O título da crónica é um “mimo” de violência e de falta de respeito e não é o único. Os comentários públicos à crónica de Paula Cosme Pinto, publicada no passado dia 15 de Abril no site do jornal Expresso, são repugnantes e, em simultâneo, um retrato do país que temos. A crónica intitula-se Já chega de romancearmos a maternidade. A autora não escreve uma linha que eu não subscreva, portanto considerei a natureza agressora dos comentários extensível a quem se identifica com o que está escrito. Entre os diferentes “mimos” temos acusações de egoísmo, de maldade, de ser feminista de esquerda (!), de não ter o direito de ter filhos, de comiseração pelos filhos nascidos e, cereja no topo do bolo, e cereja exclusiva de ser posta em bolos feitos por mulheres (lamento, malta, mas com os homens a cena é diferente), a insinuação de ser a autora desinteressante ao ponto de desmotivar alguém de com ela gerar filhos. Este comentário diz: “A avaliar pela fotografia”. Portanto, vamos fazer aquilo que é muito fácil de fazer com as mulheres: avaliá-las fisicamente, tipo gado, quanto de altura, cor dos olhos, estrutura óssea, ora vamos lá ver os dentes, sim, abra a boca... Tudo isto é vergonhoso. Não há outro termo.

Romancear a maternidade é silenciar sofrimento físico e psicológico. Sou mãe, sei bem como foi a surpresa das horas sem dormir, dos choros inexplicáveis, dos mamilos gretados, das hormonas desfasadas da realidade, da sensação permanente de cansaço. Os primeiros anos de uma criança são duros. E sim, embora lamentável, é sobretudo uma tarefa que se deixa às mães. Existem muitas excepções? Com certeza. Existem companheiros participantes, e ainda bem que existem. Mas culturalmente espera-se que as mulheres se possam desenvencilhar da tarefa, manter uma vida profissional, eventualmente cuidar de outro filho mais velho – foi o meu caso – e ainda ser sexy e tal, como essa imagem que tantas publicações, pelo mundo fora, mostram ser o desejável.

A crónica de Paula Cosme Pinto aborda, de forma honesta, algo sobre o qual falamos entre nós, mulheres, amigas, mães e filhas, irmãs. Estar cansada, e sentir uma pressão da sociedade para cumprir com diferentes papéis, não quer dizer que não amemos os nossos filhos, que não os queiramos mais do que tudo. Também sobre isso escreve a cronista, dizendo que não trocaria este ano e meia de vida da filha fosse pelo que fosse. O amor pelos filhos é incondicional. Mas mesmo esta afirmação tem as suas fragilidades, porque não amamos os nossos filhos de forma igual. Neste ano de pandemia, o número de crianças sinalizadas pela Comissão de Menores, crianças em perigo no seio da família, aumentou. Não queremos ver esse retrato do revés do amor, agarramo-nos aos bons costumes e à ideia de que as mães e os filhos são uma paisagem idílica. Muitas vezes, demasiadas, não é assim.

O que me choca nos comentários públicos à crónica na rubrica “A vida de saltos altos” é a violência dos ataques, de homens e mulheres — atenção, aqui não existem só agressores de um género — que não entendem como, afinal, se pode falar honestamente de uma realidade que é transversal a tantas mães e que não é, os psicólogos explicam, um desvio da normalidade.

Ser mãe, mãe dentro de princípios saudáveis, claro, é das tarefas mais difíceis e, tantas vezes, leva a sentimentos de ingratidão. A minha mãe diz que os filhos são problemas que não param de crescer; di-lo com graça e riso, mas eu entendo o que ela quer dizer. A partir do momento em que os meus filhos nasceram, a minha vida deixou de me pertencer na totalidade. Creio que este sentimento pode existir numa mãe e num pai, não o reclamo para o feminino, contudo a realidade portuguesa mostra que, na maioria das famílias e não na bolha da elite, as mulheres são sobrecarregadas com a maternidade e outras tantas tarefas só por serem mulheres. Paula Cosme Pinto escreve “Não sei como aguentam”. Eu também não consigo entender. As pessoas que publicam comentários deste calibre: “Estás arrependida? Para a próxima usa preservativos e assim deixas os filhos dos outros em Paz’” ou deste “Já cá faltava esta anorgásmica. As feministas são o vómito da modernidade, carneiras ao serviço dos neo marxistas. Gente miserável” ou ainda: “Quem foi mãe de verdade não se arrependeu de ter tido trabalhos, dormir pouco e tantas coisas adiadas. Não têm capacidade de criar e amar. Tristeza de gente” devem saber coisas que ambas desconhecemos. Ainda bem para eles? Não me parece. Imagino que seja muito mais fácil agredir. Mas talvez fosse melhor darem-se ao trabalho de ler a crónica até ao fim, para perceberem o que está lá escrito.

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