Vêm aí os bárbaros!

Imagine o leitor que aterra ali pelas frias praias do que é hoje o Reino Unido por alturas do fim do Império Romano — a ilha não era nem um reino nem estava unida. A parte mais a sul, correspondente mais ou menos à actual Inglaterra, era parte do Império — e não consta que quisesse sair. O Império é que caiu.

Talvez consigamos, agasalhados e intrigados, olhar em volta e ver a sair das brumas duma floresta antiga os vultos de artures, guiniveres e lancelotes, a conversar sobre távolas redondas, cavaleiros andantes e outros mitos. Ah, Lancelot! Ah, Rei Artur! A mítica Bretanha faz parte das literaturas e das imaginações dos europeus (e de muitos outros povos do mundo, já agora).

Quem me lê, já que está naquela ilha e naquela época, vai querer saber o que falavam aqueles seres arraçados de mito. Na escrita, haveria certamente algum latim. A ilha tinha sido romana — ou, pelo menos, a parte sul da ilha, que já à época o Norte não gostava de se confundir com o Sul. Mas da boca dos ponderados britânicos que encontramos à beira da floresta, ouvimos sair línguas celtas, aqueles idiomas que deram origem às línguas que ainda hoje se falam no País de Gales, em certas zonas da Irlanda e nas Terras Altas da Escócia.

Continuamos a vaguear por aquela terra brumosa. Talvez encontremos uns estrangeiros louros, de ar rude, de língua bastante diferente e um barco encostado na doca… Como quem não quer a coisa, foram chegando, aos poucos e ao longo dos anos, uns quantos viajantes ali da zona que vai da Dinamarca ao norte da Holanda. O caminho era curto: uma pequena viagem de barco e, pronto, lá estamos nós numa ilha agradável e com muito que ver.

Eram povos que hoje chamamos, de forma genérica, «anglo-saxões». Mas eram anglos, eram saxões e eram ainda povos com outros nomes. Muitos chamam «invasão» à chegada destes bárbaros. Mas foi uma invasão em câmara lenta. Era também a chegada das línguas que vieram a dar no inglês que conhecemos…

O que aconteceu aos celtas?

Damos um salto no tempo. Acordamos ali por volta do século VIII. Por essa altura, os anglo-saxões já governavam o Sul da ilha, divididos em vários reinos. Da Bretanha celta, passámos à Inglaterra propriamente dita — Inglaterra, terra dos Anglos & Companhia.

Um dos mistérios linguísticos desta história é este: a língua que se falava no século VIII era já o inglês antigo, a continuação das línguas trazidas do continente. Mas as histórias tradicionais do inglês dizem que as influências das línguas celtas no inglês são mínimas. Isto é um pouco estranho. O que se passou? A história tradicional diz que os celtas foram escorraçados para as extremidades sem oportunidade de influenciar a língua dos «invasores»: para o norte, para o ocidente, para a pontinha sul — tudo sítios onde hoje se fala uma ou outra língua celta (ou, no caso da Cornualha, se falava até há relativamente pouco tempo). Foi de tal maneira que a língua dos novos habitantes não lhes guardou memória — isto segundo a tal história mais tradicional.

Porém, alguns linguistas encontram hoje vestígios dos celtas no inglês — e bem no centro do palco desta língua hoje tão importante. Pois, repare o leitor: como se constrói a negativa ou a interrogativa (ou o passado, já agora) dum verbo inglês? Com o verbo «to do», ou seja, «fazer»: «I don’t speak German…»; «Do you speak English?».

Isto é uma originalidade do inglês no âmbito das línguas germânicas (pelo menos no uso do verbo de forma obrigatória para negar e perguntar). No entanto, parece uma cópia do funcionamento de outro grupo de línguas. Qual? As línguas celtas, como o galês.

Ou seja, há alguma probabilidade que algumas características muito centrais do inglês sejam vestígios do processo de aprendizagem do inglês antigo pela população celta, que aprendeu a língua com algumas interferências. Ou seja, é possível que os celtas não tenham fugido. Ficaram no mesmo sítio, mas aprenderam a língua dos anglo-saxões — isto, claro, sem contar com aqueles celtas que ficaram ao canto, a falar (até hoje) as suas línguas antigas. 

