O que se segue para o nosso ex-primeiro ministro, José Sócrates? Depois de se safar de várias acusações, percebemos que a corrupção é como o amor: é tudo uma questão de timing. Crimes a prescrever, uns por mera sorte do acaso, outros devido ao que parece ser incompetência do Ministério Público, o que é certo é que José Sócrates será apenas julgado por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos. É caso para dizer que a montanha pariu um rato que por sua vez pariu uma formiga que deu à luz uma ameba coxa. Depois de tanto alarido, ver José Sócrates a ser apenas julgado por pequenos crimes de branqueamento e de falsificação de documentos seria como levar Hitler ao Tribunal de Haia e julgá-lo apenas por mau gosto relativamente a bigodes. Não estou, obviamente, a comparar os dois, até porque se há elogios que podemos fazer a José Sócrates é que sempre teve o pelo facial impecável, mesmo quando esteve preso, o que significa que teve acesso a lâminas e não nos fez esse favor em que estamos todos a pensar.

Em Portugal, são poucos os políticos que já foram condenados por corrupção, mas o que é verdade é que nem sempre lhes correu mal quando isso aconteceu. Vejamos o caso de Isaltino Morais para o qual ser preso foi fazer uma espécie de MBA da política. Saiu de lá mais magro, com mais conhecimentos e contactos ao nível do crime de colarinho branco e, por isso, com melhor currículo e mais procura no mercado de “trabalho” da política, tanto que foi logo contratado. O que Isaltino fez nem foi bem cumprir pena de prisão, foi tirar um ano sabático.

O político preso, que cumpre pena e volta ao cargo que tinha no qual cometeu os crimes é quase poético e todos sabemos como Portugal é um país de poetas e de aforismos metafóricos. O português gosta de histórias de superação, seja a do Paulo Azevedo que com quatro cotos conseguiu ser um exemplo para outros e conseguiu ter sucesso na vida, seja de políticos que têm falhas e são humanos. Se juntarmos a isso a amnésia selectiva, temos aquele cocktail de fim de tarde que os políticos adoram. Por isso é que o governo de Passos é recordado com saudades por muitos que se esquecem de que Miguel Relvas, um alegado trafulha, lá estava a puxar os cordelinhos que Passos Coelho tinha preso aos seus cotos, alegadamente. Muitos têm saudade de Cavaco, cheio de amizades e ligações duvidosas ao caso BES. Pinto da Costa continua presidente, Luís Filipe Vieira também. A corrupção está para os portugueses como o sushi está para muita gente: dizem que não gostam, mas vão experimentando em vários sítios até lhe apanhar o gosto. A corrupção está para nós como o celibato está para muitos padres: se for em doses infantis nem conta.

José Sócrates tem a vantagem de ser um político que não veio de meios elitistas nem de famílias ricas e o português gosta disso. Gostamos de pessoas que vieram do nada, pelo menos até elas terem mais do que nós. Todos gostamos do pobre que superou a adversidade, mas só até certo ponto: adoramos o pobre que conseguiu passar a remediado, mas o pobre que passou a ser rico já torcemos o nariz que alguma facilidade na vida deve ter tido, o malandro. Se há saudosistas de Salazar, como não haverá saudosistas de José Sócrates? Sim, já sabemos que Salazar era muito humilde e que nunca foi corrupto nem favoreceu ninguém e que morreu muito pobre e que, inclusivamente, o próprio do Pai Natal nem ia lá a casa dar-lhe presentes porque já sabia que Salazar era tão humilde que iria rejeitar estar na lista dos meninos bem comportados.

Por tudo isto, acho que José Sócrates deve estar com um misto de sentimentos: por um lado, safou-se de uns crimes que toda a gente sabe que foram cometidos; por outro, vai ter menos currículo caso queira voltar à política. A maioria das pessoas, se estivesse num cargo de poder, também favoreceria os amigos e metia algum ao bolso se soubesse que sairia impune. A maioria de nós fugiria, pelo menos de vez em quando, aos impostos se pudesse e fecha os olhos à corrupçãozinha do dia-a-dia. Dizem que os políticos devem representar o povo e, por isso, José Sócrates talvez seja o político que merecemos. O carisma que lhe reconhecemos talvez não seja mais do que o nosso reflexo que vemos.

Há alguns anos, fiz a seguinte profecia: José Sócrates não será considerado culpado de nenhum crime grave, receberá uma indemnização paga por todos nós pelos meses que esteve em prisão preventiva e pela forma como o processo foi tratado e, no fim, voltará à vida política com sucesso, sendo presidente da república. Parte da profecia já está cumprida. O resto é pouco provável? Talvez, mas ainda assim é mais provável do que o Sporting ser campeão este ano.

Sugestões:

Para ver: "Sorry to Bother You", na Netflix.