Discurso de vitória de Teresa Leal Coelho

“Boa noite a todos. Hoje não é um dia de derrota pessoal, mas o primeiro dia do resto da nossa luta por uma Lisboa melhor. O resultado não foi o esperado, mas respeitamos a decisão dos lisboetas. Agradeço, em primeiro lugar, a todos os que depositaram a confiança na nossa candidatura; ao Dr. Pedro Passos Coelho, pelo ambicioso convite; e a todos aqueles que nos acompanharam nestes dias de campanha e que, connosco, testemunharam os graves problemas que esta cidade enfrenta e enfrentará daqui para a frente. Congratulo Fernando Medina...”

Vários militantes, que até agora fumavam um cigarro conspirativo e dissidente no exterior, começam a chegar à sala. Um frenesim inesperado invade a São Caetano à Lapa, tomando o lugar da monotonia da derrota aguardada. Leal Coelho, compenetrada a ler a folha A4, não se dá conta da exaltação. Os jornalistas cortam-lhe a palavra.

“Teresa Leal Coelho”

“Teresa Leal Coelho”

“Teresa Leal Coelho”

“Quer dizer, por amor de Deus, deixem-me acab...”, diz Teresa, exasperada, mas surpreendida pelos urros de “PSD! PSD! PSD! PSD”, vindos dos militantes, agora de volume altíssimo e compasso acelerado.

“Teresa Leal Coelho, Reinaldo Serrano, SIC e SIC Notícias. As sondagens à boca das urnas dão-lhe uma vitória clara...

“Desculpe?”

“Sim, a Dra venceu as eleições”

“Quais eleições? Bom, vamos proce...”

“Para a Câmara Municipal de Lisboa. Com maioria absoluta. As sondagens que a colocavam em terceiro lugar estavam todas erradas. Como reage a esta vitória?”

Teresa estranha a questão e tenta apressadamente terminar o seu discurso.

“Disparate. Não seja tolo. Ora bem, onde é que eu ia? Ah, exato. Congratulo Fernando Medina, com quem discordo em muitas das ideia...”

“Dra Teresa Leal Coelho, qual será a sua primeira medida assim que tomar posse como Presidente da Câmara de Lisboa?”

“Essa agora! Quer dizer, é uma falta de decoro virem para aqui gozar...”

Pedro Passos Coelho aproxima-se do palanque. Leal Coelho parece confusa com tudo o que se está a passar. Passos Coelho sussurra ao ouvido de Teresa.

“Oh Pedro, já viste isto? O quê? Como assim? Não pode. Mas nós nunca... eu nunca... E agora? Tu sabes que eu... que eu tinha planos para novembro. Se queres que te diga, nem me apetece mui... pronto, pronto. Está bem.”

Pedro Passos Coelho abandona o púlpito. Leal Coelho encara os jornalistas, engolindo em seco, aclarando a garganta e, por fim, ajeitando o microfone.

“Bom, boa noite a todos. A todos vocês. Er... é o seguinte. Parece que, pronto. Ganhámos. Acho que foi isso. Pois... desculpem lá. Vou agora aqui ter um ataque de sinceridade: não estava à espera disto. Quer dizer, o nosso speech writer tinha preparado várias versões, mas nunca para este cenário, não é? Pá, tínhamos um discurso caso ficássemos atrás da Assunção, um discurso caso ficássemos à frente da Assunção, outro caso empatássemos com o Livre e um discurso caso decidíssemos fazer uma coligação de oposição com o Partido Unido dos Reformados e Pensionistas. Agora, isto sempre nos pareceu descabido. Er... Pedro não queres vir tu cá fazer isto?”

Passos Coelho meneia negativamente com a cabeça, olhando, no entanto, para Teresa com o orgulho de quem vê um filho coxo marcar um golo na final do Interturmas. Prossegue Teresa.

“Bom, obrigado pela confiança dos eleitores. Vou fazer um bom trabalho. Vim aqui mais para “o que importa é participar”, mas a vida aconteceu. Olhem, é isto. Viva o PSD! Viva a nossa cidade! Por Uma Lisboa Menina, Por uma Moça Lisboa, Por Uma Senhoria Lisboa… raios partam! Como é que é a porra do slogan? Enfim. Viva Santana Lopes! Adeusinho!”

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Concerto de Nerve, no Festival Silêncio. A entrada é gratuita.

(Disclaimer: O cenário acima descrito é fictício. Manuel Cardoso é humorista e escreve regularmente para o SAPO24.)