É uma exposição que deveria ser vivamente recomendada, a começar pelas escolas. Lamentavelmente o conjunto de filmes, da sua autoria, está exposto em televisores a que podemos chamar “caseiros” e pouco práticos para visionamento. Os filmes de Ai Wei Wei são cruciais para perceber as diversas denúncias, os seus argumentos, o seu interesse em determinados assuntos – nomeadamente a imigração e os refugiados. Cada filme tem mais de uma hora e a exposição, com o título Rapture, não permite mais do que um rápido vislumbre dos conteúdos. A Cordoaria tem cerca de 346 metros de comprimento por onze de largura; teria sido bom fazer-se um pequeno auditório, ter uma programação paralela, dar ênfase a um trabalho de denúncia, que o artista protagoniza e que deve ser divulgado. É a arte como uma arma. É a arte como gesto político.
As peças em exibição surpreendem por razões diversas e, obviamente, a interpretação e o sentimento variam consoante a pessoa. A arte é também esse exercício individual. Destaco, porém, os dois barcos de dimensões gigantes, que reflectem a realidade dos refugiados e que são acompanhados de citações como esta: “Em primeiro lugar não gostamos que nos chamem refugiados", de Hannah Arendt (Nós, os refugiados, 1942), ou do poeta sírio Adonis, “A melhor coisa que se pode ser é um alvo/ um cruzamento entre o silêncio e a as palavras” (O Início da Poesia in O Livro das Semelhanças e dos Começos, 1990). A escolha das frases não é inocente, é apenas mais uma proposta de reflexão, um trilho que podemos fazer enquanto indivíduo isolado ou colectivamente.
Em 2011, Ai Wei Wei foi preso pelo regime chinês. Nos primeiros 81 dias como recluso esteve numa prisão cuja localização é desconhecida. O artista recorda a experiência e o tempo de prisão através da construção de seis caixas de fibra de vidro e ferro, seis esculturas que revelam momentos-chave desse período e, em especial, sublinham a repressão e a solidão imensa, de uma vida vigiada 24 horas por dia. O conjunto é intitulado S.A.C.R.E.D. e é uma obra de 2011-2013. Um ano depois, o artista criou um mapa da China, composto por 32 peças de porcelana. A peça chama-se Free Speech Puzzle (Puzzle Liberdade de Expressão). É mais uma posição contra a censura. É urgente mostrar o trabalho de Ai Wei Wei aos mais novos. É urgente perceber como vai o mundo. É urgente questionar e reflectir.
Desde 1989 que se faz homenagem face ao que se passou na praça de Tienanmen. Este ano a vigília foi proibida. A polícia foi para a rua em força, impedindo o momento, tentando branquear a memória. Passaram-se 32 anos e não podemos esquecer. Contra tudo e todos, as pessoas acenderam velas e deixaram as luzes dos smartphones acesas. A China não é um papão que nos vai engolir. A China tem-nos já na boca. E nós deixamos. Passaram-se mais de três décadas e nada mudou. Ai Wei Wei é o artista que nos lembra de que ter voz é mudar o mundo. E que a arte e os artistas são uma arma poderosa. A China não aprecia? Não temos pena.
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