A minha ideia – que vale o que vale – sobre a rainha Isabel II de Inglaterra mudou com uma série de televisão. Porventura outras pessoas terão ficado com ideias, boas ou más, a partir da mesma vida ficcionada. A série chama-se The Crown e, claro, a família real já fez saber que nada do que ali está foi mesmo assim. Talvez sim, talvez não, ninguém saberá e mesmo os que trabalharam para a Coroa inglesa, e que se permitem quebrar o contrato e o acordo de confidencialidade, reconhecem que a série tem muito de verdade. Isabel II não foi uma rainha como as outras rainhas europeias. É um ícone, alguém que possuía uma ideia de monarquia e manteve o trono durante 70 anos sem vacilar, sendo também alguém que inspirou gerações e gerações de pessoas.

Muitos acreditam que a princesa Diana terá sido um verdadeiro furacão na vida da rainha. Outros preferem apontar incidentes políticos e até com os filhos e respectivos mexericos (o escândalo que tomou conta de Andrew é demasiado público para ser varrido para debaixo do tapete, e a rainha apressou-se a retirar o filho dos eventos oficiais). Isabel II manteve-se na sua tranquilidade aparente, um meio sorriso, as luvas, a pequena mala pendurada no antebraço. No jubileu aceitou partilhar um momento com uma das figuras de animação mais queridas do Reino Unido, Paddington. Não partilharam uma refeição, mas comoveram muitas pessoas pelo mundo fora.

Para mim, Isabel II é a última da sua espécie: tudo pela coroa, a coroa acima de tudo. Não escolheu ser rainha, aconteceu-lhe e talvez isso tenha secado grande parte da sua capacidade de expressar afectos. Afinal, a rainha não manda. Não por ser soberana de uma monarquia constitucional, mas porque a máquina da coroa tem um poder único e, por isso, gestos de vontade própria terão sido poucos. Com The Crown percebemos isso mesmo: a coroa é uma identidade, algo que a máquina dos funcionários obedientes a um código e a um protocolo mantêm viva, consistente, talvez fora dos tempos, mas quem mede o tempo?

Aprendemos nos contos de fadas e nas histórias infantis que os príncipes e princesas são mais bonitos, serão felizes por destino ditado e nunca morrem. Morreu Isabel II. Não estou certa de que ela tenha sido feliz. Já o destino, foi-lhe imposto e a rainha terá acabado por incorporar a personagem no seu esplendor. Foi diplomata, foi política, foi observadora. Tenho dificuldade em vê-la como mãe ou como avó, mas parece-me natural, a privacidade sempre se definiu por isso mesmo, ser privada. A contenção pública significou serviço e a crença numa ideia, num legado. Carlos III não será igual à mãe, mas fará um exercício de continuidade.

As imagens de despedida em Inglaterra mostram que a monarquia, com todos os excessos, escândalos e gastos financeiros, é acarinhada. O que significam as sucessivas demonstrações de carinho? Validam a monarquia? Ou será que o carinho não vai para lá de Isabel II? Uma coisa é certa, o mundo parou para ver as cerimónias fúnebres da rainha, talvez ela possa ser vista como um exemplo, alguém que outros aspiram a ser, talvez como influencer tão somente. A verdade é que Carlos, que não parece ter o carisma da mãe, foi acolhido com entusiasmo. Não resistimos a uma história de rainhas e príncipes, pois não?