Sobre o tema, aconselho o livro Our Magnificent Bastard Tongue, por John McWhorter.

Um monstro dinamarquês na cabeça dos ingleses

O leitor ainda está no século VIII. Já ouvimos muito inglês antigo, uma língua bem curiosa. Se por ali ficássemos uns meses, talvez percebêssemos quão diferente era a língua nas várias regiões de Inglaterra. Esta variedade pode ter origem não só nas diferentes línguas que por lá se falavam anteriormente, como nas diferenças linguísticas dos povos que chegaram. O inglês nunca foi uma língua uniforme — nem hoje, nem nunca.

Quanto à escrita, começou por ser feita usando as famosas runas. Mas, entretanto, a língua começou a ser escrita com o alfabeto latino, embora com algumas letras com aquele sabor de velhas sagas.

Já tinham passado alguns séculos desde a chegada dos povos ali da costa continental à ilha. Alguém escreveu então um longo poema, nessa língua antiga, poema esse que hoje simboliza toda a literatura em inglês antigo pela sua força e beleza — que sentimos mesmo à distância de séculos. No entanto, diga-se, mesmo um inglês, se não aprender inglês antigo, tem de usar uma tradução. Aqui fica o início desse poema:

HWÆT: WE GAR-DENA    IN GEARDAGUM
þeodcyninga    þrym gefrunon.
Hu ða æþelingas    ellen fremedon!
Oft Scyld Scefing    sceaþena þreatum
monegum mægþum    meodosetla ofteah,
egsode eorl,    syððan ærest wearð
feasceaft funden.    He þæs frofre gebad,
weox under wolcnum,    weorðmyndum þah,
oð þæt him æghwylc    þara ymbsittendra
ofer hronrade    hyran scolde,
gomban gyldan.    Þæt wæs god cyning.

Curiosamente, este inglês antigo da escrita não usava o verbo «to do» para fazer negativas e interrogações. Então porquê se, por esta altura, os tais celtas já tinham mudado de língua há tanto tempo? Provavelmente porque a língua da rua era diferente da língua da escrita. As influências celtas seriam vistas como erros, erros que todos dizem, mas que eram evitados na escrita. Por outras palavras, o auxiliar «to do» era típico do registo informal e da oralidade. Um escriba anglo-saxão poria as mãos na cabeça se alguém lhe dissesse que, séculos depois, a boa escrita implicaria usar o verbo «to do» para criar negativas ou interrogativas. «Mas isso é erro! Não tem lógica!» Ah, mal saberia o velho monge aquilo que viria a acontecer à sua língua no futuro…

Os víquingues

Façamos um novo salto no tempo. Vamos aterrar agora ali por volta do século IX. Na mesma ilha, encontramos agora novos invasores: os víquingues. E, sim, é verdade: olhamos em volta e nenhum deles usa chapéu com cornos. Temos de pôr os pontos nos ii, ou seja, tirar os cornos da cabeça dos víquingues. Os senhores não usavam nada disso. Foi uma invenção muito posterior.

Dito isto, podemos avançar para informações interessantes. Na interessante Idade Média, os escandinavos andaram pelo mar a pilhar e a conquistar tudo o que encontravam. Chegaram à Grã-Bretanha. Aliás, chegaram ao que viria a ser Portugal. Chegaram, dizem, à América antes de Colombo! (Bem, mas isso também os nossos pescadores e os bascos, dizem por aí.)

Se, por outras paragens, chegavam, pilhavam e iam embora, na Grã-Bretanha acabaram a governar um território chamado Danelaw — e decidiram aprender a língua dos nativos (os antigos anglo-saxões misturados com os celtas). No processo, deram umas quantas palavras novas a essa língua, torcendo-a um pouco. Algumas dessas palavras são extraordinariamente importantes, como «they». Sim, «they» é uma palavra víquingue! O pronome em inglês antigo era «hīe»…

Os víquingues eram muitos e gostaram da ilha; para eles, Inglaterra tem um tempo espectacular! É bem provável que este processo de aprendizagem da língua por uma grande parte da população tenha ajudado a desbastar os casos, o género e outra tralha gramatical da língua inglesa — a velha gramática começou a ruir, deixando uma língua um pouco mais simples.

