"Ao longo da última década, o sub-investimento na educação, na saúde e nas infraestruturas afetou o crescimento potencial. O aumento dos direitos a pensão ultrapassou as outras despesas sociais, enquanto o baixo nível e a cobertura das prestações de rendimento mínimo impedem os progressos na redução da pobreza. As despesas fiscais, que ascendem a 6,2% do PIB, não apoiam frequentemente o crescimento a longo prazo, incluindo muitas taxas reduzidas do imposto sobre o valor acrescentado", é referido.

Por isso, "a melhoria da governação orçamental ajudaria a definir melhor as prioridades das despesas públicas e a garantir investimentos com uma boa relação custo-eficácia. A modernização do quadro orçamental, incluindo a aplicação da orçamentação baseada nos resultados, é crucial para garantir uma utilização eficiente dos fundos públicos".

Este é um dos diagnósticos que a OCDE faz da economia portuguesa no seu último relatório em que apresenta os dados relativos ao crescimento económico em Portugal, em 2022.

O emprego, a produtividade e a criação de condições para as empresas crescerem é um dos focos do relatório e as recomendações da OCDE são transversais, da escola às empresas. É recomendado "melhorar o aconselhamento para orientar as escolhas de estudo dos estudantes" e "acompanhar de perto os efeitos dos aumentos planeados do salário mínimo e, se necessário, considerar a redução da contribuição da segurança social do empregador para os trabalhadores com baixos salários".

"Melhorar o aconselhamento para orientar as escolhas de estudo dos estudantes e as decisões de requalificação e melhoria de competências dos adultos permitiria alinhar melhor o desenvolvimento de competências com as necessidades do mercado de trabalho", é frisado.

Por outro lado, "os recentes aumentos do emprego têm de continuar para que Portugal possa alcançar um crescimento mais inclusivo".

"Apesar dos progressos recentes, 17% dos trabalhadores e 59% dos jovens entre os 15 e os 24 anos tinham contratos temporários em 2021. Reforçar o equilíbrio da proteção entre os tipos de contratos, prosseguindo os esforços para restringir a utilização de contratos temporários e reduzindo o custo dos despedimentos, permitiria que mais trabalhadores passassem a ter contratos permanentes", explica a OCDE.

"As autoridades devem também acompanhar de perto os efeitos dos aumentos planeados do salário mínimo e, se necessário, considerar a redução da contribuição da segurança social do empregador para os trabalhadores com baixos salários, a fim de atenuar o impacto dos aumentos dos custos do trabalho", pode também ler-se no relatório.

PRR deve ser utilizado para apoiar o crescimento da economia

"A aplicação integral da Lei de Enquadramento Orçamental de 2015 e das novas normas contabilísticas, um dos objectivos do PRR, deve ser acelerada. A realização de revisões periódicas das despesas deverá também contribuir para que as despesas sejam canalizadas para utilizações mais favoráveis ao crescimento", é descrito no relatório.

De forma a ser atingida "uma recuperação sustentada", será necessário, de acordo com a OCDE, "enfrentar os desafios de longa data" do país: "o crescimento potencial e os ganhos de produtividade diminuíram. Registou-se uma escassez de competências e a população em idade ativa deverá diminuir. O baixo nível de investimento enfraquece a produtividade e a capacidade das empresas para aproveitarem as novas oportunidades decorrentes das transições digital e ecológica".

Assim, "a revisão da regulamentação dos serviços profissionais e do comércio retalhista reduzirá os custos e melhorará a produtividade das empresas. O reforço das políticas ativas do mercado de trabalho centradas nas empresas mais pequenas, como a pré-selecção de candidatos a vagas, melhoraria a correspondência entre candidatos a emprego e empregadores", é sugerido.

"Rendimento disponível das famílias e as margens de lucro das empresas ainda não recuperaram totalmente"

De acordo com o relatório divulgado, "a inflação elevada e as fracas condições económicas mundiais abrandaram o crescimento" económico, em Portugal. Assim, "apesar de um apoio orçamental renovado para atenuar o impacto, o rendimento disponível das famílias e as margens de lucro das empresas ainda não recuperaram totalmente".

Como razões para este abrandamento, a OCDE refere "os elevados preços da energia e dos alimentos, as perturbações do aprovisionamento e a incerteza renovada, especialmente desde a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia".

"A guerra está a afetar os custos da energia e a aumentar a incerteza. Esta situação está a travar as despesas dos consumidores e a atrasar as decisões de investimento e de contratação das empresas. Os desembolsos do PRR, incluindo subvenções da UE no valor de 14 mil milhões de euros, e o apoio orçamental estão a amortecer estes choques e apoiarão o crescimento quando os preços da energia estabilizarem", é ainda referido.

