O parlamento aprovou na sexta-feira a reposição de 302 freguesias, incluindo duas que tinham sido extintas, depois da reorganização administrativa territorial dos municípios de 2012. Doze anos e uns pozinhos depois, dá-se o dito por não dito.

A ideia inicial era reduzir o número de municípios e freguesias, uma das medidas inscrita no memorando de entendimento assinado com a troika no âmbito da ajuda financeira concedida a Portugal, um país na bancarrota e sem dinheiro para pagar os salários aos seus funcionários públicos no final do mês. Foram 76,4 mil milhões de euros (dos 78 mil milhões acordados), que ainda estamos a pagar, mas que dá jeito a muitos ignorar. Como dizia o outro, se fui pobre já não me lembro.

De acordo com o calendário definido na altura, a reorganização do mapa administrativo devia estar pronta a tempo das autárquicas de 2013. Assim foi, passou-se das 4.260 para 3.092 freguesias. A pressão, agora, é para a reposição de freguesias estar pronta antes de serem impressos os boletins de voto para a eleição dos órgãos das autarquias locais, que terão lugar em Setembro/Outubro deste ano. 

A desagregação de freguesias vem mesmo a calhar. Para ganhar votos os partidos precisam de lugares para oferecer, quantos mais, melhor. O aumento da despesa? Não interessa nada, os que vão pagar o empréstimo para salvar o país da falência são outros, porque estes já cá não vão estar.

Todos os partidos - todos, com excepção da Iniciativa Liberal - votaram a favor do projecto de lei. O Chega foi cúmplice ao abster-se, nada mais conveniente que o um 'nim' para um partido que não se quer comprometer.

De acordo com a lei, um dos objectivos da reorganização era a "promoção de ganhos de escala, de eficiência e da massa crítica nas autarquias locais". Agora, estimula-se a despesa.

Só a Iniciativa Liberal fez contas: cada nova freguesia irá custar em média 170 mil euros por ano. Tendo em conta que as 302 novas freguesias resultam da desagregação de uniões de freguesias, serão criadas 168 novas estruturas, ou seja, mais de 28 milhões por ano, mais de 114 milhões em quatro anos.

Como explica a IL, que já pediu uma audiência com o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para "apresentar os argumentos que sustentam a sua posição", em alternativa, os mesmos cerca de 30 milhões de euros anuais "poderiam ser utilizados para criar um impacto significativo na vida das pessoas".

Por exemplo? "Poderiam ser contratados mais de 500 médicos de família" ou "financiadas mais de 100 unidades móveis de saúde" ou "modernizadas mais de 500 escolas" ou "capacitados milhares de jovens em áreas técnicas e profissionais" ou "renovadas 1.000 habitações sociais para famílias carenciadas". Por exemplo.

Assim, em vez disso, perto de 60% do orçamento vai ser gasto em salários; dos presidentes da junta, dos secretários, dos tesoureiros e de outros funcionários administrativos. Há ainda as despesas de funcionamento, que incluem água, luz, comunicações, material de escritório, manutenção do edifício, que rondam os 15%.

Sabemos todos que as reformas não podem ter apenas uma visão contabilística, mas estas são as evidências. "As freguesias são as autarquias locais que, dentro do território municipal, visam a prossecução de interesses próprios da população residente em cada circunscrição paroquial" (Freitas do Amaral). Ora, feitas as contas, não sobra muito para ajudar a população.

Não vou maçar ninguém com mais contas - haverá diversos artigos cheios de números. Vou antes defender que Portugal tem não só demasiadas juntas de freguesia como tem municípios a mais. Basta ver a realidade e só quem não conhece bem o país pode acreditar noutra solução. Quebras de população, envelhecimento, baixa natalidade deviam contribuir para a agregação, não o contrário.

O distrito de Viseu, por exemplo, tem 24 municípios, 277 freguesias. Paradela e Granjinha, resultado de uma união de freguesias, fica no concelho de Tabuaço e perdeu 45% da sua população nos últimos dez anos. Tem 99 habitantes, segundo os Censos de 2021. 

A reforma das autarquias locais feita como contrapartida do empréstimo da troika reduziu em média cerca de 10% dos recursos humanos e 30% dos lugares dirigentes. Mas houve outra consequência: a agregação de câmaras não avançou, mas a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) viabilizou outras reformas, como o Programa de Apoio à Economia Local (PAEL), para redução das dívidas a fornecedores.

Deixo mais estes números: de acordo com a Direcção-Geral das Autarquias Locais, em 2013, ano da reforma, das 308 câmaras, 159 tinham dívidas acima dos limites legais, que no total atingiam os cerca de três mil milhões de euros. Em 2023, dez anos depois, apenas 11 municípios (Alandroal, Alfândega da Fé, Fornos de Algodres, Freixo de Espada à Cinta, Fundão, Nazaré, Nordeste, Praia da Vitória, Vila Franca do Campo, Vila Nova de Poiares e Vila Real de Santo António) tinham dívidas acima dos limites legais. Penedono não divulgou dados.

Todos bramam que é preciso cortar nas gorduras do Estado, mas nas dos outros, claro.