Enquanto a língua levava pancada dos escandinavos, os reinos dos anglo-saxões iam-se unindo. Alfredo, o Grande — Ælfred, em inglês antigo —, rei de Wessex, fez um acordo com os víquingues e começou a governar todos os anglo-saxões. Podemos dizer que foi o primeiro rei de Inglaterra. Pois bem, este rei falava inglês antigo, claro. Era a língua da corte — embora o latim ainda tivesse alguma importância, como acontecia na Europa toda.

O inglês, que já não era a língua duns quantos invasores vindos das selvas ali do Norte da Alemanha, era agora uma língua culta, com literatura, documentos, escribas — enquanto na rua, mudava sem freio na boca da população. Foi aprendida pelos celtas, foi aprendida pelos víquingues — e, assim, é bem provável que a língua falada fosse já bastante diferente da língua escrita.

Continuemos a viagem…

1066 e tudo isso

Ora, em 1066 aconteceu qualquer coisa de muito importante. Os ingleses foram invadidos pelos franceses. Enfim, não foram bem os franceses tal como os conhecemos hoje. Foram os normandos.

Falavam que língua? Uma língua muito parecida com o francês, mas que também não era bem francês. Era francês normando.

Os anglo-saxões defenderam-se, mas perderam. O rei de Inglaterra passou a ser um normando chamado Guilherme I (em inglês, William the Conqueror). A actual monarquia britânica começou a contar os nomes dos reis com esse tal Guilherme. Se o actual príncipe William chegar a rei e escolher esse nome para reinar, será Guilherme V, continuando a contagem iniciada por esse invasor francês.

Bem, no que toca à língua, a corte passou a falar francês normando. O resto da população lá continuou a falar inglês, pois não é por vir um francês armado em bom que mudamos de língua.

Ainda subsistem alguns sinais do tempo em que o francês era a língua da corte. Por exemplo, o lema do monarca do Reino Unido é (repare na faixa por baixo do brasão — e, já agora, na faixa azul...):

História do Inglês do Beowulf ao Brexit
História do Inglês do Beowulf ao Brexit

Ah, o lema da rainha é em francês! «Deus e o meu direito» (de mandar nisto tudo). Entretanto, os ingleses já não ligam tanto nem a Deus nem ao direito da senhora rainha em mandar naquilo tudo. E também já não ligam muito ao francês. Mas o lema lá continua, pelos séculos fora…E nem o Brexit há-de mudar tal coisa…

Esta entrada do francês na Inglaterra enquanto língua de prestígio teve uma consequência engraçada. A língua viu-se à vontade. Não havia uma corte que a usasse e determinasse, assim, qual era o uso de prestígio. O inglês começou a absorver palavras normandas como se não houvesse amanhã. E, quando alguém a escrevia, já não seguia o padrão da corte (que andava metida no francês), aproximando a língua da escrita da língua da oralidade.

Uma língua deliciosamente impura

Assim, chegámos ao inglês médio. Ainda não é uma língua fácil de ler, mas a coisa é bem mais parecida com o inglês de hoje em dia. Vejamos o início dos Contos de Cantuária de Chaucer:

Whan that Aprill with his shoures soote
The droghte of March hath perced to the roote,
And bathed every veyne in swich licour
Of which vertu engendred is the flour;
Whan Zephirus eek with his sweete breeth
Inspired hath in every holt and heeth
The tendre croppes, and the yonge sonne
Hath in the Ram his half cours yronne,
And smale foweles maken melodye,
That slepen al the nyght with open ye
(So priketh hem Nature in hir corages),
Thanne longen folk to goon on pilgrimages,
And palmeres for to seken straunge strondes,
To ferne halwes, kowthe in sondry londes;
And specially from every shires ende
Of Engelond to Caunterbury they wende,
The hooly blisful martir for to seke,
That hem hath holpen whan that they were seeke.

