As eleições presidenciais em Itália podem ser comparadas com os conclaves que designam o Papa. Passam por muitas negociações nos bastidores para que os 1.009 “grandes eleitores” (630 deputados, 321 senadores e 58 representantes das regiões) cheguem a um nome que às vezes aparece de surpresa no último momento de muitas votações eliminatórias. Não é costume as presidenciais italianas serem tema internacional principal. Desta vez são. Porquê?
Porque a Itália, que tem tradição de viver em turbulência ou até caos político permanente (dez chefes de governo diferentes só no que vai deste século XXI), encontrou no último ano a estabilidade e harmonia política que parecia impossível. Mas que, agora, a eleição presidencial ameaça desmanchar.
A liderança que tornou possível este último ano exemplar na condução política de Itália, com recuperação de prestígio no topo da Europa, é de dois homens: o presidente Sergio Mattarella e o primeiro-ministro Mario Draghi.
O chefe de Estado em final dos sete anos de mandato, o jurista Mattarella, goza de altíssima simpatia popular quantificada em apoio de cerca de 70% do eleitorado e é a personagem mais querida e respeitada pela maioria dos dirigentes políticos e sociais em Itália. Mattarella é um presidente que mostrou sempre grande seriedade, serenidade e humanismo. Tem sabido ter pulso firme para manter a Itália conforme os princípios democráticos da República que é fundadora da integração europeia. Ele recusou um nome proposto para ministro da Economia por ser adversário de valores europeus e travou as posições soberanistas da extrema-direita. A maioria dos italianos deseja que Mattarella tenha um segundo mandato de sete anos, mas ele invoca a idade atual (80 anos) para se retirar.
Sergio Mattarella confirma a tradição italiana de presidentes muito populares e respeitadíssimos (Sandro Pertini, Giorgio Naplitano), acima das turbulências do fragmentado sistema partidário italiano.
Mattarella soube encontrar um líder para pôr ordem no país: Mario Draghi.
Draghi é “Super Mario”, o homem que como líder do Banco Central Europeu (BCE) salvou o euro na crise financeira de 2012. Foi ele quem em 26 de julho de 2012 mostrou a força de três palavras – whatever it takes - na frase que ficou para a história europeia: “O BCE fará tudo o que for necessário para salvar o euro e, acreditem, será suficiente”. Com esta frase corajosa, pronunciada em cumplicidade com Angela Merkel e a forçar o pulso do ortodoxo Jens Weidmann, patrão do Bundesbank, Draghi reforçou o estatuto de líder.
Ao terminar o mandato no BCE Draghi regressou à Itália natal, com a paisagem política como sempre envenenada por desavenças e cisões. O Movimento 5 Estrelas, populista e maioritário (33%) que tinha começado por ser parceiro da Liga (17,5%), extremista soberanista, de Salvini, virou-se para o Partido Democratico (18,7%) alinhado com a família socialista. Todos os partidos estavam atravessados por dissidências. Uma dúzia de partidos a gritar no parlamento e muita discórdia sobre o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, proposto pelo 5 Estrelas. Conte acabou por cair numa votação parlamentar. A Liga, de Salvini, queria forçar eleições.
O presidente Mattarella decidiu impor-se. Puxou um ás de trunfo: convidou o credenciado “Super Mario” e Draghi aceitou. Mario Draghi não deixou dúvidas sobre quem é: um banqueiro liberal “com coração social-democrata”, católico, técnico supercompetente que tem inteligência política, que agrada à direita clássica e que é respeitado pela esquerda.
Draghi formou governo com ministros escolhidos por ele em nove dos partidos e entre independentes. Fixou uma agenda audaz: não apenas reconstruir o país (vai ter 200 milhões da bazuca europeia), mas também impulsionar a profunda reforma política de Itália. Definiu prioridades para a reforma económica e também para a administrativa, com ação imediata no corte da labiríntica burocracia italiana e agilização do sistema de justiça.
As coisas estão a funcionar e a taxa de aprovação do governo Draghi é muito alta. Tão alta que há quem, com aspirações de futura chefia do governo (sobretudo à direita, em especial Salvini), esteja inquieto com a perspetiva de longo mandato de Draghi.
É assim que, quando ficou irreversível a decisão do presidente Mattarella não se recandidatar, foi lançado o nome de Draghi para a sucessão presidencial.
Draghi tem perfil consensual para o cargo, mas a escolha dele para presidente iria voltar a descompor o governo e, provavelmente, a paralisar as reformas em curso. Daí o influente Partido Democrático ter exigido discussões sobre a possibilidade de solução integrada. É o que está a ficar esboçado.
Draghi, se candidato, é inquestionável, está eleito.
Cresce ao mesmo tempo a ideia de governo do Presidente, portanto com Draghi a continuar a influenciar através de um chefe de governo escolhido por ele e aceite pelos partidos da ampla aliança que apoia o executivo.
A académica milanesa Marta Cartabbia, uma independente atual ministra da Justiça, com fama de competente e hábil negociadora é uma hipótese. Outra via a crescer é a de outra mulher, Elisabetta Belloni, ex-secretária geral do ministério dos Negócios Estrangeiros, ex-chefe de gabinete do ex-primeiro-ministro e atual comissário europeu Paolo Gentiloni, e agora diretora dos Serviços de Inteligência e Segurança, que parece reunir consensos.
A negociação ainda pode demorar vários dias. A eleição já começou e passa por sucessivas rondas de votação. No começo aparecem nomes sem grande cartaz, servem para ganhar tempo enquanto avançam as negociações nos bastidores deste conclave político.
Está cada vez mais forte a perspetiva de Draghi presidente a influenciar, com a autoridade e o prestígio que tem, um governo de continuidade draghiana, provavelmente liderado por uma mulher independente.
Mas o conclave político está exposto a surpresas.
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