Marine Le Pen, a presidente da Frente Nacional, teve 33,9% dos votos na segunda volta das presidenciais francesas de 2017. No primeiro turno tinha ficado em segundo lugar, entre seis candidatos. Pode dizer-se que Macron só foi eleito porque toda a esquerda e centro se uniram contra ela. Um avanço fenomenal para o partido da extrema-direita, que em 1974 tinha conseguido apenas 0,75% dos votos, e em 2012 chegou aos 18%, em terceiro lugar depois de Hollande e Sarkozy.
Em parte, esse progresso foi conseguido pelo cenário social em França, mas foi a mudança de atitude entre o fundador do partido, Jean-Marie Le Pen, e a filha, que transformou um grupo marginal numa força política. Agora, enquanto Marine continua a ser uma séria candidata à presidência, a família Le Pen prepara uma nova geração para a luta: Marion, sobrinha de Jean-Marie. Tal como a tia, percebeu quais as mudanças que a podem tornar uma séria contentora no cenário nacional.
Jean-Marie Le Pen, ex-militar tornado político, era um nacionalista racista com um discurso agressivo que assustava toda a gente. Quando formou a Frente, em 1972, ainda a imigração não era uma preocupação nacional e o seu discurso só encontrava apoio nos grupos mais radicais, como a Nova Ordem neo-nazi (que acabou por se integrar na Frente).
Teve três filhas, Marie Caroline, hoje com 57 anos, Yan (55) e Marine (50). As três entraram na política, mas foi a mais nova que se revelou a verdadeira sucessora, mesmo contra a vontade do pai. Marine conseguiu mesmo que Jean-Marie saísse da direcção e zangou-se com ele publicamente em 2014. A mais velha, promotora imobiliária, só ocasionalmente dá uma ajuda ao “negócio” da família e a do meio participa a tempo inteiro, mas não tem a energia e o carisma de Marine. Em 2015, Jean-Marie (agora com 90 anos e muito debilitado, mas não quieto), foi mesmo expulso, pois não se calava com as declarações anti-semíticas e anti-muçulmanas. Dizia, por exemplo, que as câmaras de gás nazis eram um “pormenor” histórico e que a ocupação da França pelos alemães não tinha sido particularmente desumana.
Marine não é menos racista que o pai, mas está mais interessada no poder do que na propaganda ideológica. Entretanto, a situação política e social da França mudou, com os imigrantes como maior preocupação do eleitorado. Marine adoçou o discurso, sem deixar de bramar contra os refugiados e defender a pena de morte. Percebeu, antes dos outros políticos franceses, que a dicotomia tinha deixado de ser esquerda/direita e passava a ser globalismo/nacionalismo. Atacou a “classe dominante” que dominava o cenário político nacional e “os burocratas de Bruxelas” que “mandavam” na Europa contra os interesses da França. Recusava, e continua a recusar, o rótulo de extrema-direita: “Como sou dum partido da extrema-direita? Eu não acho que as nossas propostas sejam propostas extremas, seja qual for o assunto. (...) O que eu quero é uma revolução democrática, uma revolução pacífica através do voto, patriótica”. Essa revolução, que implica a saída da EU, apelava à classe trabalhadora que já não se revia nas propostas da esquerda. Inclusive, e estranhamente, cativa muitos imigrantes europeus de segunda geração, inclusivamente portugueses.
Depois dos avanços espectaculares do partido na eleição contra Macron, mudou-lhe o nome para Reunião (Rassemblement) Nacional, um termo muito mais suave para quem identifica “Frente” como um título de direita. As suas posições estão muito bem resumidas no artigo supracitado do jornal inglês de esquerda, o “The Guardian”.
Marion é filha de uma relação de Yan com Roger Auque, um jornalista, diplomata e espião. Depois da sua morte, de cancro, Yan casou com o empresário Samuel Maréchal, que a perfilhou quando ela tinha dois anos. Auque colaborou com o Front National e Maréchal faz parte activa; os Le Pen, apesar de cristãos conservadores, são propensos a ter várias relações sentimentais, sempre dentro do partido. Formam um autêntico clã, unidos por relações pessoais e políticas, o que não os impede de ter conflitos entre si.
Marion Maréchal, como é conhecida, começou a carreira política muito cedo: foi deputada entre 2012 e 2017. Eleita aos 22 anos, é a deputada mais nova alguma vez eleita para a Assembleia Nacional. Terminado o mandato, declarou que abandonava temporariamente a carreira; tal como a tia, percebeu que o caminho das suas ideias para a vitória implica uma mudança de estratégia; o percurso tem de ser preparado com objectivos a longo prazo, paralelamente à luta partidária. O que pretende é criar uma estrutura de quadros intermédios com bases ideológicas: o cristianismo ocidental, particularmente o francês, contra a secularização do Estado – que em França é um dogma – e o islamismo “que ameaça tomar conta do país”; o nacionalismo “dos pequenos” contra “o capitalismo desbragado e a globalização selvagem”. Também é a favor da família tradicional heterossexual – embora, como os outros membros do clã, tenha uma vida privada agitada, separada do pai da sua filha e a namorar (diz-se) um membro da Liga do Norte italiana. Não aceita o rótulo de populista; o que pretende é juntar a extrema-direita e a direita, aliando a classe trabalhadora com a pequena burguesia.
Marion não pretende o lugar da tia, pelo menos a curto prazo. Considera que voltará à política activa, mas mais tarde. Assim que saiu da Assembleia Nacional dedicou-se a criar uma escola de quadros em Lyon, a sua base. Chama-se Instituto de Ciências Sociais, Económicas e Políticas e abriu no final do ano passado. Embora não seja aceite pelo sistema educacional oficial, já tem 90 estudantes. As cadeiras incluem treino em média e liderança, com disciplinas como “França, Cristianismo e Secularismo”, “Organizações Islâmicas Internacionais”. Tem contactos internacionais, em Itália e nos Estados Unidos, onde participou no ano passado na Conferência de Acção Política Conservadora, uma iniciativa da direita “das bases”, que teve como oradores Donald Trump e Glenn Beck. Steve Bannon também é um apoiante significativo, à semelhança das suas iniciativas didácticas em Itália, como já relatamos aqui.
Marion considera-se uma conservadora, um rótulo muito pouco usado em França, mas com massa crítica nos Estados Unidos, o que reflecte a mesma agenda internacional de nacionalismo, antiglobalização e valores cristãos ocidentais próprios da etnia branca. Como se costuma dizer, está tudo ligado...
Com apenas 29 anos e a genica dos Le Pen, Marion Maréchal tem uma longa carreira pela frente. Está inserida numa corrente que tem mostrado determinação nos objectivos e resiliência nas dificuldades de crescimento. Mas que está a crescer. Não é apenas política, no sentido do jogo político partidário eleitoral das democracias. Entra nesse jogo quando acha que pode ganhar – e tem ganho, nos Estados Unidos e em vários países da Europa – mas os seus propósitos são mais ideológicos e os objectivos civilizacionais.
Uma coisa é certa: a dinastia Le Pen está para ficar.
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