Ligar-me à rede mundial era uma experiência sensorial completa. Ao ligar o modem e iniciar a conexão a uma velocidade estonteante de 28,8 kbps, era impossível não ser  envolvido pelo som característico que ecoava pela casa. Aposto que também passou pelo  mesmo. Era como uma sinfonia eletrónica, uma dança entre o computador e o servidor do provedor de internet, que marcava o início da jornada online. Esse som do modem tornou-se um símbolo de uma era passada, um lembrete do ritmo mais lento e simples  da conectividade digital. 

Recordo-me muito bem das primeiras vezes que eu, os meus irmãos mais velhos, e os meus pais explorávamos a internet juntos. Tudo era novo e emocionante. Foi uma época de descobertas constantes, de aprender a navegar naquele vasto oceano de informações. 

Mas havia um aspeto que não podíamos ignorar: o custo. A internet naquela altura era incrivelmente cara e um luxo que só podíamos desfrutar por um curto período de tempo. Só nos apercebemos disso quando chegou a fatura do primeiro mês de uso, que deixou os meus pais em estado de choque. Era uma quantia significativa na época. 

Diante disso, os meus pais estabeleceram regras rígidas, limitando o nosso tempo online  a apenas uma hora por semana, geralmente às sextas-feiras. Era um contraste gritante  com a realidade atual, onde a internet está disponível o tempo todo e em qualquer lugar. 

Claro, eu não era imune à tentação de me conectar à internet de forma clandestina e, às  vezes, sentava-me em cima do modem com uma almofada para abafar o som da conexão.  Era uma pequena rebelião contra as restrições impostas, uma tentativa de prolongar aqueles preciosos momentos online. 

Mas o que fazíamos exatamente na internet nos anos 90? 

Se, tal como eu, também teve esta sorte, então certamente os próximos parágrafos irão tocar no seu coração. 

mIRC (Internet Relay Chat) 

O mIRC era uma parte fundamental da experiência online naquela época. Era o nosso portal para o mundo virtual, onde podíamos conversar em tempo real com pessoas de todo o mundo. Para muitos de nós, o mIRC era mais do que apenas um programa de chat; era um meio de fazer novas amizades, trocar piadas e explorar esse novo e emocionante canal de comunicação. 

Os canais do mIRC eram como pequenas comunidades virtuais, cada uma com a sua  própria cultura e linguagem. Era possível encontrar canais dedicados a uma ampla variedade de temas, desde jogos até música, passando por debates políticos e clubes de  fãs de séries de televisão. Era uma verdadeira torre de Babel digital, onde pessoas de diferentes países e culturas se encontravam e interagiam. 

Lembra-se de começar uma conversa com “oi”, “ddtc?”, “m ou f”, “idd”? 

Mas, atenção, caso se portasse mal arriscava-se a levar um ban/kick dos “ops” (os  administradores dos canais), conhecidos por terem uma arroba “@” antes do nickname

AltaVista 

Foi o nosso Google antes do Google, uma ferramenta indispensável para navegar pela internet e encontrar informações sobre qualquer assunto imaginável. O AltaVista foi um  dos primeiros motores de pesquisa a indexar milhões de páginas da web, permitindo aos utilizadores encontrar rapidamente o que procuravam. Era uma ferramenta revolucionária na época, que abriu caminho para a era da informação digital. 

Napster 

O Napster foi um serviço pioneiro de partilha de arquivos de música, lançado em 1999 por Shawn Fanning e Sean Parker. Ao utilizar a tecnologia peer-to-peer (P2P), permitia aos  utilizadores partilhar e descarregar músicas diretamente dos computadores uns dos  outros. Ganhou rapidamente popularidade, atingindo milhões de utilizadores em todo o  mundo, incluindo Portugal. 

No entanto, enfrentou várias ações judiciais de grandes gravadoras e artistas, como  Metallica, devido à violação de direitos de autor. Em 2001, foi forçado a encerrar as suas operações de partilha de arquivos. A marca Napster foi posteriormente adquirida e transformada num serviço legal de distribuição de música. 

O Napster teve um impacto duradouro na indústria musical, ao revolucionar a forma  como a música era distribuída e consumida, e pavimentou o caminho para os atuais  serviços de streaming de música.

Endereço de email “@mail.telepac.pt” 

Nos anos 90, em Portugal, o domínio "@mail.telepac.pt" era amplamente utilizado para  endereços de email. A Telepac, uma das principais empresas do setor de  telecomunicações e internet do país naquela época, oferecia serviços de correio  eletrónico aos utilizadores sob esse domínio. Com a popularização da internet, muitos  portugueses adotaram endereços de email com este domínio para comunicação pessoal  e profissional. Esses endereços, como utilizador@mail.telepac.pt, tornaram-se uma parte  integrante da vida digital dos portugueses dos anos 90. 

Mas isto tudo, para mim, acontecia de forma esporádica, apenas durante 60 minutos por  semana. 

Nos momentos em que não podia aceder à internet, havia outras formas de passar o  tempo. Jogar Minesweeper, olhar para os gráficos de luzes do Windows Media Player enquanto passava uma música ou até mesmo brincar com o Paint eram atividades que  preenchiam essas horas passadas no computador. 

Mas a internet dos anos 90 em Portugal não se resumia apenas a programas de chat e  motores de pesquisa. Havia toda uma cultura emergente, com comunidades online  dedicadas a interesses específicos. Os blogues e fóruns de discussão, por exemplo, eram  espaços onde os utilizadores podiam trocar ideias, debater tópicos e construir relações  virtuais. 

E, claro, não podemos esquecer os primórdios do comércio eletrónico em Portugal.  Embora ainda estivesse numa fase inicial, já era possível fazer compras online em algumas  lojas virtuais. Era uma novidade emocionante para muitos, abrir caminho para o que viria  a ser uma parte fundamental da vida digital atual. 

Hoje, olhando para trás, é impressionante perceber como a internet evoluiu desde esse  tempo. E é justamente nesse contexto de mudança e avanço tecnológico que hoje se celebra o Dia Mundial da Internet. Esta data, que ocorre anualmente a 17 de maio, é  uma oportunidade para refletir sobre o impacto da internet nas nossas vidas e para  promover a inclusão digital em todo o mundo. É uma ocasião para celebrar os  benefícios da conectividade global, mas também para enfrentar os desafios que surgiram  com ela. Questões como privacidade online, segurança cibernética e acesso equitativo à  internet tornaram-se temas importantes de discussão.

Nos finais dos anos 90, a ideia de um dia dedicado à internet podia parecer distante.  Ainda estávamos nos primeiros estágios de compreensão e utilização dessa poderosa  ferramenta. Mas à medida que a internet se tornou cada vez mais integrada na nossa  sociedade, tornou-se claro que era necessário celebrar e reconhecer a sua importância. 

Agora, nos tempos que correm, sou da opinião que a Inteligência Artificial (IA) Generativa é a nova internet que promete transformar as nossas vidas de maneiras que antes só  podíamos imaginar. Enquanto a internet revolucionou a forma como interagimos e  acedemos à informação, a IA promete levar essa revolução para o próximo nível. Com  algoritmos avançados e capacidades de aprendizagem automática, a IA está a moldar  todos os aspetos das nossas vidas, desde a assistência pessoal até à medicina  personalizada e à condução autónoma. 

Mas, ao olharmos para trás, é fascinante recordar como tudo começou. Qual é a sua primeira memória da Internet?