Não me vou pôr a traduzir tudo, mas repare no Engelond na terceira linha a contar do fim. Falamos da famosa «England». Repare ainda na expressão «smale foweles». Falamos de pequenas aves. E temos ainda o «sonne», que é o sol…

Se ouvíssemos alguém da época a ler este poema, estranharíamos ainda mais os sons do que o aspecto das palavras na escrita. A ortografia começou a fixar-se durante a época do inglês médio, quando a corte voltou a falar inglês e a imprensa veio dar um empurrão à fixação da maneira de representar os sons. Isto significa que a ortografia inglesa representa, em certa medida, a fonologia daquela época — e é por isso que hoje a consideramos tão caótica. No fundo, é uma ortografia pensada para a língua que se falava há muitos séculos. E também por isso a escrita da época nos é menos estranha do que a maneira de falar inglês da altura.

Se olharmos para o texto, vemos muitas palavras com sabor latino. O inglês absorveu mesmo muitas palavras normandas. Algumas destas importações levaram à existência de pares de palavras com significado parecido (mas raramente igual) — uma delas anglo-saxónica, outra de origem latina.

«Pig», por exemplo, é o simpático porco. «Pork» é o simpático porco, mas morto — e pronto a ser comido. As quintas têm «pigs», mas à mesa comemos «pork». Interessante, não é?

O inglês tornou-se assim uma língua híbrida: tem muito vocabulário germânico, mas também muito vocabulário latino — e este vocabulário latino também foi enriquecido com importações directas das línguas clássicas (e por isso há também muitas palavras gregas) por altura do Renascimento.

Temos «freedom», que pode ser uma série de coisas, desde «freedom fighters», «freedom of speech», «freedom to do whatever one pleases», etc. — e temos «liberty», que fica muito bem no nome duma estátua ou de um sino.

Shakespeare, caveiras e palavras portuguesas

Shakespeare é, para sermos realistas, o Camões lá do sítio. Só que escrevia teatro e não era muito dado a epopeias. Mas acho que dá para perceber porque digo isso. Shakespeare inventou muitas palavras e expressões inglesas e é o símbolo da língua e da literatura nessa língua.

Moldou o material linguístico que lhe foi oferecido por esses séculos de celtas, romanos, bárbaros e víquingues — e usou-o sem medo e com muito talento.

Uma expressão que inventou e que tem muita graça aos meus apertados ouvidos latinos é «it outHerods Herod», que aparece em Hamlet. Para quem tem medo das palavras que saltam categoria, isto deve ser um horror. E, no entanto, é delicioso. Um nome próprio é transformado, à força, num verbo. Significa algo como a frase «isto é pior que o Herodes» — mas em bom.

Hamlet… Ser ou não ser. Uma caveira na mão. Algo está podre no reino da Dinamarca. Tantos séculos depois e os ingleses ainda sonhavam com as velhas terras dinamarquesas…

Por essa altura, portugueses e ibéricos em geral andavam aos tropeções pelo mundo — e esta época também deu ao inglês umas quantas palavras, incluindo algumas portuguesas, como «zebra» ou «verandah». O inglês parece um aspirador de palavras.

Uma língua para lá do oceano

Avançamos, avançamos. E os ingleses também avançam. Chegam à América, dão um pontapé aos holandeses ali em Nova Iorque e dão uma nova vida ao seu idioma. Só isto dava para mais umas quantas crónicas.

Para já, avançamos, não sem antes notar um fenómeno curioso: no território imenso de língua inglesa na América do Norte, a variedade dialectal é menor do que no pequeno território britânico deste lado do mar.

Porque acontece isso? Quando a língua se transplanta para um novo território, vai na boca de um número relativamente reduzido de falantes, em que a variedade é menor do que no conjunto total dos falantes que ficam no território original. Ora, essa uniformidade de partida dilui-se vagarosamente ao longo dos séculos e, por isso, ainda hoje temos menos variedade nos EUA do que no Reino Unido (basta ouvir um escocês a falar ou um inglês de Manchester para perceber isso mesmo). Como, entretanto, chegámos à época da escolarização de toda a população, dos meios de comunicação social, etc. — esta maior uniformidade ainda hoje se nota e vai, talvez, manter-se por muito tempo.

Isto não significa, atenção, que os EUA sejam um país linguisticamente aborrecido. Ah, não! Nova Iorque, por exemplo, será a cidade mais linguisticamente diversa do mundo.

