Portugal conseguiu uma medalha de ouro! Viva! Mais ou menos, não é verdade? As redes sociais dividiram-se, uns celebrando efusivamente a medalha, outros dizendo que era inaceitável alguém em tão pouco tempo representar as cores portuguesas e que a medalha não era bem portuguesa. Quer dizer, eu ACHO que as redes sociais se dividiram, nem vi nada, estive fora, mas já as conheço bem e calculo que tenha sido o que aconteceu.

Acho que nenhum dos lados tem razão. Não tenho qualquer problema com naturalizações de atletas e acho até positivo para a diversidade e mistura dos povos, mas também não precisamos de ser hipócritas: a verdade é que a medalha de Pichardo (impossível dizer ou escrever sem esboçar um sorriso maroto) não sabe ao mesmo. Não tem aquele sabor típico português. É como ir a um restaurante chinês e os empregados serem brasileiros, um gajo desconfia sempre da autenticidade. Não por serem brasileiros, calma!, mas por não serem mexicanos.

Já com a selecção de futebol houve essa discussão quando se começaram a naturalizar os primeiros jogadores brasileiros. A diferença é que, sendo um desporto de equipa, ter um ou dois “estrangeiros” nunca impediu ninguém de celebrar os golos. Talvez o caso mudasse de figura se o onze titular da passasse a ser composto na totalidade por jogadores naturalizados. No caso do triplo salto, como é um desporto individual, as pessoas estranham mais. Nem acho que seja uma questão de xenofobia ou discriminação, acho que é só uma reação (ou falta dela) normal de seres humanos que ainda são muito apegados a tribalismos e nacionalismos palermas. 

Um parênteses: quem é que escolhe triplo salto como modalidade? Não é que não tenha valor, mas é claramente uma modalidade inventada por alguém que não era muito bom no salto em comprimento e decidiu inventar outro desporto para se destacar. Triplo salto não faz sentido; faria se houvesse o duplo salto, pelo menos. E porquê parar no triplo? Porque não o deca-salto com dez saltinhos seguidos? Pois, ninguém me sabe responder, bem me parecia. 

Bem, mas voltando ao tema, a verdade é que mesmo involuntariamente todos fazemos essa distinção de atletas naturalizados. Notei essa diferenciação nas manchetes das notícias onde se lia: “Português Pedro Pichardo vence a medalha de ouro!”. Ninguém sentiu a necessidade de adicionar o adjectivo “português” quando os outros atletas ganharam medalhas, o que me leva a pensar no seguinte: alguém nasceu na Guarda e viveu lá até aos dezoito anos, altura em que veio para Lisboa morar. Essa pessoa é uma lisboeta? Não. Passa a ser? Quando? Passados cinco anos? Não me parece. Essa pessoa vai sempre dizer que é da Guarda durante muitos anos. Será sempre da Guarda? Sim. Será de Lisboa? Também. Isto das nacionalidades é uma coisa estranha porque é uma obra do acaso. Ninguém escolhe a zona geográfica onde nasce e, mesmo que escolhesse, teria de escolher também as coordenadas temporais, já que as fronteiras vão sofrendo alterações ao longo dos anos, países novos vão surgindo e outros desaparecendo. 

É estranho não valorizar ainda mais estes atletas que se naturalizam. Devia ser um motivo de orgulho maior porque, reparem: a Rosa Mota nasceu no Porto. Não teve escolha, foi lá que a sua mãezinha deu à luz e, por isso, passou a ser portuguesa desde que nasceu. Representou Portugal por esse acaso geográfico e tinha orgulho em ser portuguesa porque tinha nascido portuguesa. Agora, o Pichardo escolheu representar Portugal! Está bem que desertou de Cuba e, por isso, não podia ser picuinhas e até Portugal lhe pareceu um bom país para viver. Na altura até se assustou porque viu que Portugal tinha uma governação com a ajuda de um partido comunista, mas depois disseram-lhe que os comunistas aqui são diferentes e ninguém os leva muito a sério e que o maior perigo do Jerónimo de Sousa é aquela espuma que ele faz nos cantos da boca. 

Bem, mas a moral da história é que não vale a pena fingirmos que esta medalha tem o mesmo sabor, porque não tem. Porquê? Não sei, haverá sociólogos e antropólogos que explicarão melhor do que eu, mas a verdade é que ainda damos muita importância à identidade nacional e às linhas imaginárias que foram traçadas para definir as fronteiras. Acho que para as pessoas celebrarem mais os feitos do Pichardo, ele tem de aprender a ser mais português. Nem estou a falar da língua, isso é secundário, somos um povo que sabe falar todas as línguas, especialmente depois de uns copos de tinto. Pichardo devia fazer-se acompanhar de uma coluna a tocar Quim Barreiros e devia comer um cozido à portuguesa como refeição pós treino. Pode deixar crescer uma unha do mindinho e, em vez de treinar todos os dias, podia passar alguns no café a beber minis e a queixar-se do Governo e que este país não anda para a frente. Talvez assim consigamos celebrar os seus feitos como se fossem nossos, já que escolher o nosso país para viver não é suficiente, até porque isso também os ingleses reformados escolhem.

Para ler na praia: Diário de uma Bitch

Para ver: Clube da Felicidade, de Carlos Coutinho Vilhena

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