Lisboa está cheia de americanos. Não tenho números, mas é a sensação que dá. É impossível calcorrear a Baixa sem se ouvir um “literally” ou um “actually”. É verdade que os americanos já não usam tanto a meia branca em chinelo, o que lhes permite uma mais eficaz camuflagem, mas infelizmente para eles falam exatamente como toda a gente que ouvimos falar nas séries da Netflix, pelo que continuam sem passar despercebidos. Para além disso, há um dado que põe um ponto final na discussão sobre a nacionalidade de Cristóvão Colombo: os americanos gritam tanto na rua que a América só pode ter sido descoberta por um italiano a soldo de espanhóis. Sim, eu sei: não foi descoberta, já lá estava. Mas estou certo de que os nativos eram bem mais dados ao sussurro.
Há americanos que vieram para Portugal seduzidos pelo facto de sermos um paraíso fiscal para criptomoedas. Claro, há a costa, as ondas, a comida e o facto de termos uma ponte parecida à que eles lá têm. Mas não há dúvida de que se criou um novo conceito turístico nos últimos anos: sol, praia e areia para os olhos das Finanças. Ao que parece, há vários expatriados que estão incomodados com o fim anunciado dessa exceção. Compreendo, habitualmente também amuo em casamentos quando me comunicam que acabou o bar aberto. Medina anunciou que Portugal iria adaptar a legislação para passar a taxar os criptoativos, o que, diga-se, cheira-me a vendetta. Todos sabemos que o Fernando tem rancores pessoais com moedas. Quanto ao próprio Moedas, cai mais no goto dos americanos: por ele, alargavam-se as faixas de rodagem na cidade para acomodar o maior número de Hummers possível.
Uma vez que Lisboa está cheia de americanos, eu decidi vir para Nova Iorque. Para equilibrar as contas, claro. Curiosamente, Lisboa está cheia de americanos, mas Nova Iorque tem só alguns. O voo para JFK vinha vazio, já que cada americano que põe um pé em Lisboa decide por lá ficar. Ao ponto de ser absurdo que os serviços americanos da fronteira façam tantas perguntas a portugueses que visitam o seu país — meus amigos, eu vivo em Lisboa, a cidade para onde todos os seus compatriotas querem vir, acha mesmo que tenho interesse em ficar cá? Nem pensar, a vossa cerveja é muito cara. Tenho estado a refletir se não estarei moralmente obrigado, durante a minha estadia e para compensar os efeitos que a vinda de americanos ricos para Portugal tem no mercado imobiliário, a saltar quotidianamente os torniquetes do metro. Talvez sim. Os americanos em Lisboa poderão contribuir para a gentrificação, pelo que em Nova Iorque estarei comprometido em contribuir fortemente para a pelintrificação.
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