Em Portugal, as décadas de 70 e 80 foram um período de reinvenção do país e dos seus valores, de luta política e de adaptação ao século XX. Por isso é natural que sejam recordadas de maneira diferente do resto do mundo, especialmente dos Estados Unidos. Lá, foi a época do luxo, do hedonismo, das drogas e da ascensão social a todo o vapor. A especulação bolsista, os lobbies e o carreirismo em carreiras que anteriormente passavam despercebidas, como corretor de bolsa ou conselheiro financeiro, fizeram fortunas instantâneas e criaram a mentalidade de que o chico-espertismo vale a pena. Outras profissões alternativas, que igualmente moviam milhões, vieram para a frente do palco, especialmente na moda, na música e em certas artes (cinema e fotografia, por exemplo). Acabou tudo com a grande recessão de 1982, e nunca mais houve euforia que se lhe compare.
Nenhuma cidade viveu mais intensamente esses anos loucos do que Nova Iorque, a metrópole que simboliza todas as metrópoles. Centro do mercado financeiro, da moda, da vida nocturna e do luxo, foi em Nova Iorque que despontaram os mitos mais exuberantes. Um deles foi Halston – não o único, mas um dos poucos.
Amigo de Liza Minnelli, Elsa Peretti, Andy Warhol, Bianca Jagger, Martha Graham, Betty Ford, e de toda as estrelas que frequentavam as noites do Studio 54, e inimigo de Calvin Klein, Oscar de la Renta, Bill Blass e de todos os designers concorrentes, Halston criou uma imagem ao mesmo tempo sedutora e temível, que lhe rendeu milhões de dólares e fama internacional.
Uma pessoa pode não saber quem foi Halston, mas com certeza que se lembra do vestido que Liza Minnelli usou ao cantar “New York, New York”, já viu jóias Peretti (que ele “descobriu”), ou ouviu falar na coreógrafa Martha Graham (para quem ele fez os figurinos de incontáveis ballets). Isto para não mencionar Andy Warhol, que redefiniu o que é ser artista plástico, e que terá dito que os desfiles de Halston eram “a Arte da década de 70”.
Nascido em 1932 em des Moines, no Ohio – o que quer dizer, “nas berças” – Halston aparece pela primeira vez em Chicago como designer de chapéus (para encurtar uma longa história) e teve a oportunidade de desenhar o famoso “pill box”, o chapéu ícone da icónica Jackie Kennedy. Esse sucesso levou a que fosse levado pela Bergdorf Goodman para Nova Iorque. Mas em 1966 os chapéus femininos estavam a passar de moda e as colecções que fez para o armazém mais chique da cidade não pegaram. Graças ao apoio financeiro de algumas clientes ricas que o adoravam, instalou-se por conta própria e em poucos anos era um sucesso fenomenal. Os seus modelos flutuantes faziam as mulheres diáfanas, mesmo quando já não eram muito frescas, e isso terá contribuído para que todas as colecções se esgotassem.
Num gesto impensado, mas que na altura fazia sentido, vendeu o seu nome ao financeiro Norton Simon, cuja esposa, Lucille Ellis, era uma admiradora incondicional de Halston. Anos mais tarde, quando a marca não via crescer as vendas ao ritmo que os investidores gostam, Simon vende-a a outra empresa de investimentos, a Esmark, que não teve paciência para aturar os incumprimentos do designer, nem via com bons olhos a sua vida “dissoluta”. Sim porque, entretanto, Halston levava uma vida publica e notória de festas loucas, muita droga e relações homossexuais, uma permanente e outras efémeras. Gastava rios de dinheiro e trabalhava cada vez menos. Considerava-se um génio e não admitia que o admoestassem de nada.
O resultado foi que a Esmark terminou com o contrato, usando as alíneas que Halston nunca se tinha dado ao trabalho de ler. Perdeu o controlo do atelier e, pior, perdeu o direito de usar o seu próprio nome (este processo, aliás, aconteceu com vários designers, como Jil Sander, Thierry Mugler, John Galliano e Calvin Klein.)
Halston ficou com uma pensão de um milhão de dólares – modesta, para o que o seu nome dava a ganhar à Esmark – e retirou-se para uma casa frente ao mar na Califórnia, onde morreu de SIDA, solitário e amargurado.
Moral da história: talvez seja mais difícil lidar com o sucesso do que viver com o insucesso.
Quanto à série da Netflix, apenas duas notas: Ewan McGregor é, de facto, um actor extraordinário. Só ele, vale a série toda. E, embora a história contada seja verdadeira, está mal contada. Halston formava um quarteto inseparável com Andy Warhol (que quase não aparece), Liza Minelli (que, vá lá, aparece um bocadinho) e Elsa Peretti (que é mostrada mais como uma empregada dedicada do que como a amiga que foi). Se eu fosse crítico de séries, dava cinco estrelas a McGregor, três estrelas à produção e uma estrela ao roteiro. Fora isso, vale a pena ver!
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