Professora. A Filipa tinha 17 anos quando foi diagnosticada com cancro. Conta-nos como foi exigente prosseguir os seus estudos enquanto fazia os tratamentos: o pouco acompanhamento que teve por parte da escola, os dias de náuseas que pareciam não terminar, o cansaço que a impedia de sair da cama, a ansiedade dos exames nacionais. Ainda assim, nunca deixou para segundo plano o seu futuro, os seus sonhos. “Depois de entrar na faculdade, tudo parecia mais simples, era ali o meu lugar, onde eu queria estar!”. Para a Filipa não havia outro caminho, queria fazer a diferença na vida de quem tivesse a sorte de se cruzar com ela. Partilhar informação, apoiar no crescimento, mostrar caminhos e possibilidades são as suas aspirações e, para isso, aprendeu a ensinar. Terminou o seu percurso académico com sucesso e hoje lecciona numa escola primária no Porto. Recorda a doença como “um pequeno capítulo” na história da sua vida e lamenta não ter tido o suporte que necessitava. Lamenta que o legislador não tenha em atenção que as medidas de suporte educativo previstas para doentes oncológicas não são, muitas vezes, mobilizadas e não vão ao encontro das reais necessidades dos alunos. Não fora a sua resiliência, esse “pequeno capítulo” podia ter impossibilitado a sua profissão de sonho.
Biólogo. Para o Rodrigo, a biologia “é o estudo da vida, o que permite conhecer como funciona o ser humano, os outros, a sua génese”. Em Setembro, começa a aulas do 2º ano. Aos 15 anos foi diagnosticado com cancro, e nunca aceitou que a doença o definisse. Era sempre com um humor muito característico que brincava com a doença, com os tratamentos, com os seus efeitos. A escola era a sua distração, o que lhe permitia distanciar-se da doença e de uma vida tomada por ela. No entanto, relata várias dificuldades: as condições técnicas para assistir às aulas à distância não estavam asseguradas, o apoio individualizado nunca existiu e o mar de dúvidas com que terminava as aulas deixavam-no inquieto. Com a ajuda das professoras da escola do IPO e com o apoio do programa Aprender Mais da Acreditar foi esclarecendo as suas dúvidas e melhorando o seu rendimento escolar. O Aprender Mais é um apoio escolar complementar pensado e desenhado exclusivamente para crianças e jovens com cancro que é possível graças aos vários professores voluntários que o prestam. Para o Rodrigo, esta oportunidade foi fundamental pois as duas professoras que o acompanharam acalmaram os seus pensamentos, as suas dúvidas. Entrou na universidade e hoje está mais perto de conseguir o seu objectivo.
Gestora. Gerir grandes empresas é o sonho da Rita que aos 17 anos também foi diagnosticada com uma doença oncológica. Para ela a maior dificuldade foram os exames nacionais, a incerteza se naquele dia, àquela hora, a doença, o tratamento e todos os sintomas iam dar-lhe tréguas. No dia em que teria de realizar o exame de matemática, na primeira fase, estava internada no IPO de Lisboa a iniciar um novo ciclo de quimioterapia. Não fez o exame e só tinha uma hipótese de entrar na universidade, a segunda fase. “Infelizmente, não existe um comando que consiga utilizar para pôr em pausa todo este mau estar da quimioterapia. Não consegui terminar o exame, tive de o entregar. Ainda tinha tempo, mas já não tinha forças.”, lamenta a Rita. A segunda fase do exame não correu como esperava, como se preparou. A apreensão e o medo de não entrar no curso que desde cedo escolheu aumentou. Sabia que a época especial de exames nacionais não estava, e continuar a não estar, acessível para doentes oncológicos. E, de facto, a nota da Rita no exame nacional não foi suficiente. Repetiu o exame no ano seguinte já com os tratamentos terminados. Entrou. Entrou no curso que queria, na faculdade que queria. Ela sabia que conseguia. Sabia que teve o “azar” de estar doente, logo naquela altura tão importante da sua vida escolar. Este ano terminou a licenciatura e agora prossegue os estudos com uma especialização em análise e gestão de risco. A Filipa, o Rodrigo e a Rita têm em comum muito mais do que a doença. Têm em comum a vontade de ser mais, mais do que aquilo que a doença tentava limitar. Mais do que a sociedade tinha pensado e preparado para eles. Mais do que a fragilidade socioeconómica das suas famílias tentava impossibilitar. Fragilidade esta, muitas vezes, associada à perda de rendimentos durante o tempo em que um dos cuidadores teve de os acompanhar nos tratamentos, deixando de trabalhar.
Estes jovens foram ou continuam a fazer parte do Programa de Bolsas de Estudo da Acreditar. Entre renovações e novas atribuições, 43 jovens estiveram nesse Programa no passado ano lectivo. Estas bolsas destinam-se a crianças e jovens com doença oncológica ou que por ela tenham passado e cujas famílias atravessem momentos de maior exigência financeira. Assim, procura-se minimizar o impacto da doença oncológica e das dificuldades económicas sentidas pelas famílias, garantido que estes jovens dispõem das mesmas oportunidades de aprendizagem e integração que os seus colegas. Das mesmas oportunidades para sonharem com o seu futuro.
A Acreditar – Associação de Pais e de Amigos de Crianças com Cancro existe desde 1994 com o objectivo de minimizar o impacto da doença oncológica na criança, no jovem e na sua família. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio em todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional, logístico, social, jurídico entre outros. Em cada necessidade sentida, dá voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias. A promoção de mais investigação em oncologia pediátrica é uma das preocupações a que mais recentemente se dedica.
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