Por: Jorge Sá Eusébio da agência Lusa

Questionada acerca das chamadas empresas 'zombie', que estão em atividade mas em situação débil, dependentes de apoios externos e com dificuldade de cumprir as suas obrigações, Susana Peralta deu dois exemplos distintos da abordagem do Governo: a TAP e a Dielmar.

Considerando que "há empresas que provavelmente têm mesmo de ir à falência", a professora universitária deu como exemplo a Dielmar, afirmando: “ O Governo, e a meu ver – em todo o caso, com aquilo que pude observar [...] – mas parece-me que bem, deixou cair a empresa".

"O Governo, por exemplo, já não fez isso relativamente à TAP. Temos ali o maior 'zombie', que é uma espécie de 'zombie' buraco negro da nossa economia, e que o Governo, por alguma razão, quis deixar cair a Dielmar mas não quis deixar cair a TAP… enfim, eu pessoalmente não percebo muito bem porquê", considerou.

A economista considera que uma empresa deve ser ajudada quando "está com um problema conjuntural" em que a ajuda que lhe pode ser dada "lhe permite rapidamente, num prazo curto – um ano, dois anos, seis meses, não faço ideia – voltar a andar pelo seu próprio pé".

No caso da TAP, a economista considera que se adiciona o problema do custo afundado.

"'Ah, agora que já gastei 1.200 milhões de euros na TAP, agora são só mais 800 milhões'. E, enfim, é um raciocínio errado do ponto de vista económico mas a maior parte de nós raciocina dessa forma. E sobretudo as pessoas, muitas vezes, a própria opinião pública tem muito esse raciocínio", lamentou.

"Mesmo depois de gastarmos isto tudo, é sempre melhor deixar cair quando acharmos que aquilo não tem pernas para andar", considera Susana Peralta.

Por outro lado, a docente na Universidade Nova de Lisboa salientou que "é muito importante de facto, ir deixando cair empresas sem nunca deixar cair as pessoas".

"As empresas não comem iogurtes, as pessoas é que comem. Temos sempre de assegurar que as pessoas têm casa comida", relevou, considerando, por isso, que é "preciso apoiar as pessoas com rendimento, como é evidente".

No entender da economista, o apoio dá-se "não só com rendimento, mas também com políticas ativas de emprego, políticas de formação", já que Portugal tem "o dobro da percentagem de adultos sem o ensino secundário" da União Europeia.

Assim, em termos de apoios sociais, Susana Peralta "gostaria imenso de ver um Estado que estendesse o cobertor, que o fizesse menos esburacado".

"Ao estender estás a ir a mais pessoas, ao o fazer menos esburacado estás a fazer com que o crivo em cada nível de rendimento ou de educação seja uma peneira mais apertada para ter mais gente dentro. Isso vai custar mais dinheiro, mas eu acho que é muito importante dar segurança às pessoas", considerou.

"Nós somos todos frágeis do ponto de vista psicológico", e durante a pandemia de covid-19 viveu-se "um ano e meio em que as pessoas viveram completamente fora do seu esquema habitual", afirmou a economista.

"Uma das maneiras de lhes dar segurança, e não é a única, é ter a certeza que as pessoas chegam ao fim do mês com dinheiro para pagar as contas", vincou.

"Nós tínhamos que saber mais sobre o Orçamento"

"Há um caminho que tem sido feito, que tem sido positivo. Agora, estamos muito aquém daquilo que era suposto acontecer", disse a economista em entrevista à Lusa, no âmbito do Orçamento do Estado para 2022, acrescentando: "Nós tínhamos que saber mais sobre o orçamento".

Susana Peralta relembrou à Lusa as constantes críticas feitas por instituições que analisam as contas públicas à falta de dados vindos do Ministério das Finanças.

"Nós temos o parlamento, e não só a Comissão de Orçamento e Finanças, como a própria UTAO [Unidade Técnica de Apoio Orçamental] a queixar-se de falta de informação para fazer contas. Depois temos o Conselho das Finanças Públicas a dizer que também não consegue, documentos oficiais a dizer 'nós não conseguimos calcular o impacto orçamental desta medida porque o Governo não nos deu informação'", apontou.

A professora universitária considera que a falta de transparência "afasta as pessoas do processo orçamental e, ao afastar as pessoas do processo orçamental, as pessoas acham que aquilo é uma espécie de monstro de sete cabeças e que não nos diz respeito".

"Aquilo diz-nos respeito. Para mim, e para as pessoas que se preocupam com estes temas, é um instrumento importantíssimo da democracia representativa", vincou.

A professora da Universidade Nova de Lisboa apontou como exemplo que, "de ano para ano, no relatório do Orçamento do Estado, muitas vezes muda o formato dos quadros, e isso não nos permite ir ver como é que evoluiu uma determinada categoria de despesa".

"Nós devíamos ter uma orçamentação por programas, programas orçamentais. Por exemplo, cuidados de saúde primários, ou por exemplo combate à diabetes, ou por exemplo controlo da pandemia, ou transição energética, ou controlo das bacias hidrográficas", exemplificou.

A orçamentação por programas "é algo que a OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico] anda há mais de 10 anos a dar-nos na cabeça", mas sem sucesso, recordou a economista.

