A situação em França tem sido explicada por todos os media, inclusive aqui no SAPO24, para não recuar mais, tudo começou em Junho - parece que foi ontem… - quando na eleição dos 81 deputados franceses para o Parlamento Europeu, “La France Revient” (o último nome do partido de Martine le Pen, a “Rainha”) obteve 31,37% - 30 deputados - muito acima de todos os outros partidos concorrentes.
“La France Revient” já tinha ganho 23,44% dos deputados europeus em 2019, mas esta subida robusta não deixava dúvidas de que a direita radical estava em crescimento contínuo. O partido do Presidente, “Renaissance”, rebatizado de “Besoin d’Europe” ficou com uns tristes 14,3%, 13 deputados.
(Temos saudades dos tempos em que os partidos políticos franceses se chamam socialista, comunista, social-democrata, republicano, etc. e toda a gente percebia a sua cor; agora estes nomes foram substituídos por títulos de fantasia, que ainda por cima fazem coligações com nomes mais farfalhudos, o que torna muito confuso distinguir as velhas divisões direitistas e esquerdistas que, evidentemente, continuam a existir. Adiante.)
Voltando à vaca fria, embora as eleições para o Parlamento Europeu não tenham nenhum resultado prático no xadrez interno, ou seja, não mudam nem o Presidente, nem o Governo, nem a Assembleia Nacional, é evidente que uma vitória tão desgarrada do “Rassemblement” tirava estatuto ao Presidente - e também à esquerda, uma vez que “La France Insoumisse” (leia-se comunistas de várias tendências e socialistas) ficou ainda pior, com apenas nove deputados.
O que fazer? Nada, por exemplo, e esperar pelas próximas legislativas. Mas Macron (o “Rei) decidiu-se por uma fuga para a frente, e convocou imediatamente legislativas adiantadas para daí a menos de um mês, 29 e 30 de Junho, com o segundo turno a 7 de Julho. Valente, ou desesperado, conforme as opiniões, uma vez que até hoje ninguém sabe o que lhe passou pela cabeça.
Os resultados foram interessantes: o Rassemblement ficou em segundo na contagem final, com 142 deputados. Os vários partidos de centro e centro-direita que se uniram à pressa para salvar Macron, sob o título “Emsemble pour la Republique” ainda conseguiram chegar aos 150 deputados; e as esquerdas, também unidas à pressa como “Nouveau Front Populaire” ganharam, com 178 eleitos.
Ficou assim uma situação tripartida em que nenhuma das três forças, extrema-direita, centro-direita e esquerda, tem votos parlamentares para governar sozinha, nem a mínima vontade de se aliar a outra. O chamado impasse, que levantou novamente a pergunta: o que fazer? Mellenchon, sempre dramático, exigiu que o novo primeiro ministro fosse do Front, dado que tinha uma maioria, mesmo relativa que fosse. Le Pen, sempre arrogante, exigiu que Macron se demitisse. Macron, sempre impávido, fez de conta que não tinha acontecido nada e nomeou um primeiro ministro do seu partido, Michel Barnier - (é de salientar que, por lei, só poderá haver novas legislativas dentro de um ano).
Barnier, um político experiente e muito conhecido por ter representado a UE durante as mirabolantes negociações do Brexit, formou governo e fez o que um novo governo faz: apresentou o orçamento para 2025.
Claro, óbvio e evidente: o orçamento não foi aprovado e ainda levou com uma moção de censura da extrema direita e da esquerda. Conseguiu assim ter o governo mais curto da História da República, cerca de três meses.
E agora? Constitucionalmente, Macron terá de nomear um novo primeiro ministro. Poderá ser novamente Barnier - um “non starter”, como dizem os norte-americanos, o que quer dizer, em tradução livre, uma inutilidade, que levará a nova demissão. Ou poderá ser qualquer outro - os candidatos são vários - o que parece uma simples teimosia, ou uma teimosia simples, uma vez que já se sabe que será liquidado pela coligação da maioria contra-natura da extrema direita e da esquerda.
A única coisa que Macron pode fazer, além de atirar para o parlamento sucessivos primeiros ministros mortos à nascença, é demitir-se. Mas, também parece claro que se Macron se demitir as presidenciais serão ganhas por Le Pen (ou pelo seu protegido, Gabriel Atal).
Ou seja, Macron não pode demitir-se, mas não tem sustentabilidade para ficar.
Seria talvez altura de nos lembrarmos de que foi uma situação idêntica que levou à vitória de Adolf Hitler, na Alemanha, em 1933: a esquerda recusou-se a aliar-se com os sociais democratas, abrindo caminho aos nazistas. É de pensar que os comunistas (ou para-comunistas), que se gabam de ser os analistas “científicos” da História, não estarão a precisar de mudar de óculos. Parece que não sabem ler o passado e não veem que convém “tapar a cara do candidato” (Cunhal dixit) e apoiar o centro para travar a extrema-direita.
A única diferença estratégica no caso da França atual é que a senhora Le Pen não pode esperar pelas presidenciais de 2027, porque está a responder por um processo de desvio de fundos europeus que, caso seja declarada culpada, a impede de se candidatar. Mas ela pode escolher o seu delfim - de qualquer modo o Rassemblent é o favorito para 2027. Contudo, o país não pode esperar dois anos, com ou sem Le Pen, para ter um Governo que governe, apoiado por Macron.
Para os analistas políticos, a situação é muito interessante. Mas para a França e os seus cidadãos, é catastrófica. A economia está em dificuldades, há problemas europeus a resolver, e não é possível ficar dois anos a brincar aos primeiros-ministros sem andar para a frente nem para trás.
O que vai acontecer? Como famosamente disse Bette Davis :”Apertem os cintos de segurança porque vai ser uma viagem agitada”.
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