As urnas desmentiram as sondagens que prognosticaram um quase empate entre o PS e o PSD. A maior parte dessas pesquisas sobre intenção de voto foi certamente bem feita. Ficou nelas detetado o desgaste do governo cessante, alguma simpatia pelo estilo do líder da oposição e aspirações de mudança. Mas a divulgação do resultado das sondagens gerou o sobressalto que levou a que as urnas tenham corrigido esse diagnóstico.
Perante as incertezas de uma maioria de direita dependente da extrema-direita ou o risco de um Portugal empatado e exposto a crises sucessivas (até se falou em ciclo político curto com novas eleições dentro de dois anos), na hora de votar impôs-se o desejo de estabilidade com o já conhecido. É assim que cerca (falta o apuramento final) de dois milhões e 250 mil eleitores de esquerda e de centro-esquerda escolheram votar no PS de António Costa. Essa concentração de voto de esquerda no PS explica o crescimento de cerca de 350 mil votos em comparação com os 1.908.036 alcançados em 2019.
O Bloco de Esquerda perdeu agora cerca de 250 mil votos e a CDU mais de 1o0 mil, na comparação com 2019. É o que cresce o PS nesta eleição.
A soma de votos à esquerda neste domingo (2,8 milhões) está idêntica ao resultado de 6 de outubro de 2019 - neste momento em que ainda falta contabilizar os votos vindos do exterior o somatório de votos à esquerda está escassos 40 mil votos abaixo do valor da anterior eleição.
Há uma alteração significativa nestas eleições: apesar da maioria absoluta do PS, o conjunto de todos partidos no lado à direita (PSD, Chega, IL e CDS) cresce 550 mil votos na comparação com 2019.
As esquerdas têm nestas eleições 2,8 milhões de votos e as direitas perto de 2,3 milhões.
As direitas recuperaram meio milhão de votos, mas o PSD que nas anteriores eleições tinha ficado a 450 mil votos do PS, agora está a mais de 660 mil.
A Iniciativa Liberal quadruplicou a votação ao passar de 67.681 votos para agora cerca de 270 mil.
O Chega tem crescimento ainda maior, ao passar de 67.826 para provavelmente cerca de 400 mil votos. Mas Ventura, nas presidenciais de há um ano recebeu 496.773 votos.
Em suma, o conjunto das esquerdas recebeu agora número semelhante de votos e a direita, apesar de perdedora, recuperou meio milhão de votos – conquistados à abstenção? Serão novos eleitores? Teremos nas próximas semanas o resultado de estudos que nos darão essa resposta.
Pergunta: a tracking poll da Pitagórica para a TVI/CNN Portugal que no sábado, 22 de janeiro, a uma semana das eleições, colocou o PSD com um ponto percentual de avanço do PSD sobre o PS (34,5/33,5) terá sido a ativadora do sobressalto à esquerda que veio a concentrar o voto no PS? Esse disparar de alarmes à esquerda foi ampliado por comentadores, como Paulo Portas, que enfatizou o cenário de “eleições em aberto” e acrescentou haver “muitas razões para fadiga de António Costa”. O PS terá tirado proveito.
Uma outra questão: essa notícia de ultrapassagem do PS pelo PSD, na tracking poll da Pitagórica, apareceu às 8 da noite desse sábado, 22, quando já tinham passado 22 minutos sobre a abertura do noticiário; tinha aparecido nos títulos do jornal o alerta para surpresas nessa “sondagem” diária. Porquê só às 20:22? É estranho que a notícia de uma tão expressiva mudança de tendências (uma semana antes, o PS era dado com cerca de 10 pontos percentuais de avanço) não tenha sido notícia de abertura e só tenha aparecido ao minuto 22. Certamente não foi por menos confiança no estudo. Será que o critério foi apenas o de cativação de audiência, apesar de se tratar de um noticiário onde o valor da notícia é suposto ser definidor de prioridade?
Ainda mais uma questão: faz sentido que após 25 minutos de debate entre dois líderes partidários, a seguir os serões televisivos fiquem preenchidos com painéis de comentário dominados pela opinião sobre quem ganhou ou perdeu no debate? Faz sentido tratar um debate como um duelo em que há um ganhador e um perdedor?
A finalizar: nas próximas eleições ainda teremos o condicionamento do dia de reflexão tornado mais absurdo no tempo das redes sociais? A ausência de eleições no horizonte é boa ocasião para ser tratada a revisão da Lei Eleitoral.
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