Em Portugal, o Dia Mundial do Autismo ainda não é muito conhecido. E, para ser sincera, a condição médica também não. A verdade é que, à medida que nos aproximamos desse dia, o nosso coração vai ficando, bocadinho a bocadinho, mais apertado e acelerado. Temos de nos preparar emocionalmente para o que vem aí.
Ler isto pode ser estranho, uma vez que o dia foi implementado para o apoio e inclusão de autistas na sociedade. Mas, pela minha experiência, em grande parte dos locais, nós nem somos considerados. A desinformação está tão impregnada na sociedade (portuguesa e não só) que, chegando o dia, vejo mais informação antiquada e falsa do que esclarecimentos atualizados sobre o que o Autismo realmente é e as nossas necessidades.
Neste dia, costumo ver convites apenas a profissionais de saúde e pais para conversar sobre o Autismo, excluindo totalmente aqueles que podem comentar como é ser autista e como se sentem. Isto porque grande parte das pessoas pensa que o autista não tem capacidade cognitiva nem opinião sobre a sua própria condição, em sincronia com a velha ideia dos «seres no seu próprio mundo».
Aguardo a enxurrada de comentários e partilhas nas redes sociais a dizer que «esta doença…», quando o Autismo não é uma doença.
Aguardo as informações perpetuadas nos anos 60 do século passado por pessoas não autistas que dizem que precisamos de uma cura, que é uma epidemia ou que somos uma tragédia na vida de alguém.
Esta semana fiz um pedido aos organizadores de uma palestra em que apenas convidaram um pai: para a próxima vez convidem um autista. Tornaram-se rapidamente defensivos e responderam-me que aquela pessoa «lida»
com a «patologia» — autismo não é doença. «Lidar», na infopédia, tem como sinónimos «combater» ou «batalhar», pelo que a resposta que recebi implica até a admissão de verem o Autismo como um esforço e um empecilho.
Este silenciamento e invalidação da nossa própria experiência não só nos magoa e mantém afastados da sociedade, como nos mata. É comum inventarem novas «curas» para o Autismo, sendo algumas ainda utilizadas hoje: dar a beber a crianças autistas lixívia ou saliva de cães com raiva, administrar choques elétricos ou fazer castrações químicas. Estas situações são universalmente consideradas um ataque aos direitos humanos. Mas, quando são enquadradas como «tentativa de cura» e «é pior do que se não tentarmos», são aceites e perpetuadas — sendo que todas elas ainda acontecem em 2021.
O Autismo é uma condição de neurodesenvolvimento, ou seja, o nosso cérebro desenvolve-se de forma diferente, o que afeta a nossa comunicação e socialização, assim como a perceção sensorial. Algumas deficiências podem não ser doenças, e algumas doenças podem não ser deficiências. No caso do Autismo, é uma deficiência pela falta de acessibilidade a uma sociedade não desenhada para nós, mas não é uma doença, como sublinham muitas das autoridades de saúde a nível mundial, de que é exemplo o National Health Service, no Reino Unido.
Acima de tudo, o Dia Mundial do Autismo tem sido uma data para as pessoas desejarem um «Feliz Dia» online, num ativismo performativo, e, 24 horas depois, se esquecerem de que existimos, deixando-nos sozinhos a combater as atrocidades que ainda são feitas aos autistas atualmente.
Eu gostava de que este dia fosse diferente. Quem ler isto, por favor, pesquise como pode integrar autistas na sua empresa, como a Google está a fazer; tente fazer amizade com pessoas autistas e conviver com elas; procure saber como a nossa perceção sensorial funciona; veja como tornar a sua loja mais amigável para os autistas; aceite-nos por quem somos, em vez de nos tentar normalizar; evite espalhar desinformação e partilhe experiências de autistas. Se quiser convidar um especialista, está no seu direito. Mas convide também um autista e traga-o para o diálogo.
Acima de tudo, lembre-se de que «Nothing About Us Without Us», isto é, «Nada Sobre Nós Sem Nós». Não nos excluam das nossas próprias histórias.
Agradeço, por fim, a quem este ano nos incluiu.
Vamos tornar o Dia Mundial da Consciencialização do Autismo no Dia da Aceitação e Inclusão do Autismo. Mais do que ter consciência de que existimos, precisamos de ser aceites e incluídos.
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