Hoje é o Dia Mundial da Consciencialização do Autismo. Um dia que, historicamente, é utilizado para sensibilizar sobre o que é o autismo e a necessidade de apoio que podemos ter no dia-a-dia. No entanto, este dia sabe-me, cada vez mais, a pouco.
O Dia da Consciencialização do Autismo pode por vezes ser bastante difícil para muitos autistas, visto encher-se de demonstrações, mas também da perpetuação de estereótipos e de desinformação. A falta de inclusão, mesmo no dia em que deveríamos ter os autistas no centro das nossas demonstrações, exclui muitas vezes as próprias pessoas a quem advogam incluir. O facto de, em 2022, ainda estarmos a requerer espaço para falarmos das dificuldades e experiências que temos, mostra a falta de inclusão tão intrínseca e normalizada na nossa sociedade.
Em 1943, foi descrito o primeiro caso de autismo por Leo Kanner. Um dos meninos inicialmente descritos nesse estudo, Donald Triplett, hoje um adulto independente de 88 anos, deveria ver um mundo bastante mais inclusivo para a condição da qual foi um dos primeiros a receber o diagnóstico. Muito melhorou, mas não o suficiente. A consciencialização tem vindo a ser feita durante os últimos 79 anos, mas parece-me que ainda estamos longe da inclusão na sociedade que, de facto, precisamos.
A falta de conhecimento de vários profissionais médicos sobre autismo, principalmente no adulto e mulheres, leva à falta de acesso a serviços essenciais para o bem-estar físico, psicológico e emocional dos autistas.
A desinformação e a utilização de intervenções sem evidências científicas em autistas, muito derivada da falta de informação institucional, tem levado não só a danos físicos, psicológicos e emocionais de autistas, mas também à perda de vida, em Portugal e no Mundo.
A falta de adaptações nas empresas leva a que, no Reino Unido, apenas 22% dos autistas adultos estejam empregados - não temos dados relativos a Portugal.
A acessibilidade a espaços públicos, desde supermercados a hospitais, em geral focada na acessibilidade física (e por vezes nem isso), nunca considera a acessibilidade sensorial e social, essencial para a vida independente dos autistas.
A falta de acomodações educativas desde o infantário à universidade, e por vezes justificada pela “igualdade” de todos os estudantes, deveria focar-se na equidade, não considerando o esforço extra que um autista ou pessoa com deficiência precisa de fazer, comparado com uma pessoa não-autista ou sem deficiência, para o mesmo acesso.
A falta de apoio na saúde mental leva a que tenhamos uma taxa de doença mental de 80% em autistas, assim como uma taxa de suicídio nove vezes superior do que não-autistas (dados da Autistica UK).
O último estudo em Portugal, desenvolvido pelo Instituto Ricardo Jorge, aponta para uma prevalência de autismo em 50 mil, pessoas, apesar de todos os estudos a nível mundial apontarem para cerca de 1.9% da população. Isto equivale a uma possibilidade de termos quase 200 mil autistas em Portugal, mas muitos não diagnosticados.
Neste dia celebramos também, o primeiro aniversário da primeira associação de autorrepresentação autista em Portugal, a Associação Portuguesa Voz do Autista, da qual fui fundadora.
No último ano, desenvolvemos projetos e formações na área da educação, empregabilidade, saúde mental e aceitação, com muitos mais projetos planeados para o próximo ano. No entanto, mais do que uma celebração, seja de aniversário ou do dia, queremos que, de facto, a consciencialização passe a ação.
Esperámos 79 anos para que a consciencialização acontecesse, mas já não parece ser suficiente.
Claramente, a consciencialização não chega e precisamos de aceitação. Precisamos que empresas, escolas, pessoas e organizações se juntem a nós para que o pedido de inclusão, que é feito no dia 2 de abril, realmente se materialize, tal como o apoio dos autistas em Portugal e dos seus familiares e cuidadores, em vez de palavras vagas, proferidas anualmente, por pessoas não-autistas.
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