As ideias consensuais. Uma proposta partilhada pelo atual Governo é o acesso a medicamentos de dispensa hospitalar através da rede de farmácias comunitárias. É certamente uma ideia que fará o seu caminho, embora se deva ter a noção de que muito provavelmente irá exigir verbas adicionais para a sua concretização.
Isto significa que terá de ser definido se essas verbas são canalizadas para os hospitais (agora, unidades locais de saúde na sua maioria), que depois remuneram as farmácias, ou directamente para as farmácias, pagas através de uma entidade do SNS. Será necessário saber se esta dispensa é decidida por contrato bilateral entre cada farmácia e cada hospital, ou se é obrigatória ao abrigo de um acordo global ou imposição legal. Também a ausência destes detalhes é partilhada.
Outra ideia partilhada é a criação de mais unidades de saúde familiar modelo B (USF-B), sendo que atualmente o Governo anunciou, a meu ver bem, a disponibilidade para todas as USF modelo A passarem a modelo B quase imediatamente.
Também a ideia dos orçamentos plurianuais para as unidades de saúde do SNS (e para o SNS, o que obrigará a criar algo que não existe atualmente – um orçamento do SNS publicamente divulgado), é partilhada e falada há vários anos. Haverá que resolver as questões técnicas associadas à criação do Orçamento do Estado em cada ano, para o que parece existir um consenso alargado.
As ideias que dificilmente irão funcionar (ou que poderão ir até no sentido contrário ao pretendido). A que mais chama a atenção é a criação de um fundo para a inovação em saúde. Essa ideia já foi explorada no Reino Unido, com sucesso duvidoso, na medida em que facilmente se podem gerar situações em que são gastos fundos em inovação de pouco valor terapêutico adicional.
Outra ideia que poderá funcionar mal é a extensão da ADSE a outros grupos populacionais. Se a ADSE for vista como parte das relações laborais entre o Estado e os seus trabalhadores, como parece ser entendimento geral, então não fará muito sentido essa abertura global.
Além disso, o desenvolvimento de uma solução mutualista não é impedido formalmente, pelo que a ausência de outras “ADSE” não ligadas a profissionais do sector público deve fazer pensar que provavelmente haverá problemas com soluções mutualistas.
Pelo menos dois problemas potenciais devem ser analisados e resolvidos antes de se avançar: a) as regras atuais do mutualismo permitem um funcionamento ágil e saudável de uma entidade mutualista dedicada à cobertura de riscos de saúde? b) qual a dimensão mínima critica para que essa entidade possa sobreviver?
Depois de respondidas estas questões, outras existem, de natureza técnica.
Afirmar que se vai ou que se quer eliminar os casos “azuis” e “verdes” nas urgências hospitalares será provavelmente fonte de frustração e incapacidade de resolver o problema. O problema não está nas cores da triagem, pois será quase inevitável que haja algumas situações de “azuis” e de “verdes”, classificação atribuída depois de uma primeira observação no hospital e antes da qual não será possível o cidadão saber exatamente que situação tem.
O objetivo de reduzir a utilização das urgências é adequado, mas necessita de mais atenção do que apenas falar em “azuis” e “verdes”, até porque isso cria pressão para que na avaliação feita seja tudo mais “amarelo”.
As boas ideias (e que vale a pena explorar em mais detalhe). Na atualmente quente situação dos profissionais de saúde e na sua relação com o SNS são mencionados os três aspetos cruciais de condições remuneratórias, e de trabalho de forma mais geral, de diversidade e flexibilidade no tipo de contratos possíveis e de necessidade de uma perspetiva de desenvolvimento profissional ou de carreira.
Falta juntar-lhe uma visão de longo prazo, com os desafios e soluções possíveis para horizontes de médio e de longo prazo.
Inevitavelmente, os detalhes das contas e das regras serão cruciais, e não há sobre isso muito dito (num desenvolvimento dessas ideias, será útil ter uma quantificação de custos, mas também do tipo de gestão e planeamento exigido às unidades de saúde do SNS).
A proposta de um médico de família digital é interessante, sendo evidente que não pode ser para todas as pessoas, pelas características que terá. É interessante porque a utilização de meios digitais (teleconsultas, mas também telemonitorização) permite que o médico e o doente não precisem de coincidir no mesmo espaço físico para terem uma relação útil.
Contudo, duas questões, pelo menos, precisam de ser resolvidas: quando o doente precisar de observação física, como e onde se concretiza? E qual a relação de trabalho, relação contratual, do médico de família digital com o SNS?
A possibilidade de criação de uma rede de centros ambulatórios merece ser explorada, pois não é claro o que significa exatamente e como se ligará com as restantes unidades do SNS.
Havendo também uma intenção de desenvolver sistemas locais de saúde, como é que tudo se organiza dentro desse sistema, com a criação de mais uma rede (além da rede de unidades de cuidados de saúde primários, da rede de cuidados continuados, da rede hospitalar, da rede de cuidados paliativos, da rede de farmácias, da rede de cuidados e apoio sociais associada às autarquias, etc)?
Na lógica de desenvolvimento de atividades de promoção da saúde, o acesso a um check-up anual de cada cidadão é uma proposta que permite colocar essa ideia mais presente junto das pessoas, mais do que falar em literacia em saúde ou alteração de hábitos de vida (que virão depois, na sequência de uma maior atenção das pessoas).
Por tudo isto, os próximos tempos deverão ver a apresentação de mais detalhes de algumas destas propostas do PSD, com a esperança de uma discussão honesta sobre elas e com a expectativa de não serem consideradas, por razões puramente de jogo político, pelo Governo. Fica a curiosidade de saber como serão tratadas as que chamei propostas consensuais.
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