Numa entrevista de 1982 a Fernando Assis Pacheco, Alexandre O’Neill classificou de "verdadeira consagração" o facto de os bêbedos terem deturpado a campanha que fizera para o Instituto de Socorro a Náufragos, de "há mar e mar, há ir e voltar" para "há bar e bar, há ir e voltar". Se o poeta tivesse trabalhado numa agência de publicidade de março de 2020 a agosto de 2021, teria tido mais dificuldade em ver os seus slogans honrados dessa forma, já que os bares fecharam (incluindo o Bar Americano, no Cais do Sodré, que O’Neill frequentaria e que encerrou em dezembro último), ainda que tenham subsistido os bêbedos. 

Não sabemos o que é que O’Neill, que dizia que "há palavras que nos beijam", escreveria sobre este ano e meio em que ninguém se podia oscular, mas talvez seja sensato especular que não ficaria satisfeito com esta privação prolongada do convívio boémio. Os bares regressaram este domingo e a notícia de que “as discotecas podem abrir mas não se pode dançar” não só tem uma evidente inspiração surrealista, como até parece um cadáver esquisito preguiçoso e pouco inventivo. Provavelmente, uma figura da literatura ficaria mais incomodada com o facto de não se poder fumar lá dentro do que propriamente com a proibição taxativa do baile: os poetas mortos têm um clube, mas tenho reservas quanto à sua afeição pelo clubbing.

Para mim, a experiência de regressar a um bar foi fascinante. Os critérios de entrada mudaram drasticamente. Antes, para entrar num estabelecimento destes, uma pessoa tinha de mostrar estilo. Agora, basta um PDF. No que toca a marcas, a única diferenciação que importa agora é na das vacinas. Como algumas levam a uma conclusão mais rápida do esquema vacinal, tornam-se motivo de segregação e até inveja. A vacina Janssen é, no início da década de 20, o que os pullovers Quebramar foram no início da década de 2000. 

A obrigatoriedade de permanecer sentado não me chocou. Na verdade, este ano e meio alterou por completo os nossos limiares de agorafobia. O verdadeiro problema com este requisito prende-se com a ilusão de coordenação motora que consumir bebidas sentado provoca, desfeita assim que o indivíduo se ergue da cadeira: a chamada falsa sensação de sobriedade. 

Por outro lado, não estava à espera da sobrevivência de determinados hábitos. Todos soubemos que era falsa a alegação de que a pandemia ia tornar-nos em melhores pessoas, mas não previa que, mesmo num bar sentado, continuasse a existir a probabilidade de pessoas andarem à porrada. Julgava que estava intimamente ligada aos encontrões, mas não. Observei momentos de tensão, mas ninguém chegou a vias de facto. Até porque seria uma bar fight ridícula, provavelmente mais centrada no arremesso de recipientes do que na utilização dos punhos. Além disso, os bares agora servem todos comida. Quando um amigo nos dissesse “vou só ali molhar a sopa”, ficaríamos na dúvida se estaria prestes a envolver-se recreativamente num confronto físico ou se ia apenas pedir uma bucha para comer com o caldo verde.