“Uma das coisas que é evidente nesta crise é que é potenciada pela enorme desigualdade. Há aqui uma situação dramática da precariedade do mercado de trabalho”, afirmou a professora universitária à Lusa, dando ainda como exemplo que, com o fecho das escolas em Portugal, há “crianças que não têm internet em casa”.
Para Susana Peralta, a crise do ‘Grande Confinamento’, como é apelidada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), “mostra sobretudo que o mundo está muito polarizado entre quem tem uma vida confortável e quem tem uma vida desgraçada”.
Relativamente a Portugal, “dos países onde há mais precariedade e o que se chama de dualidade do mercado de trabalho”, há a demonstração de uma divisão entre “as pessoas que têm uma vida porreira, com contrato estável e ordenado, e outras que têm uma relação com o mercado de trabalho que é muito mais feudal, em que são pagas à hora ou ao dia”.
Nesse sentido, a académica da Faculdade de Economia da Universidade Nova (Nova SBE) considera que os apoios a prestar à sociedade no âmbito de quebras de atividade associadas à pandemia de covid-19 deviam ser “muito pouco condicionais”.
“Julgo que a única distinção que deveria haver para podermos determinar se uma empresa ou família tem direito a apoios do Governo nesta fase é se perdeu rendimento ou volume de negócios ou não. Acho que a partir daqui o Governo devia entrar para substituir na medida do possível”, afirmou à Lusa.
A economista acrescentou que os apoios sociais em Portugal, em geral, “estão desenhados com imensa burocracia para tentar ter a certeza que não há pessoas que recebem o Rendimento Social de Inserção (RSI) que escondem parte dos seus recursos”.
“Quando te vais candidatar ao RSI, tens de preencher ‘10 mil’ formulários, a burocracia é tanta, o RSI é renovado anualmente, portanto uma vez por ano a pessoa tem que ir lá e voltar a fazer prova, dizer quanto é que ganha, e depois os trabalhadores do serviço social podem ir a tua casa visitar”, prosseguiu.
Na crise atual, Susana Peralta considera que esta é “uma forma completamente errada de desenhar a coisa”, acrescentando ainda que “era bom que o Governo fizesse alguma coisa em sede de RSI e não fez, focou-se muito no mundo do trabalho pré-anos 90”, embora reconheça que o Governo foi corrigindo alguma da trajetória nos apoios, com o passar do tempo.
“O que eu acho é que deveríamos ter um sistema muito mais abrangente e inclusivo, e não estarmos tão preocupados com a burocracia, porque quando pomos muita burocracia estamos sempre a deixar de fora pessoas que precisam”, asseverou.
Para além do acréscimo do “estigma” social com a condicionalidade dos apoios, Susana Peralta denotou ainda os acréscimos em “custos financeiros, administrativos e burocráticos”, ao ter um sistema “para andar atrás das pessoas e ver quanto ganham”, dado que nesta crise a probabilidade de haver irregularidades na captação de apoios sociais é menor do que em situações normais, dada a paralisação económica.
Neste sentido, a académica realçou a necessidade do apoio a trabalhadores informais, ou seja, os “que não têm contribuições para a Segurança Social, tudo o que ganham vem de pequenos serviços domésticos, mas que nunca passaram uma fatura, ou que passam uma ou duas por mês”.
“Aqueles que são completamente informais não sei como é que o Governo poderia lá ir [apoiar], a não ser realmente confiando no Rendimento Social de Inserção e, de alguma forma, trabalhando para que seja menos burocrático, facilitando”, defendeu.
Para quem tenha “apenas uma parte, ou uma parte substancial do seu rendimento” obtido por via informal, por exemplo através de gorjetas ou ‘biscates’, “aí o Governo consegue ver algumas coisas, porque pode ver a variabilidade dos ganhos, porque todos os meses se declara à Segurança Social”, podendo ser a variabilidade uma “prova ‘proxy’ [por procuração] dessa informalidade”.
No RSI, “os montantes que as pessoas recebem são absolutamente irrisórios”, considerando por isso Susana Peralta que esse apoio “assenta numa ideia de que as pessoas têm a possibilidade de ganhar dinheiro informalmente”, algo que neste momento está excluído pela necessidade de confinamento, e que por isso justificaria o apoio.
“Não me parece que seja melhor despedir”
Susana Peralta afirmou também que não lhe parece uma melhor solução as empresas despedirem e abrirem de novo, ao invés de recorrem ao ‘lay-off’ durante a pandemia de covid-19.
“Não é evidente que uma empresa prefira diretamente despedir e depois eventualmente pensar em recuperar do zero passados uns meses”, disse a professora universitária em entrevista à Agência Lusa, acrescentando que não lhe parece melhor, do ponto de vista das empresas, despedir os funcionários.
Ao contrário do despedimento, que classifica de um botão “on/off” (ligar e desligar), o ‘lay-off’ (suspensão temporária do contrato de trabalho) é um “botão de volume”, que permite às empresas ajustarem as suas necessidades laborais ao contexto da pandemia de covid-19.
“O ‘lay-off’, ao dar às empresas essa flexibilidade, permite-lhes a gestão da crise e ter as pessoas a trabalhar a 30%, a 70% ou a 99%”, algo que a académica da Nova SBE (Universidade Nova de Lisboa) considera positivo.
Segundo Susana Peralta, as empresas “não vão de repente ao mercado de trabalho e encontram, de um dia para o outro, trabalhadoras e trabalhadores com o mesmo grau de conhecimento dos processos internos das empresas, com o mesmo grau de conhecimento daquilo que é preciso fazer ou organizar equipas”.
“Tudo isso é extremamente custoso para uma empresa”, referiu, reconhecendo, no entanto, que “é evidente que o ‘lay-off’ tem custos para as empresas”, e que se “fecharem e despedirem têm a vantagem de não ter de gastar liquidez todos os meses para pagar a parte das folhas de salários que lhe compete”.
É um compromisso que “cada empresa estará em melhores condições de avaliar”, mas Susana Peralta aponta que “há evidência científica, investigação que mostra que os apoios à quebra da atividade económica, em tempos ‘não-covid’, têm efeitos muito positivos”, pela não destruição do que a empresa tinha anteriormente construído.
Nas consequências para as empresas portuguesas da pandemia de covid-19, Susana Peralta considerou que o recurso ao crédito também podem ser “impostos futuros”, caso elas não consigam pagá-lo, dadas as garantias do Estado a esses empréstimos.
“Para mim não é nada claro que esta solução baseada em empréstimos represente menos impostos futuros do que uma solução baseada em montantes a fundo perdido, que permitissem que as empresas fossem mais facilmente viáveis no futuro, e que viriam a pagar impostos”, opinou.
No entanto, considerou “evidente que caso o empréstimo seja pago, isso é o mais seguro de tudo”.
Susana Peralta referiu ainda que “os setores de serviços de proximidade, muito dedicados aos consumidores portugueses, vão ter uma retoma mais fácil” da crise associada à pandemia.
No entanto, “todos aqueles que estão ligados ao turismo não vão retomar tão cedo”, porque, “mesmo no dia em que houver movimentos internacionais, mesmo que sejam legais, as pessoas não devem estar viradas para andar a fazer grandes passeios em países estrangeiros”.
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