Três dias antes da detenção de Cecilia, as autoridades italianas tinham detido no aeroporto de Malpensa, em Milão, o iraniano Mohammad Abedini Najafabadi. Este engenheiro nascido em Teerão há 38 anos, em 16 de dezembro, fazia escala em Itália, oriundo de Istanbul, e foi detido em execução de um mandado da justiça dos EUA. Os americanos acusam Abedini de “para serviço de uma organização terrorista secreta do regime iraniano” ser o fornecedor do sofisticado sistema de navegação utilizado pelos drones iranianos Shahed em ataques terroristas sobre alvos em diversos países – são drones que o Irão também fornece à Rússia para atacar a Ucrânia. No mesmo dia em que Abedini foi detido em Milão, um presumível cúmplice, Mahdi Mohammad Sadeghi, também foi encarcerado pelo FBI, depois de ter sido localizado no Massachussets.

O iraniano Abedini foi detido em Itália em 16 de dezembro.

A italiana Cecilia foi detida no Irão em 19 de dezembro. Esta detenção decorre da de Abedini. É quem Teerão tinha à mão para abrir o mercado de troca.

A embaixada italiana em Teerão interveio imediatamente, exigiu explicações. A diplomacia iraniana encaminhou a justificação para a justiça: “foi detida por violação de leis da República Islâmica”. Sem precisar qual terá sido essa eventual violação. O código penal iraniano tem mais de 400 artigos, muitos visam punir ações de propaganda contra o regime. É ampla, com referências absurdas, a lista de “delitos” classificados como “ofensa à segurança nacional”.

Abedini, o engenheiro dos drones, é personagem principal no sistema secreto militar do Irão.

Os agentes dos aiatolas de imediato ativaram a engrenagem que vem de tempos antigos, muito usada por EUA e URSS no tempo da Guerra Fria: deter quem possa ter valor para a troca. Teerão quer Abedini de volta às missões em que é mestre.

O cenário atual é de grande clareza: se a Itália libertar Abedini (o que abriria incidente com os EUA), Cecilia é imediatamente libertada em Teerão e poderá regressar a Itália.

Se Abedini for entregue por Itália aos americanos, Cecilia fica refém numa prisão iraniana, provavelmente a de Evin, onde já está.

Tudo neste caso contraria a política de abertura e reconciliação com o Ocidente cultivada pelo novo presidente iraniano, o reformista Pezeshkian. Provavelmente, ele está fora deste enredo tratado entre duros do regime, serviços secretos, a Guarda Revolucionária e os aiatolas mais fundamentalistas.

A repórter Cecilia Sala é pioneira em Itália no jornalismo distribuído pelos new media, podcast e todos os formatos de inovação digital. Formada em Economia Internacional, é apaixonada pela reportagem internacional, com muito foco no Médio Oriente. Esteve várias vezes em Israel, no Líbano, já tinha estado na Palestina antes do 7 de outubro da barbárie. E esteve várias vezes no Irão, cuja cultura ama. Assume-se apoiante das mulheres iranianas em luta pela liberdade, o que faz dela, certamente, personagem incómoda para o regime. Mas Cecilia entrou em Teerão sempre com visto conforme, passado pela embaixada iraniana em Roma. Incluindo nesta viagem em dezembro que a levou para a prisão. Na última crónica enviada de Teerão, Cecilia reporta o que vê como abertura na sociedade da capital iraniana, as mulheres sem véu ou com véu mal colocado já não são detidas. O relato chega a parecer simpático para o poder iraniano.

Mas Cecilia estava em Teerão no momento em que o regime precisava de agarrar alguém para trocar por Abedini.
Está nos manuais do mercado de detidos políticos: algum dia ela será libertada num processo de troca. Há o risco de demorar algum tempo.