As eleições deste domingo podem determinar se a República Eslovaca adere à narrativa de Putin ou se mantém ao lado da União Europeia, onde está desde 2004.

Antes existia a Checoslováquia, um país dentro da chamada “Cortina de Ferro”, da qual se separou em 1989. Em 1993, num acordo amigável entre ambas as partes, dividiu-se em duas repúblicas democráticas parlamentares, a Checa e a Eslovaca, também conhecida como Eslováquia. A relação entre as duas é boa, tanto ao nível oficial como entre as pessoas. Atualmente, os checos são os europeus mais eurocéticos, mais até que os ingleses. Na Eslovaquia, só 40% da população é pró-europeia. São pobres e mal-agradecidos, digamos assim; querem a chuva de dinheiro da UE, mas acham que a vida era mais segura nos tempos da esfera soviética.

Ambas aderiram à União Europeia e à NATO, a Czechia em 1999 e a Eslováquia em 2004, mas têm seguido percursos diferentes. A Eslováquia tem fronteiras com a Polónia, Ucrânia, Hungria e Áustria. A actual Presidente, Suzana Caputová, ambientalista e europeista, termina o seu mandato este ano e não pode ser reeleita.

Em 2023 foi escolhido para primeiro-ministro, por voto popular, o político da esquerda populista, Robert Fico, que formou uma coligação do seu partido, Smer, e o SNS, populista de direita, e o Hlas, social-democrata. Um saco de gatos, portanto.

Assim que tomou posse, Fico declarou que a Eslováquia deixa de enviar armamento para a Ucrânia: “Uma suspensão imediata das operações militares é a melhor solução que temos para a Ucrânia. A União Europeia devia passar de fornecedor de armas para fazedor da paz”. É a atitude dos simpatizantes da Rússia: o essencial é a paz, mesmo que isso implique que a Ucrânia perca todo o território conquistado pela Federação Russa.

A reação europeia foi imediata: o Smer e o Hlas foram suspensos da bancada dos Socialistas Europeus no Parlamento Europeu. Há o receio de que Fico se torne um segundo Viktor Orbán, numa posição de hostilidade em relação à Ucrânia e de apoio implícito à Rússia. Tem sido essa a atitude de várias entidades, grandes e pequenas (o nosso PCP, por exemplo), considerada como favorável a Moscovo.

Uma paz decidida agora implica que a Ucrânia aceite a ocupação dos territórios nas mãos dos russos. Uma solução inaceitável para os ucranianos, que bem se compreende; será que nós aceitaríamos perder o Algarve para que o nosso vizinho maior parasse de nos atacar? E depois de conseguida essa paz por amputação, o que o impediria de atacar de novo?

É por isto que as eleições presidenciais de domingo têm tanta importância. Há onze candidatos, mas os dois favoritos são Peter Pellegrini, do Hlas, ex-primeiro ministro, e Ivan Korcok, ex-ministros dos Negócios Estrangeiros, apoiado por vários pequenos partidos e sucessor presumível da actual presidente.

A principal disputa interna tem a ver com as tentativas de Fico de controlar o judiciário, à lá Orbán. As suas reformas tornariam mais difícil combater a corrupção e o crime organizado e favorecem penas mais pequenas para certos crimes, como a violação. Considera-se que Pellegrini alinhará com Fico, uma vez que já estiveram no mesmo partido e são ideologicamente próximos.

Korkov está contra todas as propostas de Fico e avisou que a revisão do Código Penal pode levar à suspensão dos preciosos fundos europeus.

O Presidente da República, eleito para um mandato de cinco anos, não tem muitos poderes, mas ocupa um lugar importante no equilíbrio de poderes. É o chefe das forças armadas, negoceia tratados e acordos internacionais, pode amnistiar e promulgar as leis.

De acordo com uma sondagem feita em Janeiro, na primeira volta das eleições Korcok teria 36% e Pellegrini 32,7%. Neste caso, haverá uma segunda volta. União Europeia está preocupada quanto ao rumos do país. A ideia de uma segunda Hungria no seio da UE é assustadora.

Para Bruxelas, o perigo de mais um dos seus membros alinhar com Moscovo é maior do que Moscovo chegar a Kiev - uma hipótese que não se deve descartar, mas que não será tão cedo. Os ucranianos podem perder, mas vão vender cara a pele, e a Rússia não ficará em condições imediatas de invadir a vítima que se segue, provavelmente a Moldova, que já tem um problema com a auto-proclamada (e não reconhecida por ninguém) república da Transnístria, que tem uma maioria russa.

É o mesmo cenário usado por Putin para invadir a Ucrânia: defender uma minoria supostamente agredida

(Foi a desculpa de Hitler para invadir, precisamente, a Checoslováquia, em 1939.)

Não é possível avaliar porque Robert Fico está inclinado a ser um segundo Orbán. Não será por razões ideológicas, mas antes estratégicas; se Eslováquia se mostrar simpática com Putin, provavelmente, tal como a Hungria, será poupada aos próximos movimentos bélicos do Kremlin. Não é fácil para um pequeno país, com 49.000 km2 e 4,5 milhões de habitantes, estar entalado nas numa região sempre disputada da Europa, ao lado da Ucrânia.

Numa teoria que corre por aí (e que eu não subscrevo), a luta sempre foi entre a Alemanha e a Rússia - os cavaleiros teutónicos rumaram a Leste nos tempos do czar Ivan, no século XVI, e depois houve a I e a II guerras mundiais. Quem sofreu com estas movimentações foram os países no meio, invadidos ora por um ora pelo outro. É verdade que os croatas e muitos ucranianos lutaram pelos nazis - é outra desculpa de Putin, que a Ucrânia está cheia de nazis -, mas também se pode pensar que o fizeram para se ver livres de Estaline.

Enfim, a Europa central, confluência do Leste e do Oeste, sempre foi uma região martirizada pelas invasões dos Otomanos e pela prepotência dos impérios à sua volta - o Otomano, o Germânico e o Russo. Quem impediu o Império Otomano de entrar pela Europa dentro foi a Hungria, no século XVI, e nunca teve grande reconhecimento por isso. Talvez isso explique um certo ressentimento que os húngaros têm pelos países mais a ocidente. Se aderiram à União Europeia, também foi à cata dos fabulosos fundos comunitários.

A eleição deste domingo é mais um pormenor deste xadrês geopolítico em que a Eslováquia é apenas um peão. Mas, no xadrês, a perda dos peões pode ser o princípio do cheque ao rei.