Ao contrário do que habitualmente acontece, a parte mais divertida desta parceria entre o Urbanista e o SAPO24 não é escrever. É ler os comentários de alguns homens. Apesar de serem maleficamente escritos e publicados atrás do anonimato que a web permite, alguns comentários permitem tomar o pulso a um certo público que visita esta página. Se o primeiro texto foi escrito ignorando quem o poderia ler, na passada semana espicacei o machismo. Não resisto a dar-lhes razão, reconhecendo que esta coisa dos direitos das mulheres é um verdadeiro disparate. Ou não.
Justin Trudeau, aquele Primeiro Ministro canadiano verdadeiramente progressista argumenta que, ser feminista é defender a igualdade e o respeito, admirando-se com a excessiva atenção que os media e o Twitter dão às suas afirmações. Como se fosse estranho. Justin, por favor… É estranho. Trudeau afirma que irá repetir as suas ideias até que tal deixe de ser notícia. Well done! Recentemente, na revista Newsweek, António Guterres defendeu que da marginalização social e desrespeito pelos direitos civis resultam muitos conflitos, pelo que os direitos homem devem estar no centro da discussão política, promovendo igualmente maior protecção e capacitação das mulheres, para garantir um desenvolvimento sustentável. Definitivamente, ou estes dois são parvos ou feministas, para estarem publicamente a fazer estas afirmações. De qualquer forma, deve ser igual. Ou não.
Na Suécia o Governo acredita que homens e mulheres devem ter o mesmo poder de influência na sociedade e na forma como vivem as suas vidas, declarando-se um governo feminista, dissociando a palavra da sua conotação negativa e associando-a à igualdade de género, enquanto define políticas que garantem que todas as pessoas têm oportunidades iguais, os mesmos direitos e obrigações equivalentes em todas as áreas. Também são parvos? Não. São feministas.
No dia 24 de Outubro de 1975, 90% das mulheres islandesas pararam: não trabalharam, cozinharam ou cuidaram de crianças. O efeito desta paragem foi de tal forma relevante que ainda hoje se recorda este dia em particular e o seu impacto para o reconhecimento do papel da mulher na sociedade. Afinal, mesmo mal pagas e pouco valorizadas, são indispensáveis em casa e outros domínios. Pois.
Em 2016 as islandesas também pararam, desta vez pela igualdade de salários. Ninguém trabalhou depois das 14:38. Contas feitas, teremos de esperar até 2068 para que os salários sejam iguais. Até lá as islandesas vão parando. E nós?
Discreta e silenciosa, a revolução que derrubará tradições e conservadorismo social que nega às mulheres o direito a serem quem quiserem, independentemente do suposto papel social subalterno de mãe, fada do lar e cuidadora, vai-se fazendo. É também esse movimento que lhes vai permitir fazer o que quiserem, a decidirem sobre casamento e maternidade, independentemente do preconceito social. Essa revolução deverá ser também uma mudança na mentalidade feminina, tantas vezes pequena na ambição e cruel na relação consigo mesma. Ao contrário dos homens, raramente a irmandade feminina acontece. Eles protegem-se, cobrem-se, ajudam-se. Na infidelidade, no trabalho e em tantas outras coisas da vida. Sobre isto, gosto muito daquele argumento que afirma que as mulheres não foram talhadas para a tomada de decisão, que são fracas e emocionais. Há mulheres assim, de facto há. Contudo, a maioria é calculista, manipuladora e dissimulada, tomando decisões frias sem apelo nem agravo. Sem ponta de emoção, aquela que alguns julgam caracterizar as mulheres… Tão queridas que elas são… Nós, mulheres (algumas mulheres) expomos, criticamos, coscuvilhamos, maltratamos. Tudo, por nada.
Há excepções: homens muito velhacos e grupos de mulheres que, juntas, são melhores do que a soma das partes. Nenhum dos casos representa a regra, sendo essa a regra que a tal revolução fará acontecer. Desenganem-se aqueles que acham que isto do feminismo e das mulheres exigirem direitos iguais é contra os homens. Não é nada mais do que pelo direito: à diferença, à individualidade, ao género ou à raça sem qualquer tipo de discriminação. Positiva ou negativa, porque obrigar as organizações a ter mulheres, pretos e gays muda muito pouco. É como uma casa para arrendar remodelada à qual se mudam os móveis da cozinha sem mudar a canalização. Em menos de nada volta tudo ao mesmo. Por isso, mais do que mudar a sociedade é urgente mudar a mentalidade conservadora, machista e tradicional que prevalece, reservando às mulheres o lugar na cozinha. Essa, que está com móveis novos e canalizações antigas…
Paula Cordeiro é, entre outras actividades consideradas (mais) sérias, autora do Urbanista, um híbrido digital que é também uma aplicação para smartphones. Baseado em episódios diários, o Urbanista é um projecto para restaurar a auto-confiança perdida e denunciar o preconceito social. Na verdade, os vários preconceitos sociais (raça, género, orientação sexual e outros difíceis de catalogar), embrulhados num estilo de vida saudável, urbano e divertido.
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