Cláudia* tem 28 anos. Deixou as Honduras e trouxe consigo os três filhos. É uma de tantas famílias na caravana de migrantes que subiram a pé todo o percurso que vai das Honduras até à fronteira mexicana com os EUA. O filho mais pequeno ainda não caminha e, por isso, percorreu mais de 2000 km’s na sua cadeira de bebé. Tiveram de deixar as Honduras porque a família não conseguia pagar as “taxas de segurança” aos gangues. Teve de fechar o seu pequeno negócio e fugir depois de ser ameaçada. As duas crianças mais velhas perguntam com regularidade quando voltam para casa. Depois do cansaço de tanta caminhada, o desejo de Cláudia é chegar a um sítio seguro onde os filhos possam ir à escola e possam, por fim, sentir-se em casa.
Saúl era condutor de autocarro. Com dois filhos menores, vivia em constante medo por eles. Os gangues extorquiam-lhe boa parte do pouco dinheiro que ganhava. Decidiu, depois de várias ameaças, tomar a dura decisão de abandonar as Honduras onde nasceu e viveu toda a vida. Já no México foi ilegalmente deportado de volta para as Honduras onde sofreu um novo ataque a que não sobreviveu.
A América já não é a promessa que foi. Donald Trump, que agora ocupa a Casa Branca, também ele filho de uma mulher migrante, demoniza todos os migrantes, refugiados e requerentes de asilo. Perante a caravana de migrantes que caminha desde as Honduras e de El Salvador a pé há mais de um mês, deu ordens de recepção aos militares, com carta verde para o uso de força letal e a fronteira está aberta, mas com bastantes constrangimentos. Fala daquelas pessoas como ameaça. Não o são. São pessoas como nós, à procura da vida.
São os mesmos que fogem da pobreza, da miséria, da intolerância, da violência e da perseguição. Todos eles, todas as pessoas do mundo têm o direito de requerer asilo à chegada a uma fronteira e têm o direito de que o seu caso seja analisado e a protecção internacional lhe seja dada se assim necessitarem. Não é o que acontece.
A montante, este é um problema de políticas públicas, nacionais e transnacionais. Neste enquadramento, é ainda um problema de gestão de ajuda pública ao desenvolvimento. A jusante, é um problema da Organização das Nações Unidas, das suas agências e da sua capacidade de resposta e auxílio de emergência.
Aprofundando mais as responsabilidades concretas do presente, no que a quem gere fronteiras diz respeito, este é um problema de administração pública, causado por inépcia aliada a má vontade política (como Donald Trump é paradigma, parecendo que migrantes só lhe interessaram quando precisou de mão de obra barata).
Todos os países gerem e acolhem migrantes. Todos têm de ter em consideração a implementação de sistemas proativos que melhorem e acelerem a identificação de potenciais requerentes de asilo nos primeiros contactos. Devem assegurar ainda que migrantes irregulares sejam devidamente informados do seu direito de requerer asilo e certificar-se que esse processo é claro e sem obstáculos burocráticos impossíveis de ultrapassar pelas pessoas mais vulneráveis. Nunca é demais dizer que em momento algum uma criança possa ser presa ou separada dos seus. Por fim, assegurar que os governos não repatriam ilegalmente pessoas, colocando-as em risco de vida.
Em Portugal, somos muitos os filhos ou familiares de migrantes.
Sabemos bem o que é saltar fronteiras a salto, fugindo a ditaduras ou à pobreza. Ninguém sai de casa com destino incerto e risco de vida se não for para tentar tudo para salvar a família da pobreza ou da perseguição. As razões dos portugueses de então, são as mesmas dos hondurenhos, salvadorenhos, venezuelanos, iraquianos, afegãos, eritreus, etíopes, sírios e tantas mais pessoas de tantas mais origens a que Manu Chao dedicou o poema cantado do “Clandestino”.
Yo me fui a trabajar
Mi vida la dejé
Entre Ceuta y Gibraltar
Soy una raya en el mar
Fantasma en la ciudad
Mi vida va prohibida
Dice la autoridade
Perdido en el corazón
De la grande Babylon
Me dicen el clandestino
Por no llevar papel
A Cláudia e às suas crianças, à família de Saul e aos seus filhos agora sem pai, a todos os que caminham vida fora em busca do melhor, o vosso caminho é nobre. Lamento que as fronteiras e os senhores que as dominam com armas e papéis não estejam à altura da vossa dignidade.
*Nomes alterados, para proteção das pessoas e familiares entrevistados pela Amnistia Internacional.
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