Os métodos de Pequim para uniformizar os territórios que considera fazerem parte integrante da China são sobejamente conhecidos. Há os casos de Hong Kong, Macau e Taiwan, regiões historicamente chinesas.

Hong Kong, ocupada pelos ingleses em 1841, depois da derrota da dinastia Qing na I Guerra do Ópio, foi devolvida à China em 1997, num acordo que previa a sua autonomia e que tem sido minuciosamente desmantelado por Pequim. Ainda conserva o estatuto de “Região Administrativa Especial” (RAE), mas está cada vez mais integrado na China.

Macau, alugada aos portugueses pela dinastia Ming, em 1557, foi devolvida em 1999 e está na mesma situação que Hong Kong; é oficialmente uma RAE, porém administrada como parte integrante do país.

A origem da República de Taiwan é bastante diferente. Quando da derrota das forças nacionalistas de Chiang Kai-Shek na guerra civil de 1945-49, estas refugiaram-se na ilha e declararam-se independentes do regime comunista de Mao Tsé-Tung. Inicialmente era uma ditadura de partido único, o Kuomintang, mas a partir da década de 1960 liberalizou-se e hoje em dia é uma democracia parlamentar. A China nunca desistiu de a incorporar e, sobretudo desde que Xi Jinping assumiu a liderança do Partido Comunista, em 2013, tem levado uma campanha em todas as frentes para a eliminar. Xi já disse que não descansará enquanto não o fizer. É uma questão de “quando”, não “se”.

Um caso diferente é o Tibete, a região entre a China e a Índia que inclui os Himalaias. Chegou a ser um império nos séculos VII-IX, depois fez parte da China e finalmente tornou-se independente em 1913. Essa autonomia nunca foi aceite por Pequim, tanto enquanto monarquia imperial, República e finalmente República Popular. Os chineses invadiram em 1951 e transformaram-na numa RAE em 1959. Desde então têm feito tudo para a diluir na China; praticamente proibiram o budismo, fecharam os templos e transferiram centenas de milhares de chineses da etnia Han para o território. Actualmente são 12% da população e as crianças tibetanas são obrigadas a frequentar escolas chinesas. Conseguiram que o Tibete fosse reconhecido internacionalmente como território chinês. Os 520 milhões de budistas que existem no mundo recusam-se a aceitar essa situação, mas, dado que a China caminha rapidamente para se tornar a maior potência mundial, não está à vista nenhuma alternativa que dê autonomia ao Tibete.

Finalmente, temos o caso do Turquistão Oriental (East Turkistan), uma região com cerca de dois milhões de quilómetros quadrados situada a Norte do Tibete e que faz fronteira com o Paquistão, Mongólia e até com o Paquistão e a Índia. Metade da população é de etnia Han, portanto chinesa e sem religião oficial, a outra metade é de etnia Uigur, turcomanos e muçulmanos. Também foi independente em épocas passadas, mas é uma província chinesa desde 1949, com o nome de Xinjiang.

A partir da década de 1990 os uigures criaram um movimento independentista, provocando vários distúrbios, com os piores resultados: o Partido Comunista Chinês organizou uma campanha contra as “Três Forças Diabólicas” - separatismo, terrorismo e extremismo - e criou um programa de “produção e construção” que basicamente obrigava os uigures a trabalhar em regime de semi-escravatura em fábricas, enquanto os colocava compulsoriamente em programas de reeducação ideológica. Líderes foram executados, cidadãos privados de todos os direitos e torturados, milhares de famílias separadas e enviadas para outras províncias.

A partir de 2017, a repressão tomou todos os aspectos de uma limpeza étnica, denunciada ao mundo pelo “Governo do Turquistão Ocidental no Exílio” e por numerosos documentários, como este.

Há também uma campanha internacional para denunciar os atentados aos direitos humanos dos uigures, permanentemente actualizada e que recebeu o Prémio Nobel da Paz em 2022.

No decurso de investigações, ficou provado que algumas marcas de automóveis ocidentais - General Motors, Tesla, Toyota e Volkswagen - têm usado peças fabricadas em Xinjiang. As empresas alegam que não têm controlo sobre onde são produzidos os seus componentes chineses.

Cabe perguntar porque é que Pequim resolveu eliminar os uigures, uma vez que são apenas uma das 56 etnias que existem na China - os Han são uma maioria de 92% da população, as outras não passam de franjas. As etnias subjugadas, como os tibetanos, têm sido “achinesados” de várias maneiras mais ou menos violentas, mas não sujeitas a uma limpeza étnica deste calibre.

Uma explicação seria o facto de serem muçulmanos. O Islão é visto pelo Partido Comunista chinês com particular desconfiança, porque o considera uma religião muito “forte”, capaz de levar os seus crentes a uma fidelidade total. As outras religiões mundiais praticadas na China, cristianismo (5,1%) e budismo (18,2%) são basicamente pacíficas e pouco propensas a revoltarem-se; o que querem, sobretudo, é que as deixem em paz. Os muçulmanos, apesar de serem apenas 1,8%, são potencialmente perigosos.

Mais de metade da população chinesa não tem religião, segue os princípios do materialismo dialético marxista. Mas a lógica de Pequim obedece a uma famosa frase de Mao: “Basta uma centelha para incendiar a pradaria.”