Apesar das abissais diferenças de estilo e das mais ou menos evidentes distinções em várias matérias, há um denominador comum entre IL e Chega: a manutenção e/ou agravamento das desigualdades. Bem quis a Iniciativa Liberal, para evitar tal proximidade, sentar-se noutro lugar do hemiciclo, mas não há volta a dar: durante a legislatura que, entretanto, começou, os dois grupos parlamentares que mais cresceram estarão lado a lado fisicamente.
Por muito que não agrade aos deputados, militantes e eleitores dos liberais, programa e agenda comprovam que, em assuntos importantíssimos, estes dois partidos não são assim tão distintos; porém, uma ressalva é devida: jamais poderá ser confundida a natureza democrata da Iniciativa Liberal com a antidemocracia do Chega. Esta diferença é tão substancial que o recém-empossado Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, dedicou parte do poeticamente assertivo e necessário discurso inaugural à intolerância da extrema-direita.
Ainda assim, os dois partidos podem ser considerados ameaças à igualdade. E com ambos a apresentarem-se pela primeira vez em forma de grupo parlamentar, importa exercer um escrutínio atento para não sermos surpreendidos com as respectivas propostas e moções. Até porque se é fácil identificar as ideias racistas e xenófobas da Chega, convém igualmente denunciar a manutenção e agravamento das desigualdades sociais e económicas encapotadas em promessas de mais liberdade.
Essa diferença de estilo e de substância (real e aparente) também se notou nos discursos provenientes das bancadas da IL e do Chega. A agora terceira força política não é um partido como os outros e os alertas para que não se normalize nunca serão demasiados. Abordar o contributo do Chega para a democracia exige sempre a lógica inversa: a única utilidade que tem é mostrar o quão perigosa a realidade pode ser.
Também não é por ter mais deputados e coreografias encenadas que o Chega trará propostas que melhorem a vida das pessoas – no final do dia, o exercício será sempre o de dissociar o forte barulho das palmas da fraca qualidade das ideias; não que fosse necessário, isso mesmo ficou uma vez mais provado no discurso de Ventura (tão ressabiado que nem deixou o líder da bancada parlamentar falar), não conseguindo resistir e enfiando a carapuça que Santos Silva momentos antes lhe oferecera.
Noutro plano, também foi esclarecedor o discurso de Rodrigo Saraiva. Ao reafirmar as grandes linhas orientadoras da IL, permitiu que nos relembrássemos ao que a agora quarta força política vem: 1) Mais liberdade política; 2) Mais liberdade económica; 3) Mais liberdade social. Ainda que com denominador comum óbvio, uma leitura atenta ao programa, focada sobretudo nos dois últimos pontos, permite chegar ao real significado liberdade (traduzir, aliás, o que a IL entende por liberalismo, liberal e liberdade daria outro texto).
Quando a Iniciativa Liberal pensa em liberdade económica, o que propõe vai de taxas únicas de impostos (independentemente de rendimentos) a descidas de tributação dos grandes grupos empresariais – no fundo, dar mais a quem já muito tem. Quanto à liberdade social, esta prende-se com a tão aclamada “liberdade de escolha” nos serviços, como, por exemplo, na saúde – o que significaria, na verdade, parcial desmantelamento do SNS e custos acrescidos no acesso a cuidados de saúde primários para quem tem menos. Não é, então, difícil perceber que mais liberdade é, perversamente, mais desigualdade.
O intuito do presente texto não é reiterar que nos partidos à esquerda é que residem as soluções para todos os problemas. O objectivo passa por alertar para o erro de percepção sobre para que serve o voto. Poderá pensar-se que devemos votar no partido que melhora a vida de cada um, mas isso é altamente subjectivo: ao escolher votar em partidos que defendem menor tributação da riqueza, diminuindo a redistribuição por IRS ou investimento em serviços do Estado, agrava-se a qualidade de vida dos que menos têm; votando em partidos nacionalistas, condicionam-se e/ou destroem-se direitos, liberdade e garantias, reduto último da dignidade da vida humana. Estas são as agendas da desigualdade. Votar não deveria ser sobre maximizar a qualidade de vida de parte da população, mas sobre implementar políticas que permitam manter ou alcançar a dignidade, económica e social, de todas as pessoas.
É inevitável: os dois novos baluartes contra a igualdade sentam-se lado a lado. André Ventura não se preocupa – muito pelo contrário, galvaniza-se com o simbolismo nacional e xenófobo que o lugar acarreta. Não querendo ser confundido, João Cotrim Figueiredo esforçou-se para se afastar, evocando até o já clássico adágio de não identificação com o eixo esquerda-direita. A última (na altura) deputada que vimos fazer o mesmo acabou por aceitar assessorar a extrema-direita…. Querem ver que, afinal, IL e Chega só podem mesmo sentar-se lado a lado?
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