Todos sabemos que 2020 foi um ano cheio de desafios e preocupações. Mesmo para quem pensava que já tinha vivido o maior susto da sua vida, uma doença oncológica na infância ou juventude, surgiu este maldito vírus que, apesar dos progressos, sabemos que vai continuar a sua estadia por mais uns tempos.
E apesar do enorme desafio atual que é a pandemia, os jovens doentes de cancro pediátrico e sobreviventes continuam firmes e cheios de vontade de continuar a lutar pelos seus pequenos grandes desafios. Por isso, aqui deixo os meus desejos para este novo ano.
É meu desejo que não sejam esquecidos todos aqueles para quem o isolamento, as máscaras e o álcool-gel não foram uma novidade.
Aqueles que desde muito cedo nas suas vidas ouvem a frase “vai ficar tudo bem”.
Aqueles pelos quais profissionais de saúde exemplares fazem todos os esforços, com o objetivo de assegurar ficam mesmo bem.
Que não sejam esquecidos todos os que olham o mundo pela janela do seu quarto de hospital, afastados de quem mais gostam; aqueles que estão ligados virtualmente aos seus familiares não apenas no Natal ou Ano Novo, mas durante um ano inteiro de tratamentos.
Que possam existir metodologias de acesso ao ensino à distância que permitam às crianças e jovens em tratamentos sentirem-se motivados e aproximá-los da realidade escolar — tal como aquelas que foram criadas e reforçadas no início da pandemia para toda a comunidade escolar, apesar de, devido à falta de recursos, as escolas não conseguirem proporcionar um igual acompanhamento a todos.
É também meu desejo que não sejam esquecidos os pais e cuidadores destas crianças e jovens que não podem parar o tempo e retomá-lo quando tudo estiver bem. Que ficam com os seus projetos de vida parados, cheios de incertezas. Que fazem quilómetros de carro ou de avião para estarem num hospital de referência em oncologia pediátrica e um esforço enorme para poderem acompanhar os seus filhos doentes, sabendo que muitas vezes poderão ser prejudicados, por exemplo, a nível profissional.
Em Portugal, como noutros países desenvolvidos, a taxa de sobrevivência de cancro pediátrico é de 80%. É meu desejo para 2021 que se continue a dar importância a uma melhor qualidade de vida dos sobreviventes deste tipo de cancro, assim como à diminuição dos desafios na sua reintegração na vida social após a doença.
É meu desejo que todos os jovens sobreviventes possam ter uma consulta de acompanhamento médico, o chamado follow-up, para poderem estar informados das possíveis sequelas da doença, assim como dos efeitos de longo termo dos tratamentos que realizaram. É meu desejo que possam ter depois uma eficiente transição dos cuidados pediátricos para os adultos. Estas consultas, devido à pandemia, e consequente trabalho suplementar dos profissionais de saúde, foram adiadas e muitas não foram reagendadas.
Desejo que no acompanhamento estes sobreviventes possam ter a oportunidade de seguir as recomendações de um médico especialista em oncologia, assim como de outros profissionais de saúde, como um nutricionista ou um psicólogo, que para além de informarem sobre os possíveis riscos futuros, indicam também estilos de vida que estes devem adotar e como cuidar da sua saúde mental.
Desejo de igual modo que não sejam esquecidos os casos em que existe discriminação financeira sobre sobreviventes de cancro pediátrico. Nomeadamente, quando tentam obter um empréstimo de um banco, o que implica declarar que tiveram uma doença oncológica na realização de um seguro de vida. Esta situação é também observada no caso de estes quererem adquirir um seguro de saúde. Este rótulo do seu passado faz com que lhes sejam apresentados valores inaceitáveis ou simplesmente é-lhes negado o serviço.
É meu desejo que os sobreviventes de cancro pediátrico possam ter em Portugal uma lei do direito ao esquecimento, onde a partir dos 5 anos após o tratamento sejam “esquecidos” e deixem de ter de apresentar o seu histórico clínico às instituições de serviços financeiros, passando a ser tratados como qualquer outro indivíduo. Esta lei está já em vigor em 4 países europeus (França, Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos) e inclui também o direito ao esquecimento para os sobreviventes de cancro em fase adulta, após 10 anos do tratamento.
Por último, desejo que possa existir uma maior cooperação entre centros de referência de tratamento de cancro pediátrico, uma maior eficiência na gestão de recursos e instrumentos para a recolha de dados sobre os efeitos de longo termo e sobre a qualidade de vida dos sobreviventes deste tipo de cancro. Dados estes que podem ser usados para promover a investigação em oncologia pediátrica ou ter uma visão desta população num próximo registo oncológico pediátrico.
Por tudo isto: 2021, não te esqueças de nós.
A Acreditar existe desde 1994. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio em todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional, logístico, social, entre outros. Em cada necessidade sentida, dá voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias. A promoção de mais investigação em oncologia pediátrica é uma das preocupações a que mais recentemente se dedica. O que a Acreditar faz há 26 anos - minimizar o impacto da doença oncológica na criança e na sua família - é ainda mais premente agora em tempos de crise pandémica.
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