Em Gaza continuam os raids, como em cada dia dos últimos 11 meses, para devastar mais o que ainda resta. Na Cisjordânia seguem as incursões, as eliminações ditas cirúrgicas, e aumenta a ocupação desta terra palestiniana por colonos israelitas que já ali instalaram uma estrutura paramilitar. No Líbano, agora já não são as escaramuças de intensidade variável entre a Hezbollah e Israel. É a guerra aberta.

Netanyahu passa a dar prioridade à terceira frente e assim realimenta a engrenagem de guerra que para o interesse pessoal dele, é um meio de sobrevivência política e de fuga à justiça israelita e aos mandados de captura internacionais. A tensão gerada pelo brusco disparo da guerra no Líbano também permite a Netanyahu sufocar a voz de protesto que estava cada vez mais levantada das famílias e amigos dos reféns que continuam nas mãos do Hamas – e que Netanyahu escolhe deixar para trás. Não quer negociá-los porque isso também implicaria a paragem da guerra, o que não lhe interessa.

Nesta última semana, as forças militares (IDF) e os serviços secretos (Mossad) israelitas atacaram por três vezes a capital libanesa. Embora seja evidente que Israel desencadeou todos estes ataques, só o terceiro foi oficialmente reivindicado. Este, com um objetivo preciso: eliminar Ibrahim Aquil, veterano comandante militar da Hezbollah, chefe da força Al Radwan, unidade de elite militar da Hezbollah, um dos cérebros do ataque embaixada americana em abril de 83 (63 mortos) e à base dos “marines” EUA em Beirute (243 mortos), em outubro desse mesmo distante ano de 1983. Os EUA mantinham ativa a recompensa de 7 milhões de dólares pela captura de Ibrahim Aquil. Os serviços secretos israelitas localizaram-no e a força aérea eliminou-o nesta sexta-feira.

Os serviços secretos de Israel, obviamente muito infiltrados nas estruturas, incluindo as de topo da Hezbollah, sabiam que o Conselho de Guerra da Jihad, máximo órgão militar da Hezbollah, estava reunido em Al Jammous, no centro do bairro de Haret Hreik, bastião da Hezbollah na cidade de Dahiye, nos subúrbios densamente povoados de Beirute, para sul.

Dahiye, era nos anos 60 do século passado, quando Beirute aparecia nos folhetos turísticos como a Suíça do Médio Oriente, uma zona residencial de elites libanesas, a maioria cristãs. Com as imparáveis guerras abertas nos anos 80, que mergulharam em guerra civil milícias armadas de várias comunidades, sobretudo a xiita, a druza e a cristã, houve grande mutação em Dahiye: Musa Sadr, um rico homem de negócios, de origem iraniana e fervoroso xiita, com grande capacidade organizativa, mobilizou fundos para causas sociais e humanitárias.

Assim começou a juntar-se em Dahiye gente entusiasmada pelo triunfo popular de Khomeini à cabeça do Irão e do movimento xiita. Musa Sadr promoveu então a criação das milícias Amal, forças militarizadas libanesas que também incorporaram sírios e iraquianos, treinados por Pasdaran, guardas da revolução khomeinista no Irão. Esta milícia Amal, criada em Dahiye, nos arredores de Beirute, seria um dos embriões para o surgimento, em 1985, da Hezbollah, com a pretensão de ser o “partido de deus Alá”, que viria a tornar-se o maior exército não estatal no mundo. Julga-se que tem mais de 100 mil combatentes. Está agora no alvo principal de Israel, embora as duas partes estejam vai para 40 anos em guerra contínua de intensidade variável.

Nestas quatro décadas, muitos antes residentes no vale de Bekaa e em outras regiões do sul do Líbano no alvo de Israel vieram a recuar para Dahiye, hoje com mais de meio milhão de habitantes, mais que a população da vizinha cidade de Beirute.

Esta sexta-feira foi o terceiro dia de terror israelita em Dahiye. Já tinha havido na terça-feira a sofisticada explosão dos pagers, depois, na quarta-feira, o rebentamento dos walkie-talkies, tudo isto em múltiplos lugares do Líbano e até da Síria e do Iraque. Na sexta-feira, dois mísseis israelitas precipitaram o caos em Dahiye.

Este ataque israelita, para além de eliminar Ibrahim Aquil, matou, na contagem provisória, pelo menos mais 13 pessoas e feriu cerca de 60, a maior parte vítimas colaterais civis. Incluindo duas crianças mortas nesta ação de guerra que Israel praticou no Líbano.

No espaço de quatro dias, Israel desferiu três golpes devastadores que mostram muita vulnerabilidade da Hezbollah, em grande contraste com a confiança que o líder Nasrallah proclama por entre anúncios de ataques a Israel.

É facto que na mesma jornada de sexta-feira a Hezbollah lançou uns 200 mísseis sobre a Galileia e o Golã. Anunciou ter atingido oito bases militares israelitas. São visíveis estragos provocados por esses mísseis em áreas desabitadas e no asfalto de uma autoestrada, a 90.

Na véspera, a tropa israelita, tinha lançado pelo menos 70 mísseis, no espaço de 20 minutos, sobre o território do Líbano. Sabe-se que alguns atingiram plataformas lança-mísseis da Hezbollah.

Também há evidência de deslocação de tropas israelitas das áreas devastadas de Gaza para o norte de Israel, a fronteira com o Líbano.

Os relatos que chegam de Beirute referem sensação de tempo suspenso. Com o temor de que de um momento para o outro a capital libanesa possa voltar ao inferno da guerra que tanto a massacrou nos anos 80 e em 2006.

Muita gente no Líbano, sobretudo muita da gente jovem que ainda ali permanece, lastima que Nasrallah e a Hezbollah estejam instalados naquela terra.

Muita gente em Israel, onde há imprensa livre e influente, lastima que Netanyahu esteja a sobrepor o interesse pessoal ao do país e a destroçar a democracia israelita com a prática de crimes de guerra idênticos aos praticados pelos inimigos.

Netanyahu em Israel, Nasrallah no Líbano, Sinwar em Gaza, é gente que não olha a meios para consumar o mal.

É perturbador que os líderes do mundo civilizado não consigam parar estas criaturas do ódio.