Na sequência de um documento que esteve em discussão pública a partir de Julho de 2022, o Diário da República publicou, no passado dia 27 de Dezembro de 2023, a Estratégia Nacional de Luta contra o Cancro, Horizonte 2030. As 30 páginas do documento explicam o contexto, a governança, os diversos níveis de intervenção, os objectivos. Para a Acreditar, enquanto associação de Pais, este documento é fundamental: afinal, é aqui que se plasma a estratégia na luta contra o cancro para os próximos anos.
O documento que havia sido submetido a discussão em 2022 era omisso em inúmeros aspectos, e disso a Acreditar deu conta por diversas formas. Nesse documento, a Directora-geral da Saúde de então designava o Plano Europeu de Luta contra o Cancro (PELCC) “como uma das mais importantes medidas tomadas na União Europeia (EU) no âmbito da saúde.” Convém lembrar que o ponto 8 do Plano Europeu de Luta Contra o Cancro intitula-se Dar Primazia ao Cancro Pediátrico, e inclui iniciativas emblemáticas para atingimento dos objectivos propostos. Na mesma linha, uma recomendação, de 18 de Fevereiro de 2022, do Parlamento Europeu aos Estados membros instava “à inclusão, em todos os programas nacionais de luta contra o cancro, de um componente dedicado aos cancros pediátricos (...) de modo a garantir a afetação de recursos apropriados e a introdução de programas de execução adaptados às necessidades específicas destes doentes.”
A leitura do documento agora publicado é, de certa forma, uma desilusão: a referência à oncologia pediátrica é vaga, escassa (oncologia pediátrica surge uma única vez) e assente em intenções tardias ou demoradas. As expressões usadas dão um sinal: identificar e propor critérios ou medidas para..., desenhar ou desenvolver modelos de... Como exemplo, a chamada Lei do Esquecimento – de fundamental importância para os sobreviventes - aprovada em 2021, nunca foi regulamentada. A Estratégia Nacional de Luta contra o Cancro, Horizonte 2030, prevê a implementação de “medidas legislativas [...] no acesso aos serviços financeiros, incluindo os seguros, em 2025”.
O documento em apreço não aborda alguns temas pelos quais a Acreditar tem vindo a lutar: não há um Registo Oncológico Pediátrico operacional; falta mais promoção da investigação em oncologia pediátrica; não há consultas de sobrevivência estruturadas em todos os centros de referência (apenas em Lisboa). O importante resume-se a isto: apesar da recomendação do Parlamento Europeu, e apesar de ser já uma realidade em inúmeros países da União Europeia, a nossa Estratégia Nacional de Luta contra o Cancro, Horizonte 2030 não inclui um capítulo dedicado à oncologia pediátrica.
No passado dia 13, numa sessão no Parlamento Europeu, o SIOP-E - European Society for Paediatric Oncology em colaboração com a CCI-E Childhood Cancer International - Europe (confederação de organizações de pais / doentes / sobreviventes, da qual a Acreditar faz parte) lançou o European Paediatric Cancer Community Manifesto: Cure More, Cure Better and Tackle Inequalities. Os promotores da iniciativa, reconhecendo que a oncologia pediátrica ganhou uma grande e justificada notoriedade com o Plano Europeu de Luta contra o Cancro, querem fazer mais a nível europeu, apostando na melhoria dos tratamentos, no acompanhamento dos sobreviventes, na redução das desigualdades. Objectivos claros, iniciativas claras.
Hoje é 15 de Fevereiro, Dia Internacional da Criança com Cancro. Falaremos do que falta fazer: da rotatividade dos profissionais de saúde que tanto preocupa os Pais, dos direitos dos cuidadores de crianças e jovens com cancro, do aumento substantivo do apoio financeiro que a Acreditar presta às famílias.
As palavras proferidas pelo Director da Organização Mundial de Saúde (Europa) relativamente ao estado da oncologia pediátrica na Europa são aplicáveis a Portugal: “chegámos longe, mas não suficientemente longe.” Lendo a Estratégia Nacional de Luta contra o Cancro, Horizonte 2030 talvez nos ocorra dizer: Dar Primazia ao Cancro Pediátrico exige mais.
A Acreditar – Associação de Pais e de Amigos de Crianças com Cancro existe desde 1994 com o objectivo de minimizar o impacto da doença oncológica na criança, no jovem e na sua família. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio em todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional, logístico, social, jurídico entre outros. Em cada necessidade sentida, dá voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias. A promoção de mais investigação em oncologia pediátrica é uma das preocupações a que mais recentemente se dedica. Na Acreditar, os Barnabés são todos aqueles que receberam o diagnóstico de cancro até aos 25 anos.
Comentários