"Isso tudo eram maneiras que nos permitiriam a nós, enquanto cidadãos, e aos nossos representantes e aos órgãos de supervisão, fiscalização [...], aos chamados conselhos fiscais independentes, olhar para as contas e contar-nos o que está a acontecer", lamentou.

A docente deu ainda como exemplo a parte explicativa do Orçamento no Portal da Transparência.

"Quando vamos à parte do Orçamento do Estado, não está lá nada, tem lá assim uns bonequinhos a dizer o que é o orçamento, a comparar com o orçamento familiar, uma coisa meio... faz um bocado lembrar aquela coisa do Marcello Caetano, das Conversas em Família, uma coisa um bocado infantilizante, que eu não gosto", criticou.

A economista também considera que a informação "não faz jus ao ministro das Finanças", João Leão.

"É um homem, sinceramente, bastante inteligente, uma pessoa vivida, uma pessoa interessante. Ele podia fazer melhor. Ele ou a equipa dele – obviamente que não é o ministro que faz aquilo, ele é o responsável político por aquilo", prosseguiu.

"Na parte da execução orçamental está por categorias como despesas correntes, despesas de capital, coisas com as quais nem o cidadão comum, nem eu, verdadeiramente, me relaciono", apontou ainda.

Para Susana Peralta, o Orçamento do Estado "é uma das políticas económicas mais importantes, senão a mais importante do Governo".

Apesar de reconhecer que há "um problema de baixos salários em Portugal", do ponto de vista da discussão do que é o Orçamento do Estado, a economista considerou "péssimo" que outros temas existam ao mesmo tempo, como por exemplo o aumento do salário mínimo ou a legislação laboral.

"O Orçamento é receita e despesa. Onde é que vamos buscar o dinheiro e onde é que o gastamos, ponto final. E era ótimo, maravilhoso, para a qualidade da nossa democracia, podermos discutir o orçamento por aquilo que ele é", destacou.

"Tenho simpatia para se olhar outra vez para o englobamento"

"Tenho simpatia para se olhar outra vez para a questão do englobamento, porque o não englobamento é um prémio... enfim, faz diminuir a carga fiscal das pessoas mais ricas", disse.

No entender da economista, atualmente, "quando uma pessoa paga uma taxa liberatória, na tributação autónoma, de 28%, isso só compensa para quem tem taxas marginais superiores a 28%, que são as pessoas que ganham mais dinheiro".

Assim, o englobamento obrigatório de rendimentos no IRS, ao invés da sua separação entre rendimentos capitais, prediais ou do trabalho, contribui para que, "de uma certa maneira", se possa "ir buscar algum dinheiro a pessoas que têm mais".

A professora da Universidade Nova de Lisboa disse também que a separação clássica entre capitalistas e trabalhadores, "mesmo no sentido da revolução industrial", está mais difusa.

A economista lamentou ainda que, ao contrário do que acontece no Reino Unido e nos Estados Unidos, em que é sabido "que as pessoas que têm mais rendimento do capital são também as que têm mais rendimento de trabalho", em Portugal não há esses dados.

"Há muitos trabalhadores que não têm rendimentos de capital, mas os capitalistas têm, na sua generalidade, rendimentos de trabalho e rendimentos de trabalho muito, muito generosos", considerou, referindo-se a essas economias.

Quanto a Portugal, "nós não fazemos ideia, por exemplo, quem é que são os detentores de rendas em Portugal, de pessoas que arrendam casas", existindo "alguma probabilidade de haver muitos que sejam pequenos aforradores".

Susana Peralta considerou ainda que os capitalistas atuais tanto "têm rendimentos do trabalho, como têm mais facilidade em deslocar rendimentos de uma esfera para a outra", por exemplo, "criando uma empresa onde põem uma parte dos pagamentos que recebem – de maneira completamente legal, já agora – mas em que estão a jogar na margem entre o IRS e o IRC".

"É por isso que é importante pensarmos nisto de uma maneira mais composta, e certamente criar margens dentro do próprio IRS, com tributações autónomas, em princípio não é boa ideia", considerou.

A economista lamentou ainda a ausência de quantificação da "tal margem de mobilidade do capital que faria perder receita fiscal".

"Nós precisávamos de ter um mapa do que é a distribuição da riqueza em Portugal, e do que é a distribuição de diferentes tipos de riqueza: do capital financeiro, do capital imobiliário e nós não sabemos muito sobre isso. Mas isso é um problema geral da nossa política económica, andamos sempre um bocado a navegar às escuras", concluiu.

O jornal Eco noticiou que, no âmbito do Orçamento do Estado para o próximo ano, o Governo está a negociar com os partidos à esquerda o englobamento obrigatório de rendimentos no IRS, mas ao Observador fonte do Governo disse que os rendimentos prediais e os juros dos depósitos estariam fora da negociação.

Atualmente, os rendimentos prediais e de capital podem ser tributados através de uma taxa liberatória de 28%, ao invés dos rendimentos do trabalho, sujeitos às taxas normais de IRS.

Os contribuintes com vários tipos de rendimentos podem optar por escolher a taxa que lhes seja mais vantajosa.