Há muitos anos que o Verão é quente. As temperaturas sobem — óbvio — mas isso não tem de ser sinónimo de incêndios um pouco por todo o país. Ou, pelo menos, tantos incêndios. Lembro-me de crescer, de passar a adolescência e de continuar na idade adulta a ouvir os mais velhos comentarem este flagelo. A criticarem a falta de prevenção. A comentarem o desleixo das populações, a acrescentarem que falta informação e que muitas destas pessoas mais do que culpadas, são vítimas da falta de conhecimento sobre as melhores formas de organizar o terreno e a implementação da sua presença no espaço para, pelo menos, não se tornarem num combustível fácil para um incêndio descontrolado. Também não me esqueço dos comentários sobre os nossos bombeiros — homens bravos — voluntários e a quase inexistência de corporações profissionais. De os ouvir — os mais velhos — indagarem sobre quem poderia limpar as matas antes do Verão.... E outros comentários, que já só entendi na idade adulta, sobre o pinheiral e o eucaliptal...
Dizem os especialistas que Portugal reúne as condições naturais que tornam os incêndios uma inevitabilidade. Mas não creio que seja uma inevitabilidade a inexistência de um trabalho que garanta maior segurança e incêndios controlados: terrenos limpos sem mato acumulado, eliminando os combustíveis naturais que ampliam o fogo; linhas de terreno que servem para parar o fogo; vigilância contínua e um corpo profissional preparado e activo no terreno para, como se costuma dizer, cortar o mal pela raiz, controlando o fogo para evitar a calamidade. Finalmente, questionei-me sobre os guardas florestais e lembrei-me desse enorme disparate que foi eliminar a sua função e existência.
Portugal e os portugueses, como todas as nações, têm tanto de bom quanto de mau mas, de entre nossas piores características, esta de confiar na sorte é a pior. De achar que só acontece aos outros... Fia-te na Virgem e não corras... E, depois, é uma tragédia.
A maior aconteceu este fim-de-semana, resultado de uma combustão de factores que são, em boa medida, responsabilidade do Governo. Não deste ou o anterior, mas de todos os Governos que têm olhado para o imediato, que têm navegado à costa, definindo estratégias de curto prazo porque depois logo se vê. O logo se vê, está à vista. Gestão danosa em diversos domínios, num esquema protegido pela Virgem — na qual se vão fiando — que não ataca as bases de nenhuma das questões (e são tantas) mas que vai dando para iludir, maquilhando os números e os dados, passando rés-vés Campo de Ourique, por obra e graça de Espírito Santo. Até quando?
Acredito que este seja um incêndio de excepção, resultado de condições climatéricas únicas. Uma espécie de tempestade perfeita, mas em terra. Multiplicam-se os relatos de horror. Morreram pessoas. Mais do que alguma vez aconteceu em qualquer outro incêndio no nosso país. O momento não é de abraços. Que este seja o momento para discutir a realidade política de Portugal, porque esta não é Lisboa, como afirmou, e bem, um dos habitantes da zona ardida.
Paula Cordeiro é Professora Universitária de rádio e meios digitais, e autora do Urbanista, um magazine digital dedicado a dois temas: preconceito social e amor-próprio. É também o primeiro embaixador em língua Portuguesa do Body Image Movement, um movimento de valorização da mulher e da relação com o seu corpo.
Comentários