Contudo, "a aplicação do ambicioso Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e a garantia da sustentabilidade orçamental são fundamentais para uma recuperação sustentada", é defendido.

"O PRR inclui reformas e investimentos com forte potencial para apoiar o crescimento e uma gestão mais eficaz do setor público. A execução já começou, mas as perturbações do lado da oferta, a inflação, a dimensão dos investimentos planeados e o calendário ambicioso colocam desafios. A rápida execução dos projectos deverá impulsionar o investimento", adianta a OCDE.

Por sua vez, "o  apoio orçamental temporário foi alargado para amortecer o choque da inflação. Foram aumentados os subsídios aos preços da electricidade, do gás e dos combustíveis, bem como as transferências sociais e as reduções temporárias dos impostos sobre a energia, algumas das quais se destinam às famílias com baixos rendimentos".

Assim, "a fim de manter fortes incentivos à poupança de energia e à transição ecológica, será importante orientar cada vez mais o apoio para as famílias mais vulneráveis e eliminar progressivamente as medidas de apoio à energia", defende a OCDE.

A inflação, os salários e os créditos

A OCDE recorda ainda que "a inflação atingiu máximos históricos em 2022, à medida que as pressões sobre a oferta se alargaram".

"Os grandes aumentos dos preços da energia e dos alimentos fizeram com que a inflação atingisse o nível mais elevado em mais de um quarto de século. A utilização da capacidade e os custos dos factores de produção continuam elevados. No entanto, a inflação global e subjacente começou a diminuir no final de 2022", é frisado.

Segundo o relatório, "o crescimento dos salários acelerou na sequência do aumento da inflação. Os trabalhadores cujas competências são muito procuradas, como nos setores das TIC e da construção, estão a registar um crescimento salarial mais forte".

Desta forma, "o salário mínimo aumentou 7,8% em 2023 e deverá aumentar 6,6% em 2024. Este facto irá apoiar o crescimento dos salários e os rendimentos reais de muitas famílias, desde que se mantenha o elevado nível de emprego do passado recente".

Por outro lado, "o crédito bancário às famílias e às empresas abrandou e a qualidade das carteiras de empréstimos deve continuar a ser acompanhada de perto", diz a OCDE.

"A dívida bruta das famílias, principalmente empréstimos à habitação, era de 90% do rendimento disponível bruto em 2022. As famílias são vulneráveis ao aumento das taxas de juro, com 89% das hipotecas sujeitas a taxas variáveis. Os riscos em torno das carteiras de empréstimos às empresas também são susceptíveis de aumentar com o aumento das taxas de juro", é explicado.

Assim, "os processos de reestruturação ou insolvência aumentaram a partir de um nível baixo, e a implementação planeada de um novo quadro de insolvência tem um forte potencial para apoiar o crescimento a médio prazo, especialmente em combinação com os esforços para acelerar os processos judiciais".

É necessário aumento do investimento e remunerações no SNS em Portugal

A OCDE quer que Portugal aumente o investimento e remunerações no Serviço Nacional de Saúde (SNS), recomendando orçamentos plurianuais e que a aposta na rede de prestadores de cuidados primários seja uma prioridade crescente.

“Os gastos de investimento e remuneração no setor de saúde terão de aumentar. Os tempos de espera são longos, com seguros privados complementares dando às famílias maiores rendimentos melhor acesso a provedores privados”, pode ler-se.

A organização com sede em Paris considera que “o anterior subinvestimento em edifícios e equipamentos está a ser lentamente corrigido”, mas alerta que “levará tempo para ser totalmente superado”.

“Longas horas de trabalho e baixos salários no setor público tornaram cada vez mais difícil atrair e reter pessoal médico”, sentencia.

Para a OCDE, é necessário “produzir orçamentos plurianuais para o SNS, equilibrando as prioridades de saúde de médio prazo com o espaço orçamental disponível”.

Entre as recomendações estão ainda a necessidade o país ter cuidados integrados entre hospitais e a rede de cuidados primários, considerando essencial que esta se torne uma “prioridade crescente”.

O relatório recomenda ainda que deve ser assegurado que todos os pacientes têm um médico de família.

No relatório sobre o desempenho económico de Portugal, a OCDE recomenda uma melhoria da política macroeconómica e orçamental do país, o fortalecimento do emprego e produtividade, do sistema de saúde e da transição para uma economia verde.

(Notícia atualizada às 10h15)