"Os instrumentos não convencionais de controlo da despesa atuam como uma segunda camada de racionamento da tesouraria, reforçando a intervenção do poder político em atos de gestão corrente demasiadas vezes triviais", pode ler-se no documento a que a Lusa teve hoje acesso.
A UTAO considera ainda que tal forma de controlo orçamental "prejudica a qualidade dos serviços prestados às empresas e aos cidadãos sem aparente ganho de causa no cumprimento das metas da política orçamental".
Assim, os técnicos que dão apoio à Comissão de Orçamento e Finanças (COF) da Assembleia da República (AR) sugerem ao parlamento "uma reflexão sobre a manutenção na proposta de lei de disposições extremamente intrusivas na gestão corrente das unidades orgânicas da Administração Central e da Segurança Social".
Concretamente, a UTAO aponta ao artigo 53.º da proposta de lei do Governo para o OE2021, relativo a encargos com contratos de aquisição de serviços, que dá "ao ministro das Finanças o poder discricionário de impedir a aquisição de serviços nos casos em que a AR tenha previamente aprovado o financiamento necessário para tal execução".
"A verba para renovar ou celebrar um novo contrato com o mesmo objeto está congelada nominalmente há inúmeros anos. Sem aquela autorização, não será possível a um gestor público usar a dotação disponível para praticar tais atos, por muito meritórios economicamente que sejam", apontam os técnicos do parlamento.
Também os artigos 44.º e 45.º (relativos a estudos, pareceres, projetos e consultoria, e a contratos de prestação de serviços na modalidade de tarefa e avença) "estabelecem restrições adicionais à utilização de dotações aprovadas".
"Pode entender-se, até certo ponto, a preferência dada à execução dos serviços pelos trabalhadores das próprias entidades públicas contratantes ou de outras entidades públicas, mas este princípio colide com as medidas de restrição ao recrutamento de trabalhadores diferenciados e com experiência que permanecem em vigor há tantos anos seguidos", denota a UTAO.
Já o artigo 44.º, relativo à contratação de trabalhadores por pessoas coletivas de direito público e empresas do setor público empresarial, "atribui ao ministro das Finanças o poder discricionário de, a pedido do colega com a tutela setorial, autorizar a utilização da dotação para pessoal devidamente inscrita no orçamento da entidade pública aprovado pela Assembleia da República", e impedindo também "a substituição de trabalhadores experientes por profissionais com experiência, ao limitar a autonomia dos serviços ao recrutamento para o primeiro escalão das carreiras".
"Os procedimentos para obtenção das autorizações políticas são administrativamente pesados e lentos, conduzindo muitas vezes a situações de indeferimento por falta de decisão em tempo útil. É uma situação semelhante à que se passa para conseguir aceder às dotações dos instrumentos convencionais de racionamento", advertem os técnicos parlamentares.
Segundo a unidade, "não se descortina facilmente a vantagem de manter estas normas em vigor quando a sua retirada não aumentaria a despesa agregada face às dotações aprovadas pelo parlamento".
"Recorda-se que a rubrica Aquisição de Serviços tem sido sempre um alvo privilegiado das cativações formais. É uma rubrica, portanto, sujeita a cativações convencionais e a cativações não convencionais, o que obstaculiza duplamente a gestão das entidades públicas", denuncia a UTAO.
A unidade aponta que "os instrumentos não convencionais são um travão a mudanças na tecnologia de provisão dos serviços prestados aos cidadãos e às empresas pelas AP", sendo "inegável a existência de uma ineficiência económica na produção pública".
De acordo com o OE2021, encontram-se orçamentados 500 milhões de euros (ME) na dotação provisional, 515 ME na reserva orçamental e 1.440 ME em dotações centralizadas destinadas a fins específicos.
Segundo a UTAO, "estas últimas destinam-se a: despesas imprevistas com a pandemia (500 ME), financiamento da medida IVAucher (200 ME), regularização de passivos não financeiros e aplicação em ativos (690 ME) e a assegurar a contrapartida nacional em projetos financiados por fundos comunitários (50 ME)".
"A dotação para fazer face a despesas imprevistas da pandemia encontra-se repartida pelas rubricas de pessoal (250 ME), aquisição de bens e serviços (150 ME), transferências correntes para as famílias (50 ME) e investimento em bens de capital (50 ME)", detalha a unidade técnica liderada por Rui Nuno Baleiras.
Combate à pandemia com impacto de 1.666 milhões na receita em 2020
"No ano de 2020 as medidas de política Covid-19 têm um efeito direto estimado de –1.666 ME [milhões de euros] na cobrança de receita, repartido entre a receita contributiva (–549 ME) e a receita fiscal (–1.117 ME)", pode ler-se no documento da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) relativo à proposta de lei do Governo para Orçamento do Estado de 2021 (OE2021) a que a Lusa teve hoje acesso.
Segundo os técnicos que dão apoio aos deputados da Comissão de Orçamento e Finanças (COF) do parlamento, em 2020 "as principais medidas de política com incidência na receita consistiram no adiamento de obrigações fiscais e contributivas e na suspensão temporária da obrigação de pagamento de contribuições sociais para empresas e trabalhadores independentes".
"A suspensão de pagamentos por conta de IRC, estimada em -1.150 ME, constitui a medida de maior impacto na receita, incidindo sobre a componente fiscal", pode ler-se no relatório, que refere ainda que a quebra no lado contributivo é refletida pela "isenção temporária de pagamento da Taxa Social Única".
Já em 2021, "prevê-se um impacto de +1.742 ME, do qual +1.112 ME respeitam aos efeitos das medidas legisladas em 2020 e +630 ME às novas medidas previstas" na proposta de OE2021.
A recuperação da receita adiada em 2020, no valor de 1.150 ME, "constitui o principal determinante do efeito positivo proveniente de medidas aplicadas em 2020; em 2021, como novas medidas, "destaca-se a previsão de recebimento de receita comunitário no âmbito da iniciativa europeia REACT para financiamento das medidas de despesa covid-19".
Segundo a unidade liderada por Rui Nuno Baleiras, em 2021 "a recuperação da receita fiscal adiada em 2020 deverá beneficiar a cobrança, superando os impactos negativos das restantes medidas".
Já o impacto das novas medidas de 2021, de 630 ME, "resulta dos efeitos de sinal contrário do aumento previsional das transferências comunitárias no âmbito da iniciativa REACT (+1.018 ME) e das medidas de redução da receita fiscal (–387 ME)".
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