Como combater o terrorismo, este terrorismo que vivemos? A pergunta sugere mil e uma respostas ou sugestões, num problema onde há mais dúvidas do que certezas. Mas sabemos duas coisas: não há uma solução mágica, que seja rápida e eficaz; e qualquer caminho que seja escolhido terá sempre um custo para ser avaliado ao lado dos benefícios.
Uma das questões centrais está na conciliação das nossas liberdades individuais e colectivas com as eventuais derivas securitárias e policiais que podem justificar-se em função da ameaça.
Mas queria centrar-me num ponto concreto, que é o da liberdade vs. responsabilidade do jornalismo e da informação.
O assunto tem sido discutido na Europa, a propósito de propostas para condicionar um ou outro aspecto das notícias relacionadas com a cobertura de atentados terroristas. Ontem, aqui mesmo, o Francisco Sena Santos reflectiu sobre o assunto e sobre o fenómeno de repetição que as notícias podem suscitar em relação a determinados factos. E isso deve fazer-nos pensar.
A informação e o jornalismo têm impacto público e condicionam vidas individuais e fenómenos colectivos. Diria que é também para isso - ou sobretudo para isso? - que existem. O seu valor social e democrático está precisamente aí, na capacidade de intervir através da informação, do relato e interpretação de factos. E o seu impacto é tanto maior quanto maior for a qualidade do jornalismo que é feito.
Não podemos, por isso, querer simultaneamente comer o bolo e ficar com ele intacto.
O jornalismo mexe com pessoas, pode destruir empresas e governos, interfere na nossa qualidade de vida. Pode fazer centenas perder empregos ou ameaçar a segurança militar ou financeira de um país. Pode alterar o curso de uma guerra, intensificando-a, ou contribuir mais rapidamente para a paz.
Se estes impactos são reais e se preferíamos não ter alguns deles a pergunta que temos sempre que fazer é esta: quem pode e deve criar excepções que limitem a liberdade e o dever de informar para além das melhores práticas que estão previstas na generalidade das democracias liberais e que já fazem parte das leis?
Para além destas, por regra fico de pé atrás em relação a qualquer limitação ao relato de factos que podem ser de interesse público ou que fazem parte de uma história que está a ser contada.
E a minha desconfiança vai desde a mais insignificante trivialidade - já repararam que nos jogos de futebol agora são ocultadas as caricatas invasões pacíficas de campo feitas por adeptos isolados com mais ou menos roupa? - até temas importantíssimos como o que estamos agora a discutir, o terrorismo. Porque a essência do mecanismo é a mesma: alguém, motivado certamente pelas melhores intenções, cria ou seguere a criação de uma fonteira nova, mais recuada, no direito e dever de informar.
A sugestão para a omissão do nome de terroristas nas notícias é um desses casos. Percebo a intenção, que é boa e pretende dar um contributo positivo, tentando travar a glorificação dos terroristas entre os apoiantes extremistas. Não sei se essa limitação informativa teria algum impacto real, ainda que fosse respeitada pela totalidade dos órgãos de informação institucionais, sobretudo nesta era em que somos todos "jornalistas" com capacidade para publicar nas plataformas electrónicas.
Mas o princípio da limitação à informação e das regras gerais e cegas é um mau caminho que não nos leva, tudo ponderado, a um sítio melhor. Sobretudo quando impostas por fora.
Tal como acontece, em regra, nas notícias sobre suicídios, são os jornalistas, a cada momento, que reflectem e decidem sobre a sua divulgação. Os casos isolados, individuais, por regra não são noticiados. Mas há casos em que o suicídio é notícia, e muito importante. Os casos dos 30 funcionários da France Telecom que, entre 2008 e 2009, puseram termo à vida são um bom exemplo disso. Cada um deles foi uma decisão individual mas ninguém contesta a importância de os noticiar para nos obrigar a reflectir sobre o que lhes poderá ter estado na origem.
Raramente as questões editoriais e os dilemas que são colocados às redacções são a preto e branco e susceptíveis de uma prática comum binária, sim ou não.
As limitações externas ao direito de informar podem ser um caminho sem fim. Hoje é o nome dos terroristas, para tentar evitar mais atentados. Amanhã pode ser o próprio acto terrorista, cuja omissão informativa, se fosse possível, seria ainda mais eficaz nesse propósito de tentar evitar a repetição.
Encontram-se sempre "bons" motivos de segurança pública, defesa nacional ou ordem social para tentar travar a divulgação de algumas informações ou imagens. Desde as fotos das urnas em que os soldados americanos caídos no Iraque regressavam ao seu país até aos incêndios florestais no tempo do Estado Novo, que eram censurados, levando gente mais antiga a concluir erradamente que "no tempo do Salazar não havia incêncidos".
Apesar de tudo, dos abusos e de más práticas jornalísticas, continuo a não encontrar melhor local para tomar as decisões sobre o que publicar ou não publicar do que as redacções. São os jornalistas que devem fazê-lo, caso a caso, e ponderando tudo o que pode estar em causa em cada opção concreta. Devem ponderar os vários conflitos que se colocam entre direitos fundamentais - direito de informar vs. direito ao bom nome ou à reserva de vida privada, por exemplo -, decidir e depois ser avaliados e julgados por eles. Julgados pelo público, em primeiro lugar. Nos tribunais, se for caso disso.
Indo mais longe na reflexão.
Será que a icónica foto da criança vietnamita a fugir de um ataque de napalm hoje seria publicada na capa de um jornal ou revista? Em 1973 o fotojornalista Nick Ut ganhou o prémio Pulitzer por ela.
Ainda sobre o Vietnam, hoje seria divulgada a foto da execução de um jovem vietcong pelo chefe da polícia de Saigão?
A divulgação destas e de outras imagens e a intensa cobertura jornalística contribuíram para pôr fim ao conflito. E é possível que o fim da Segunda Guerra tivesse sido acelerado se se conhecessem e o mundo visse as atrocidades massivas que os nazis estavam a praticar nos campos de concentração.
Não tenho dúvidas que uma sociedade mais bem informada é sempre melhor do que outra em que há limitações informativas. Ainda que essas limitações tenham a boa intenção de proteger essas sociedades dos seus próprios males.
Outras leituras
- Pedem-se os estudos aos grupos de trabalho. Mas se as conclusões não agradam, eles ficam na gaveta. Para quê então gastar tempo e recursos a fazê-los se os governos decidem o que bem entendem independentemente das opiniões dos peritos a que pedem conselhos?
- Um país seguro como o nosso tem muito valor. Assim o saibamos capitalizar.
Comentários