uma mulher ocupa o cargo de Chief Executive Officer (CEO) e duas mulheres presidem a órgãos de administração” daquelas empresas.
“Nos cargos executivos, bem como nas posições de maior proeminência nos órgãos de gestão, ainda pouco se tem avançado”, lamentam, referindo que, no caso da representação de mulheres em cargos executivos, verificou-se mesmo um decréscimo em 2021.
O projeto Women on Boards coloca no pódio de 2020 a produtora de papel Inapa (1.º lugar, com 43%), a sociedade de investimento mobiliário Flexdeal e a tecnológica Sonaecom (ambas com 40%) e o grupo de media Cofina, SGPS, SA (3.º lugar, com 38%).
No caso do setor empresarial do Estado (173 empresas em 2020), há paridade tanto em cargos executivos (41%) como em cargos não executivos (38%), refere o estudo, realçando, porém, que “em apenas 18% das empresas é possível identificar mulheres a presidir ao conselho de administração”.
Comparativamente a 2019, em 2020 mais duas mulheres passaram a ser presidentes de órgãos de administração (total de 31) e mais sete de órgãos de fiscalização (41).
A avaliação é “menos positiva” no universo de 181 entidades do setor empresarial local, nas quais as mulheres representam apenas 29% nos órgãos de administração (14% na presidência).
A equipa de investigação identificou nas empresas em geral “práticas avulsas”, adotadas sem diagnóstico interno nem atenção ao contexto, sem uma estratégia mais abrangente de promoção da paridade, que inclua formação e capacitação de dirigentes e pessoal técnico.
“Acresce que, em alguns casos, o tema da igualdade de género não conta com o genuíno empenhamento das lideranças”, sendo apenas utilizado “com o intuito de favorecer a imagem externa da organização”, alertam.
A elaboração e comunicação de Planos para a Igualdade (PI), obrigatória por lei, regista uma taxa “muito fraca (…), sobretudo no caso do setor público empresarial”, constatam.
Segundo o estudo, no final de 2020, enquanto “cerca de três quartos das empresas cotadas em bolsa tinham divulgado os PI referentes a 2021”, o mesmo tinha acontecido em apenas “um quarto” das entidades do setor empresarial do Estado e em “14 por cento” das entidades do setor empresarial local.
A equipa de investigação considera ainda que a lei deve ser objeto de “maior precisão”, denuncia o “atraso na concretização do quadro sancionatório a aplicar” em caso de não cumprimento da lei e assinala “dificuldades de acesso a informação pública, atualizada e transparente”.
Com a Lei n.º 62/2017, Portugal tornou-se no sétimo Estado-membro da União Europeia (UE) “a optar por uma abordagem regulatória e vinculativa” sobre a paridade nas empresas.
Apesar disso, em maio de 2021, estava abaixo da média da UE (mais Islândia, Noruega e Reino Unido), ficando em 16.º lugar, numa lista liderada por Islândia, França e Noruega.
Apesar dos progressos dos últimos anos, a subrepresentação de mulheres em órgãos de gestão das empresas cotadas em bolsa na UE “é ainda evidente”, com uma média de 30%, assinala o estudo.
A equipa de investigação reconhece que “a crise pandémica foi mais penalizadora para as mulheres”, mas recusa que o atual contexto “constitua motivo de impedimento para a aplicação do regime da representação equilibrada, não devendo servir de argumento (injustificado) para a sua estagnação ou retrocesso”.
O Livro Branco será lançado na segunda-feira, no ISEG, em Lisboa.
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