Vladimir Putin já disse na televisão que, num futuro indeterminado, quer criar um Império Euro-asiático, “de Vladivostok a Lisboa”. Para já, num futuro imediato, pretende reconstituir a antiga União Soviética, uma vez que a sua implosão foi “a maior catástrofe geo-política do século XX”.
Ora, dominar os países que formavam aquilo a que Churchill chamou, famosamente, a “Cortina de Ferro” não é tarefa fácil.
Muitos não querem e até já entraram para a NATO — Estónia, Letónia, Lituânia, Bulgária, Roménia, Eslováquia e Eslovénia — ou para a União Europeia — Estónia, Letónia, Lituânia, República Checa, Eslováquia, Hungria e Polónia.
A NATO ainda se reforçou com e entrada de Chipre e Malta, e este ano com a Suécia e a Finlândia. Ser da NATO ou da União Europeia são situações diferentes, como sabemos ou devíamos saber.
A NATO é uma aliança militar defensiva que inclui os Estados Unidos, enquanto a União Europeia é um bloco de países com interesses económicos comuns, que não implica (mas pressupõe) interesses militares. A diferença é importante: se um país da NATO é atacado, automaticamente todos os membros acorrem a defendê-lo. Se um país da União Europeia é atacado, os outros vão a Bruxelas discutir ad eternum o que fazer.
Daí que haja países, como a Albania, Islândia, Montenegro, Macedónia do Norte, Noruega, Turquia e Reino Unido, que não pertencem à União Europeia mas são membros da NATO. Áustria, Irlanda e Malta pertencem à União Europeia mas não são membros da NATO.
Esta situação coloca alternativas para que Putin possa “absorver” os seus objectivos a curto prazo. Não pode atacar militarmente um país da NATO, porque lhe caem os outros em cima. Pode atacar um país que não é da NATO, como aconteceu com a Ucrânia.
Não lhe convém atacar um país que é da União Europeia — Bruxelas é capaz de tomar uma atitude tipo NATO —, mas pode convencê-lo a não entrar, ou sair, da União Europeia e puxá-lo para a sua esfera de influência.
A maioria da população romena, assim como os seus principais partidos, deseja ardentemente entrar na União Europeia, de olhos nos Fundos de Coesão (nós já tivemos, lembram-se?) e de Desenvolvimento, melhoria do nível da vida e das taxas de desenvolvimento (Mortalidade Infantil, por exemplo) — enfim, os luxos de pertencer ao bloco geopolítico de luxo e conforto.
Este ano a Roménia tem duas eleições: para presidente da República — um cargo mais representativo do que executivo, mas que tem poderes militares e de política externa — e para o parlamento, que é um poder legislativo forte e que determina o executivo.
O presidente desde 2014, Klaus Iohammis, é fortemente pró-europeu, mas tem tido problemas com o desenvolvimento económico e a alta inflação.
Os principais partidos, que vão da direita à esquerda, passando pelas habituais social-democracia e liberalismo, são maioritariamente pró-europeus.
No dia 24 de Novembro houve eleições presidenciais e, surpresa das surpresas, quem ficou à frente foi um senhor chamado Calin Georgescu, de que ninguém nunca tinha ouvido falar e nem sequer tinha um partido a apoiá-lo. Como só obteve 22,9% dos votos, terá de haver uma segunda volta com a segunda classificada, Elena Lasconi, uma liberal.
Georgescu é pró-Moscovo, anti-Ucrânia, ultra-conservador (diz que foi enviado por Deus para salvar o país e pede às pessoas que rezem pela vitória) e anti-europeu. Se ganhar, mandará retirar a base da NATO estacionada perto de Bucareste e mandará travar o pedido da Roménia para entrar na UE.
Como é que isto foi possível? Os russos, sabendo que não podem atacar militarmente a Roménia (uma vez que é membro da NATO) fizeram uma campanha intensa nas redes sociais, sobretudo Tik-Tok e Telegram, semeando a confusão entre os urbanos, a ameaça de miséria entre os rurais e a possibilidade dos romenos terem de lutar pelos ucranianos. Não são as primeiras eleições neste mundo em que um populista apela ao desencanto dos mais pobres e à tal falta de representatividade do povo afastado dos políticos. Também não são as primeiras eleições em que a desinformação e “verdade alternativa” das redes sociais, que os russos dominam tão bem, produzem resultados concretos.
O Tribunal Constitucional declarou as eleições presidenciais nulas e ainda não marcou as próximas. Entretanto, nas eleições parlamentares de 1 de Dezembro deram um parlamento plural com os liberais conservadores, os liberais progressistas e a aliança do húngaros (uma minoria forte) a poder formar um governo pró-ocidental de centro-direita. Os socais-democratas, que também são pró-europeus, ficam na oposição.
As ruas têm estado cheias de manifestações pró-europa e a situação não é calma nem está resolvida.
Certamente que os russos vão continuar em cima do acontecimento. Têm contra eles o facto de o país ser muito religioso, mas a religião já não assusta o Kremlin. Há também as questões dos direitos LGBT e IVG que têm fortes correntes contra e a favor.
Desde a revolução de 1989, que derrubou Ceaucescu, o país tem vindo a procurar estabilidade apostando ora no nacionalismo, ora no cristianismo, ora nos valores liberais, sem conseguir assentar numa sociedade estável. E desde que Putin tomou o poder definitivamente, entre 2008 e 2012, a Rússia está absolutamente disposta a trazer a Roménia para o seu seio e tem actuado com toda a força nos meios de informação e redes sociais, conseguindo uma corrente nacionalista e anti-ocidental.
As próximas semanas, até que seja efectuada nova eleição presidencial (a data não está marcada), são decisivas.
Bruxelas, que se saiba, “está atenta”...
*Artigo atualizado às 14h24, de dia 16 de dezembro, para corrigir informação da adesão da Roménia à UE.
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