A Costa Vicentina era um dos poucos locais de Portugal onde as praias não tinham servido para os seus autarcas transformarem vilas e lugares em cidades com milhares de prédios, com dezenas de andares, centenas de hotéis, e invadidas por milhões de pessoas na época de verão para usufruir das suas belas praias. Esta beleza natural, e por vezes quase selvagem, levou-me a trocar o Algarve por Almograve. Aqui a praia é quase toda nossa no mês de agosto.
O Almograve é uma pequena aldeia situada entre Vila Nova de Milfontes e a Zambujeira do Mar. Aqui não temos rede de telemóvel, não temos dados, nem redes sociais, nem podemos comprar jornais porque não há quem os venda. Temos apenas quatro pequenos restaurantes, com o ritmo próprio desta região. Não temos nada, mas afinal temos tudo: praia de água fria com cheiro a mar, dunas únicas, e tempo para viver e falar devagar em família e com amigos.
Mas existem, nos últimos anos, transformações estruturais a que devemos dar atenção e questionar se é este o caminho que queremos para o nosso desenvolvimento económico e social, em particular desta região. Nos últimos anos, na Costa Vicentina apostou-se, do ponto de vista económico, na agricultura intensiva, com a produção agrícola em estufas. Esta zona mantém uma temperatura térmica estável durante todo o ano, microclima criado entre as serras e o Atlântico, o que, aliado à qualidade do solo arenoso, com muita água, permite produzir durante todo o ano, caso único no mundo. Dizem que é melhor aqui do que em Almeria, em Espanha, uma das zonas do mundo com maior concentração de cultura intensiva em estufas. No Turismo, de qualidade e ecológico, apostou-se quase nada, o que é incompreensível tendo em conta as características extraordinárias desta costa e o emprego mais qualificado que se poderia fixar nesta área.
Nos passeios que tive oportunidade de fazer, em Sines, Porto Covo, Vila Nova de Milfontes, Zambujeira do Mar, Odemira e até Aljezur, município já situado no Algarve, estão a trabalhar nestas estufas milhares de camponeses imigrantes, quase todos do sexo masculino, oriundos do Nepal, Bangladesh, Tailândia, Camboja, Vietname, entre outras nacionalidades, que vivem em condições indignas, que não se adequam aos nossos padrões de vida. Na sua grande maioria são homens, que vivem a milhares de quilómetros dos seus países, e que não pretendem vir a fixar-se em Portugal, mas apenas encontrar aqui uma porta para a Europa, com o objetivo de encontrar uma vida melhor para a sua família. É legítimo e respeito.
Mas este tipo de trabalho tem várias fragilidades: é temporário e não fixa famílias na região. E não permite a integração social, pois não há infraestruturas de educação, de saúde e de apoio social que respondam condignamente a esta realidade que é temporária, até ao esgotamento total dos recursos naturais. E isso não é aceitável. Há ainda a muralha da língua. Há o fenómeno da comunidade local ser envelhecida e em menor número que a comunidade estrangeira. Alguns comem e dormem ao lado do posto de trabalho. Há quem viva nas estufas ou em contentores sem condições. Outros sobrevivem com trinta pessoas numa casa alentejana. E em alguns locais até já há repulsa dos habitantes locais e violência das máfias de tráfico de seres humanos organizadas para gerirem esta comunidade de trabalhadores. Tudo isto deveria fazer pensar autarcas e governantes. O problema é muito grave. E se no passado haviam os “patos bravos” da construção, por aqui estacionaram os “patos bravos” das estufas. Ambos os modelos se demonstram insustentáveis do ponto de vista ambiental, e neste caso em particular estão a colocar em causa a preservação da biodiversidade no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Apostar do ponto de vista económico unicamente na produção agrícola em estufas está a dar cabo das comunidades e da identidade da Costa Vicentina. A pressão sobre os recursos naturais é brutal. É preciso encontrar urgentemente outras atividades e investimentos que reequilibrem esta Costa e as suas comunidades, em harmonia com as questões ambientais e sociais, que fixem portugueses e imigrantes para constituir família e ali viverem felizes uma vida inteira. Só assim poderemos salvar este, ainda paraíso, de uma vista feita agora só de estufas de plástico a perder de vista até ao oceano Atlântico.
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