E não vos dá um quentinho no coração saber que cada um de nós contribui — 16 milhões de euros, para referir o número estimado pela plataforma "Fim dos dinheiros públicos para as touradas" — para a indústria de espetar ferros no lombo de touros até se esvaírem em sangue, para o nobre e evoluído gáudio do antropocentrismo bacoco? Ai, a mim dá, sim senhor. Quando penso nos impostos que pago, claro que gosto de saber que vão ser usados na educação pública, no SNS, transportes públicos, infraestruturas ou, entre outras coisas, no apoio à cultura (por acaso, este apoio não chega a 1% do Orçamento do Estado, mas quem, que sociedade, é que precisa assim tanto de cultura?). Agora, claro que nada disto é tão prazeroso quanto saber que também financio uma actividade de uma elite de agrobetos cujo propósito maior na vida é uma pretensa superioridade moral em relação a um animal em óbvia desvantagem.
Sendo que para aí 95% dos portugueses ama tourada, que as praças de touros estão sempre a abarrotar de público e que são uma indústria tão forte, — isto tudo segundo os aficionados, claro — poderíamos dizer então que não precisava de quaisquer dinheiros públicos porque se auto-financiava. Verdade. Mas assim, com a ajuda de todos, o lucro que uns poucos ganham ao torturar animais é muito maior. E tendo em conta que se trata de tradição e da verdadeira cultura portuguesa, é até patriótico que assim seja.
Esta semana, o parlamento discutiu a hipótese de se acabar com o financiamento público das touradas. Para bem do país, PS, PSD, CDS, PCP e Chega não permitiram que isso se tornasse realidade. Bem sei que a proposta nem era de proibir totalmente actividades bárbaras, mas não deixa de ser quase tão descabido quanto isso, propor que os milhões que vão para as touradas passassem a ser investidos em habitação, saúde ou educação. Ganhem juízo, por amor de Deus.
Chamem-me ambicioso, quem sabe um louco sonhador, mas acho que agora devíamos ir mais longe e também reservar verbas de dinheiro público para a queima do gato vivo e as lutas de cães. São coisas lindas, enriquecedoras da cultura nacional e que deviam ser pagas com o dinheiro de todos também. Rumo ao progresso, rumo ao futuro, rumo a um país evoluído e em condições. Não é cá como os chineses que comem morcegos e outros bichos estranhos. Que nojo.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
<>-Why I’m No Longer Talking to White People About Race: um grande e importante livro que explica bem a gravidade do racismo sistémico.</>
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