O século do inglês

O Reino Unido foi uma das grandes potências do século XIX. Os EUA foram uma das superpotências do século XX. Os dois países estavam do lado dos vencedores nas duas guerras mundiais. Enfim, por estas e outras razões, o inglês acabou por tornar-se uma língua com uma força internacional que, hoje, parece inabalável.

Mas não nos esqueçamos que, ainda há uns séculos, era um falar do povo, enquanto os nobres conversavam em francês. Hoje, é uma língua aprendida por quase todos os jovens europeus, como segunda língua. Sim, os jovens que vivem nos territórios de onde saíram os Anglos & Companhia aprendem a língua desses velhos bárbaros…

Esta é também a língua que mais se insinua nas outras, pela força cultural e económica (talvez mais esta do que aquela) dos países que a usam. Por outro lado, também absorve vocábulos de todas as línguas sem grande pudor. (Um bom livro sobre estas dinâmicas é Empires of the Word, por Nicholas Ostler.)

O que acontecerá daqui a 500 anos? Não sabemos. Talvez o inglês já seja uma velha língua esquecida — ou não.

A língua em tempos de Brexit

O Brexit ocorreu, na prática, há poucos meses. Os ingleses sempre estiveram mergulhados nas guerras e confusões da Europa, como bem atestam os estratos que encontramos ao escavar a sua língua, mas como habitantes duma ilha a umas quantas léguas da costa, gostam de se imaginar um pouco menos europeus do que os outros. Nada a dizer. Eles decidiram, está decidido.

E, no entanto, o inglês é uma língua europeia como poucas. E, mesmo na União Europeia, continuará a ser uma das muitas línguas oficiais e continuará, certamente, a ser muito usada na prática, embora seja agora — depois do Brexit — língua materna de menos cidadãos europeus do que o português — ou o catalão! Aliás, nenhum país terá o inglês como única língua oficial. Tecnicamente, manter-se-á como língua oficial da União, até porque é a segunda língua da Irlanda (o irlandês é muito menos falado, mas tem prioridade legal sobre o inglês na República da Irlanda) e de Malta.

Reparemos que a importância que o inglês tem hoje na Europa não é responsabilidade única do Reino Unido — é a importância cultural e geopolítica dos Estados Unidos que levou o inglês a ter o papel que tem hoje, mesmo que seja a sua versão britânica a mais usada na Europa.

No fundo, o uso que fazemos do inglês já está desligado do inglês enquanto língua daquele povo em particular. Quando um alemão conversa com um português, fá-lo — muitas vezes — em inglês. Quando um checo conversa com um grego, o inglês também lá estará. Até já é relativamente comum encontrar portugueses e espanhóis a conversar em inglês…

Bem, mas escrevi esta pequena história só para que víssemos como o inglês é uma língua interessante, impura como poucas, com uma história bastante peculiar, cheia de palavras de todas as línguas. Essa história também se vê, por exemplo, na proximidade que tem ao frísio, uma língua falada na Holan..., peço desculpa, nos Países Baixos, numa das regiões de onde partiram aqueles bárbaros germânicos para convencer os celtas britânicos a mudar de língua… A história da língua também nos aparece na persistência das línguas celtas em certas zonas da Grã-Bretanha, línguas que parecem ter moldado, subtilmente, a gramática do inglês. E, depois, temos o inglês tão diferente de região para região — o próprio inglês antigo nunca foi uma língua uniforme, dividido como estava entre muitos reinos, cada um com vários sabores do idioma. Uma língua que também ganhou outros sabores por esse mundo fora, da América à Austrália, passando pela Índia e por muitos outros territórios onde os falantes chegaram, às vezes de forma um pouco (digamos assim) brusca. O certo é que uma velha língua de umas tribos ali nas costas do Mar do Norte é hoje ouvida em todo o mundo.

A sorte e o azar dos idiomas têm muito pouco que ver com as suas características intrínsecas ou a sua pureza, qualidade que pouco adianta numa língua. A sorte da língua é consequência do que acontece aos povos que a falam, das suas viagens, guerras, conquistas e derrotas.

Também por isto as línguas humanas são um tema tão interessante.

Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. O seu livro mais recente é História do Português desde o Big Bang.