Porventura o leitor já terá dado conta, uma vez que as últimas duas crónicas foram um claro exercício de exibicionismo do excursionista (patologia também conhecida por verborreia do viajante), mas recordo que vim passar uma temporada em Nova Iorque. Vim para a cidade que, apesar do largo estoque de comprimidos de melatonina disponível em qualquer mercearia, não dorme. Para a cidade em que há sempre algo para fazer a qualquer hora do dia e da noite; onde se pode provar iguarias de toda a parte; na qual é possível assistir a um manancial de performances artísticas; frequentar todo o género de museus; conviver com todas as comunidades do globo. Sim, o sítio em que poderia finalmente pôr em prática o meu fetiche por cosmopolitismo, serrar as raízes e ser finalmente, não lisboeta, não português, mas um cidadão do Mundo. Posto isto, bom, já fui duas vezes a Newark.
Julgava que era uma pessoa resistente à distância de casa, porém, nem uma semana tinha passado e fui logo à procura de uma Super Bock. Custou quase dois contos na moeda antiga - ainda assim, foi a mais barata passagem aérea para Portugal que encontrei. Na verdade, mais do que a cerveja em si, eu estava à procura de uma esplanada com chapéus de sol com o logótipo de uma das cervejas nacionais. Que tanto poderia ser a que acabei por beber ou Sagres - isto é a diáspora, não há espaço para batalhas regionais.
Naturalmente, escolhi ir ao subúrbio lusófono no dia em que a seleção jogava, até porque só faz sentido vestir a camisola em New, lá está, Jersey. Já é raro encontrar neste país um bar que transmita futebol a sério, mais bizarro ainda é encontrar um café que passe jogos de Portugal, frequentado por homens com a camisola do Ronaldo que não pareciam sequer saber falar português. Como é que eu sei? É um palpite. Talvez tenha só sobrestimado a quantidade de espectadores que eu calculava que me acompanhassem no ímpeto de gritar “golo, caralh*”.
Voltei uma segunda vez a Newark, já que ia assistir a um espetáculo que acontecia lá. Ou então decidi comprar bilhetes para esse evento porque a sala de espetáculos era em Newark - não sei, remeto a conclusão para a minha psicoterapeuta. Honestamente, encontrando-me no país que mercantilizou a comida de conforto e que mergulha galináceos em óleo como quem comete genocídio, tive um irreprimível desejo de frango assado. E, notem, eu nem sequer sou entusiasta da iguaria. É possível que toda esta inaceitável birra de saudade precoce se deva só a muito fear of missing out em relação ao regresso, depois de dois anos de pandemia, dos Santos Populares. Na volta, ainda apareço em Little Portuga na noite de dia 12 para ver o que é que se passa: dir-me-ão que me poderia contentar com o 4 de julho, mas um barbecue não tem nada a ver com um churrasco. Dizem-me aqui que a grande vantagem de Newark é que fica a meia hora de Manhattan; a mim dá-me ideia que a grande vantagem de Manhattan é que fica a meia hora de Newark.
Comentários